terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Papai Noel é assassinado em Moreira Sales

Adalto só queria ver a alegria das crianças. Ganhava apenas R$30 ao dia para vestir-se como Papai Noel na praça de Moreira Sales. Mas sua felicidade acabou na segunda-feira, depois que um assassino tirou sua vida. Definitivamente, o Natal não será o mesmo na comunidade.



Dilmércio Daleffe

Madrugada de segunda-feira, Avenida Belém, periferia de Moreira Sales. Na via sem pavimentação, ainda sob a poeira levantada pelos automóveis, um corpo esfaqueado era encontrado já sem vida. Adalto Querinas da Costa, aos 39 anos, acabava de ser assassinado por causa de míseros R$ 30. O crime aconteceu seis dias antes do Natal. Coincidentemente, a vítima era o Papai Noel oficial da cidade. Moreira Sales está de luto, comovida pela barbárie envolvendo um personagem mítico, principalmente, às crianças. Não bastasse a comoção dos adultos, horas mais tarde um carro fúnebre passa pelo centro da cidade anunciando não a morte de Adalto, mas sim a do Papai Noel.
Definitivamente, o Natal não será o mesmo na comunidade.

Adalto era uma figura do bem, querido pela vizinhança. Colaborava pelo bem estar do bairro – Vila Belém – e, de vez em quando, ajudava alguns moradores a pagar um talão de luz ou água. No começo do ano estimulou a população a guardar materiais recicláveis. A venda deles reverteu-se em dinheiro e, consequentemente, à compra de comida às crianças carentes. Uma atitude nobre. Trabalhador de uma serraria, passou a atuar como o Papai Noel oficial da prefeitura nos últimos três anos. Era apenas um bico. Ganhava cerca de R$ 30 ao dia. Mas, segundo sua viúva, Cícera, o dinheiro não contava. “Ele tinha satisfação no que fazia. Chegava em casa feliz, contando as histórias das crianças”, disse. Muitas foram as fotos ao lado da criançada. Mas uma delas não chegou a posar com ele: Moisés, o próprio filho de apenas um ano e meio. A foto estava marcada para o próximo domingo, dia do Natal.

Último ato

O último ato de Adalto como Papai Noel aconteceu no domingo. Ficou na praça da cidade vestido até a meia noite. Depois disso tirou a roupa vermelha e voltou para casa. Chegou contente, lembrando os pedidos das crianças. De acordo com a esposa, ele esquentou a janta e comeu ao lado dela, no cantinho da cama. Enquanto se alimentava, conversava sobre o Natal. O casal estava feliz. Ao lado, no berçinho, o filho Moisés dormia. Em seguida, ainda com o prato no colo, alguém bate palmas no portão. Era o tal “Cesinha”, o principal suspeito do crime. Cícera teria pedido que não fosse até lá, mas não adiantou. Lá fora uma discussão teve início. Adalto começou a correr em volta da casa, fugindo do impiedoso facão nas mãos do agressor. Saiu pelo portão em direção à rua, mas foi alcançado e morto por diversos golpes.

Segundo o sogro, “Cesinha” teria trabalhado um dia na serraria ao lado de Adalto. Pelo dia de serviço receberia R$30. O dinheiro foi entregue no outro dia para que a vítima entregasse a ele. No entanto, Adalto não teve tempo para apanhar a quantia. Foi morto à toa, numa fúria sem explicação por um provável usuário de drogas. O autor do homicídio ainda está foragido, Saiu há alguns dias da cadeia e já responde por outros assassinatos. Policiais o descrevem como um elemento de alta periculosidade. A PM o quer de qualquer maneira.

Para a viúva, o Natal nunca mais será comemorado. Ela agora só pensa em justiça. “Quero que ele pague por tudo o que fez”, disse. Assim como ela, grande parte da cidade se comoveu com o fato. As crianças foram comunicadas da morte do Papai Noel pelo carro de som. Já os adultos ficaram chocados pela barbárie do crime. Ainda ontem a primeira dama de Moreira Sales, Margareth Volpato, disse que não sabe se colocará outro personagem na praça. “O adalto era uma figura marcante. Era boa gente. As crianças aqui ainda estão questionando sobre a morte do Papai Noel. Está difícil”, explicou. Enquanto o município não se decide, a roupa usada por Adalto continua guardada. A praça da cidade também parece nostálgica. Segundo alguns aposentados, o lugar está realmente mais triste, faltando alguma coisa.

Prefeitura de Nova Tebas exonera 98 de uma só vez


Dilmércio Daleffe

A voz de Karina, telefonista e recepcionista da prefeitura de Nova Tebas – 73 Km de Campo Mourão - foi ouvida pela última vez ontem. É que ela e outros 97 servidores municipais foram exonerados pela prefeita Heloísa Ivazek Jensen (PRTB). Juntos, todos foram apanhados de surpresa. Foi o pior presente de Natal já visto na pequena cidade de pouco mais de sete mil habitantes. De acordo com assessores, a decisão aconteceu após a prefeita ser recomendada pelo Ministério Público em demitir quem não tivesse concurso público. Ou seja, segundo o MP, “trata-se de cargos irregulares, o que fere os princípios da legalidade, moralidade e eficiência do interesse público”, assinou Ricardo Fonseca Basso, promotor de justiça.

A partir de hoje, 25% dos 398 servidores não trabalham mais. Com isso, grande parte dos departamentos públicos da cidade ficarão fechados, inclusive o próprio prédio da prefeitura. Uma placa já havia sido colocada na porta ontem: “fechado”. De acordo com Edson Camargo, assessor da prefeita, somente três concursados permanecerão trabalhando na sede municipal. “Por isso a placa. Como três vão atender a tudo”? questiona. Camargo também é um dos demitidos. Ele disse que o final de ano será triste, sem perspectivas. Todos os exonerados ganhavam salário entre R$545 e R$1,5 mil.


Segundo levantamento, ainda em 2010 a prefeita tentou realizar um concurso público. No entanto, a falta de alguns documentos impediram a sua realização. Agora, um novo processo seletivo já está com inscrições abertas. Acontecerá no próximo dia 08. São quase 200 vagas. Atuando no departamento de Esportes de Nova Tebas, Odair de Oliveira, 54 anos, também foi pego de surpresa. “Temos compromissos. Foi uma medida terrível”, afirma. Segundo ele, a preocupação maior é para quem sobrevive única e exclusivamente do salário municipal. “Fico pensando nos pais de família que dependem deste dinheiro”, disse.

Com a saída dos 98 servidores, alguns setores públicos ficarão comprometidos, afirma Camargo. Um deles é o único hospital da cidade. “Não tenho nenhuma dúvida. Ele vai ser fechado pela falta de pessoas para trabalhar”, diz. Além dele, Ciretran, o pátio de obras e até o departamento de Agricultura não conseguirão mais atuar. Ainda ontem, assessores informaram que a prefeita já entrou com recurso contra a recomendação do MP.



Com um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Paraná, Nova Tebas tem na prefeitura a maior empregadora da cidade. O município não possui indústrias e ainda conta com um comércio inexpressivo, sem poder para absorver os 98 desempregados. Depois dos salários municipais, certamente a maior renda vem dos benefícios federais, como aposentadorias, pensões e bolsas família. Na região de Campo Mourão, Nova Tebas é uma das cidades mais carentes. São apenas duas avenidas com asfalto, algumas com paralelepípedos e a maior parte das vias sem pavimentação. Ainda, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município mantém uma incidência de pobreza de 42,82%. Além disso, tem 18,2% de seus habitantes, ou seja, 1020 pessoas, que não sabem ler ou escrever.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O universo paralelo de Nilton


Nilton e a mala 007


Dilmércio Daleffe

Rodovia Br-369, quilômetro 375. Ontem, às 16 horas, sob um céu nebuloso e ensolarado, um andarilho das estradas decidiu falar. Calado nos últimos 26 anos, ele não tinha ninguém mais com quem conversar. Aos 57 anos de idade, Nilton Cornélio Bernardes vive num universo só dele. Trata-se de um mundo paralelo onde tudo gira ao seu redor. Em resumo, é o dono e rei do seu próprio pedaço. Foi encontrado carregando uma pasta preta do tipo 007. Cansado, sentou sob a sombra de um barranco e tirou os sapatos. Os dois furados. Os pés estavam machucados. De manhã até à tarde, ele havia andado mais de 70 quilômetros. Definitivamente, Nilton é um cara sofrido.

Ali entre o gramado da BR e o barranco, Nilton sentou-se sobre o cimento da canaleta e falou da vida. Nasceu em São Jorge do Ivaí e depois de algum tempo casou-se com uma mulher que prefere nem mencionar o nome. Da união nasceram quatro filhos. Um deles já morreu. Outras três meninas, segundo ele, estão casadas. Todas bem. Mas quando lembra da ex-companheira, fica irritado, nervoso. Começou a gritar.

Pés moídos depois da caminhada

Nilton sentou-se novamente e, numa calma de dar inveja, relatou que trabalhava na construção civil. “Pedreiro igual eu ta pra nascer”, disse. Mas atualmente, vem se dedicando à cura das pessoas. Diz que consegue livrar o mal de qualquer um. Seja a doença que existir ele alcança a cura. Para isso basta encontrar as ervas necessárias em meio ao mato. “Não precisamos de dinheiro para salvar os doentes. A natureza está aí pra isso”, revela. A reportagem bem que tentou fazer com que abrisse a maleta 007 para mostrar os “medicamentos”, mas ele desconversou e não a abriu.

Nilton é um cara do bem. Fala muito em Deus e cultiva seus próprios espíritos. Afinal, são eles quem o acompanham em sua jornada. Além da maleta preta, carrega consigo outra bolsa com pertences pessoais. Mas o que o preocupa são os sapatos. Velhos e cansados da intensa caminhada, estão furados. Para agüentar ainda mais os quilômetros a seguir, os forrou com um papelão. O chulé é atormentador.

No seu universo paralelo, Nilton acredita ser dono de uma fazenda de mais de seis mil hectares no Mato Grosso. Lá ele cria gado. A propriedade está sendo administrada por um genro. Também diz ser engenheiro. Acreditava que o nome da presidente do Brasil fosse “França”. Ela teria tido, inclusive, uma conversa com ele, em particular é claro. Teria pedido conselhos para administrar o país. Coisas de Nilton.

Na verdade, Nilton é apenas mais um invisível. Um ser humano sem documentos e que jamais será visto pela sociedade. É mais cômodo não ver os problemas marginais. Não vota, não precisa de dinheiro e não vive na correria dos dias de hoje. Está longe do consumo. Isso tudo é bom, por um lado. Mas por outro, é terrível. Dorme ao relento, necessita de ajuda para comer e até para beber. Está sozinho no mundo. Vive na insegurança. O mundinho o qual ele é dono, tem seus prós e também seus contras. Mas foi ele quem o escolheu e assim morrerá sendo rei.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Os heróis estão entre nós

Há duas semanas um incêndio interrompeu a vida do menino Luiz, de apenas 12 anos. Ele morreu vítima do fogo em Campo Mourão. Mas sua irmã, Viviane, foi salva devido a ajuda imediata de dois jovens, Diony e Igor. Sem medo e despidos da covardia, arrombaram a casa para salvar a moça. A comunidade perdeu o menino. Mas ganhou dois heróis.



Dilmércio Daleffe

Diony Peterlini tem 24 anos e trabalha num banco como vigilante. Igor Gabriel de Souza é apenas um estudante de 15 anos. Seus sonhos são diferentes, assim como o dia a dia de cada um. Em comum somente a vizinhança. Moram próximos, na Vila Rio Grande, em Campo Mourão. Mas um ato heróico os mantém unidos. Juntos, eles salvaram uma jovem de 24 anos. Não fosse a bravura dos garotos, Viviane agora estaria morta, queimada dentro da própria casa. O fato aconteceu há duas semanas quando vitimou o menino Luiz, irmão da moça salva. Quis o destino que Diony e Igor chegassem em casa segundos antes do incêndio. Eram quase 23 horas. Um havia retornado do futebol. Outro do trabalho. Mesmo cansados, deixaram a acomodação da juventude de lado e partiram sobre a porta do imóvel em chamas. Salvaram uma vida.

Diony é um garoto sem maldades. Está escrito na cara dele. Evangélico, trabalha há um ano como vigilante de banco em Campo Mourão. Atua armado, mas ainda não precisou utilizar a pistola. Queria ser jogador de futebol. Até tentou anos antes, quando jogou como lateral na Adap e no Sport. Mas as chances de promoção são difíceis. Definitivamente, o sol não brilha para todos nos gramados. Então ele desistiu. Fez um curso para vigia. Foi aprovado e agora trabalha na área. Mesmo depois da jornada, vez em quando, joga uma pelada com os amigos. No dia 23 de novembro, dia do incêndio, ele jogou. Ao voltar para casa, encontrou o vizinho e colega Igor. Conversaram algumas palavras e, quando adentraram os portões de seus lares, viram as chamas.

Aos 15 anos de idade, Igor é somente um menino. Estuda a sétima série no Colégio Estadual e trabalha na sorveteria do tio. Lá, faz de tudo um pouco. Fabrica os picolés, entrega encomendas e também atende no balcão. É um menino de ouro. Com uma conversa fácil e um sorriso de graça, ele tem o sonho em ser um dia, arquiteto. Mas antes disso, não para de pensar no incêndio daquele dia. Ele lembra que trabalhou até as 22 horas do dia 23. Quando chegou próximo a sua casa, viu Diony chegar de moto. Conversaram um pouco. Minutos depois disso, perceberam fogo na casa ao lado. A partir daí, uma vida foi salva.

A bravura

Ainda dentro de sua casa, Diony arremessou um objeto na janela do imóvel em chamas. Até então, ele não sabia se os irmãos estavam lá. “Pensei que pudessem estar dormindo. Joguei pra ver se eles acordavam. E deu certo”, disse. Nesse momento, Viviane começou a gritar. Diony e Igor se encontraram no caminho até o incêndio e, juntos, iniciaram uma tentativa de arrombamento da porta. Mas um cadeado na parte interna impedia a sua abertura. O jeito então foi chutá-la. Depois socá-la. Nada adiantava. Enquanto isso, os gritos aumentavam. Uma das tábuas então começou a soltar-se e foi aí que os dois conseguiram puxar Viviane. Já fora da casa, antes de desmaiar, ela pedia por Luiz.

Igor e Diony voltaram e tentaram encontrar o menino. Mas as explosões e as labaredas impediam que adentrassem ao imóvel. Pela mesma fresta em que salvaram Viviane, avistaram Luiz. Quando alcançaram seu braço, o puxaram. “Acho que ele ficou mais tempo porque tentou encontrar seus dois cachorrinhos. Eles morreram no incêndio”, disse Diony. O menino foi salvo, mas com o corpo completamente comprometido pelas chamas. De acordo com os dois heróis, a pele derretia. “Foi muito comovente vê-lo daquela maneira. Ele sofreu muito”, lembra Diony. A história do pequeno Luiz terminaria horas mais tarde. Ele não suportou os ferimentos e morreu.

Diony não consegue apagar de sua memória o que vivenciou. Tirou forças não sabe de onde para salvar os irmãos. “Acho que a coragem é uma coisa própria de Deus. Não tem explicação”, argumenta. Segundo ele, foi um ato impensado, impulsivo. Mesmo assim, faria tudo novamente, se precisasse. Já Igor, com um largo sorriso de menino, não sabe a grandeza de seu ato. Por ser novo, a ficha ainda não caiu. Pela sua inocência, ele até da risada. Acha que não fez nada de mais. Mas salvou uma vida. E quanto vale uma vida?

Diante do fato, os dois já se reencontraram com Viviane. Ela os agradeceu muito e chorou, comovida pela atitude dos heróis. Apesar de salvarem a irmã, ainda acreditam que podiam ter salvo Luiz, mas quis o destino que ele não sobrevivesse. Igor era amigo da vítima e acredita tratar-se de um anjo. “Ele era mais que um anjo. Tinha alguma coisa diferente nele. Todos gostavam muito dele”, afirmou. Embora a história não tenha um completo final feliz, os laços de Diony, Igor e Viviane estarão unidos para sempre. O destino dos três se cruzaram. Um anjo se foi, mas os heróis continuam entre nós.

A honestidade cruza o caminho de Cezar


Dilmércio Daleffe

Dois homens, dois cavalheiros honestos e duas histórias que se cruzaram. O primeiro é Luiz Carlos Preiszner, funcionário público da prefeitura de Campo Mourão. Leva uma boa vida quando comparado a outra grande fatia da população. Aos 40 anos de idade é casado e possui dois meninos. O segundo personagem é Cezar de Oliveira. Coincidentemente, também é servidor municipal, só que da prefeitura de Luiziana. Ele é casado, possui 39 anos e tem um filho. Até ontem, os dois personagens desta história jamais haviam se visto. Não se conheciam. Um não tinha noção da existência do outro. Mas o destino os apresentou, e da melhor forma possível: através da honestidade.

Preiszner saiu da prefeitura e aproveitou o horário do almoço para pagar algumas contas na agência do Banco Itaú, em Campo Mourão. Enquanto usava o caixa eletrônico, pensava nas tarefas a fazer. Tinha que levar os filhos à escola, tirar outros extratos, passar em duas lojas e, ainda, voltar ao trabalho sem se atrasar. Com a cabeça atordoada, deixou a carteira sobre a bancada do caixa. Ali ficaram todos seus documentos e mais R$600. Duas horas depois, já na prefeitura, sentiu falta da carteira. O desespero surgiu. Refez então todo o percurso, desde o banco até a última loja. Nada encontrou. Começou então a fazer o boletim de ocorrência (bo) da polícia através da Internet. Em meio ao documento, veio uma ligação: uma pessoa encontrou a carteira e gostaria de devolvê-la.


Quem encontrou a carteira de Preiszner foi Cezar. Trata-se de um “gentleman”, um funcionário público dotado de honestidade e, por isso, uma verdadeiro cidadão brasileiro. Espelhar-se na sua atitude é dever de todos. Conta ele que também estava no Itaú pagando contas, quando viu a carteira sem dono. Sem pestanejar, a apanhou já imaginando o que faria. Imediatamente, saiu da agência e dirigiu-se até o Jornal TRIBUNA. Lá, explicou que estava em posse de uma carteira e gostaria de devolvê-la ao dono. A equipe do jornal localizou o “distraído” Preiszner que logo compareceu à sede do diário. Um grande abraço seguido de agradecimentos marcou o encontro dos dois. O destino finalmente os apresentou, selando uma possível amizade futura.

“Gostaria de agradecer você e dar alguma coisa pela sua atitude”, disse Preiszner. Cezar, dotado mais uma vez de humildade, lembrou que o ato não incluí recompensas. “Você não me deve nada”, afirmou. O servidor de Luiziana recebe cerca de R$1,5 mil mensais. O dinheiro encontrado é quase 50% de sua renda. No entanto, em momento algum pensou em ficar com ele. Há 13 anos, Cezar perdeu sua carteira, também com dinheiro e documentos. Mas não teve a sorte em ter encontrado alguém como ele. Dias depois achou apenas os documentos.

Preiszner também contou que já passou por uma história semelhante. Há quase dois anos, estava na agência do Bradesco, em Campo Mourão, quando encontrou uma carteira recheada com dinheiro, cheques e documentos. Da mesma forma com que agiu Cezar, ele não pensou em ficar com a grana. “Entreguei a carteira para um vigilante do banco. Se ele entregou ao dono, eu já não sei”, disse. A partir de agora, Preiszner e Cezar têm suas vidas ligadas. A realidade dos dias de hoje é dura. Existe mais sacanagem a honestidade. Mas como simples mortais, os dois deixam lições que servem para todos, incluindo vereadores a presidentes.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Os sonhos de Luiz foram queimados

Ele queria ser apenas um veterinário. Adorava animais e queria ver a recuperação da mãe, Marli, viciada em álcool. Menino de 12 anos, Luiz viu coisas demais para uma criança. Aturou as barbaridades de sua genitora, sendo forçado a roubar e assistir o sexo da mãe com outros parceiros. Parou num orfanato. Adotado pela própria irmã, acabou morto depois de ter o corpo queimado no incêndio de sua casa. Luiz nasceu para sofrer. Era um anjo, só não tinha as asas.


Dilmércio Daleffe

Rua Porto Alegre, Vila Rio Grande, Campo Mourão. Uma rua tranqüila, sem movimento de carros. Aos fundos, uma mata. Tanto de dia, como de noite, uma calma absurda. Ali, entre os números 415 e 401, existia uma casinha de madeira azul. Desbotada pelo tempo, ela abrigava dois irmãos, Viviane, de 24 anos, e Luiz, de 12. O imóvel era pequeno, apenas quatro peças. Mas o suficiente para duas pessoas que se amavam. Juntos, os dois passaram pelos mesmos dramas e tragédias. Mal conheceram o pai e, ao mesmo tempo, viram a mãe perder-se no álcool. As conseqüências logo surgiram. Acabaram em orfanatos, cada um, a seu tempo. Fora do abrigo, Viviane conseguiu emprego e conquistou a adoção do irmão. Com muito esforço, montou a casinha. Mas na noite do dia 23 de novembro, todos os sonhos da guerreira Viviane foram destruídos. Um incêndio queimou a casa. Ela e o irmão dormiam e não viram o fogo. Vizinhos adentraram ao imóvel e salvaram a moça. O pequeno Luiz também saiu vivo, mas acabou morrendo diante das queimaduras. Segundo testemunhas, teve 90% do corpo queimado.

Luiz Fernando dos Santos era um anjo, só não tinha as asas. Talvez por este motivo tenha retornado ao paraíso antes do tempo. Ele morreu como um inocente. Uma vítima da fatalidade, de um provável curto circuito, de um acaso do destino. Dormia quando o fogo o pegou de surpresa. Teve quase todo o corpinho franzino queimado. Uma vizinha, desesperada na tentativa em ajudá-lo, viu a camiseta colada ao corpo. A arrancou. Junto veio toda a sua pele. Luiz foi levado à uma casa até a chegada do socorro. Vizinhos colocaram um ventilador para amenizar seu sofrimento. Mas ele não parava de andar. Gritava e chorava. Dizia que precisava de ajuda. Ia morrer. Não queria ficar sozinho e estava com medo. Horas mais tarde, morreu.


O menino sempre teve uma vida difícil. Nasceu de um ventre dependente de álcool e morreu sofrendo de queimaduras. As gentilezas da vida, definitivamente, jamais lhes foram apresentadas. Parece até que o menino nasceu para sofrer. Cresceu vendo a mãe beber. Ela era alcoólatra. Segundo relatos de Viviane, a mãe, Marli, bebia até três litros de cachaça por dia. As conseqüências de seus atos foram extremamente desastrosas ao filho Luiz. Ainda criança, ele era obrigado a assistir as relações sexuais da própria mãe. Também teria sido abusado sexualmente. Enquanto ficava na rua com Marli, era obrigado a roubar.

O alcoolismo da mãe fez com que ela perdesse a guarda da filha mais velha, Viviane, que foi entregue a um lar em Campo Mourão ainda aos dois anos de idade. A filha do meio, Fabiane, ficou com a avó. Já Luiz ficou com a genitora até os sete anos em Cascavel. Passou maus bocados vendo as barbaridades da mãe. Sem aceitar ajuda de outros familiares, a mãe passava noites e noites na rua. Luiz ia junto. Não tinha onde ficar. Um dia ela também perdeu o menino. A justiça determinou que fosse a um orfanato. Veio então para Campo Mourão. Distante da mãe e das irmãs, Luiz jamais conheceu o pai. Ele estava sozinho.

Fora do abrigo e já sob as asas da irmã, Luiz passou a ter um sentimento que, até então ouvia dizer que era a tal felicidade. Tinha finalmente um lar. Brincava, sorria e era bastante descontraído. Mesmo tendo uma infância destruída pela doença da mãe, gostava de desenhar e não era tímido. Passou a estudar a tarde no Colégio Estadual. Queria ser veterinário. Adorava animais. Tinha dois cãezinhos na casa. Morreu sem saber da morte de seus dois companheirinhos, esfacelados pelo fogo. Pelas manhãs freqüentava o centro de integração. À noite aguardava a irmã chegar do trabalho. Ela atuava como agente da dengue na prefeitura de Campo Mourão. Mais recentemente, passou a tomar um forte medicamento controlado. Foi encostada do trabalho. Evangélicos, os dois dormiam cedo. Possivelmente, devido ao remédio, Viviane não conseguiu acordar com o incêndio.


Ela e o irmão foram retirados da casa com a ajuda heróica de dois vizinhos. Um deles é Dione Peterlene, um jovem de apenas 24 anos que voltava de uma partida de futebol à noite. Vizinho de Viviane, ele chegou e avistou as chamas no interior da casa. Sabendo que os irmãos dormiam cedo, não pensou duas vezes e arrombou a porta. Retirou os dois, mas não a tempo de evitar as queimaduras de Luiz.

Apesar do drama da mãe, Luiz e Viviane adoravam Marli. Eles a viram pela última vez em 2010, quando a trouxeram até Campo Mourão. Ambos tinham o desejo em ajudá-la. Mas ela não parava de beber. Durante os 30 dias em que ela permaneceu com os dois, deixou os três litros de álcool para tomar apenas uma única dose diária. “Eu dava R$0,50 todo dia pra que ela comprasse uma dose. Foi um avanço. Achamos que ia melhorar. Mas ela preferiu ir embora”, lembra Viviane. A moça agora está sendo ajudada por membros da Igreja Batista, mais especificamente, pela família do reverendo Dickerson. De acordo com ela, o passo agora é recomeçar sua vida. Para isso necessita ter uma nova casa.

Na última semana, a mãe foi informada sobre a morte do filho. Ela queria estar por perto, mas a doença do álcool a debilitou completamente. Aos 43 anos de idade, está em uma cama sem conseguir andar. Tem cirrose. A tragédia de Luiz, de Viviane, e de Fabiane, é somente uma conseqüência da “condenação” de sua mãe. Luiz morreu cedo, como um inocente, sem pecados. Apontar culpados agora não o trarão de volta.

Para ajudar Viviane basta ligar para o número 3523-7384, com Arlete.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A infância perdida de Lucinéia

Antes mesmo de saber o que era errado, foi submetida aos pecados carnais. Vendida pela própria avó, ainda aos nove anos de idade, era obrigada a deitar-se com pedófilos. Aos treze anos teve o primeiro filho. Aos 17 já tinha três. Hoje, com 35 anos, teve nove. Na fúria de seu destino, viu o filho afundar-se no crack. Pegou hanseníase, viu demônios, mas acabou sendo salva por Deus. Lucinéia Aparecida da Conceição está viva e seguindo o caminho do bem.


Dilmércio Daleffe

Lucinéia jamais teve infância. Entregue a avó ainda recém nascida, vivenciou o inferno antes mesmo da morte. Obrigada a prostituir-se aos nove anos de idade, era submetida a programas sexuais com clientes pedófilos. Era vendida o dia todo pela própria família. A mulher que a herdou da filha era sombria, queria apenas dinheiro. Traiu o amor da neta pela sacanagem, orgia e depravação. A menina deixou as bonequinhas de lado para “brincar” com homens, todos doentes, que até então jamais havia visto. Os demônios que assombravam a avó eram fortes, o suficiente para fazer com que a menina dormisse e acordasse bêbada. Era mantida alcoolizada durante grande parte da infância. Até parece estória de novela, mas o fato aconteceu há 26 anos, na periferia de Campo Mourão. Lucinéia hoje possui 35 anos. Teve nove filhos, mantém seqüelas de uma hanseníase e, depois de superar toda uma vida de sofrimentos, descobriu que Deus existe.

O vento, o ar puro, as brincadeiras, a infância pararam aos nove anos. Foi aí que Lucinéia Aparecida da Conceição aprendeu jogos de adultos. Foi arremessada à cova dos leões pela própria avó, um ser já morto e enterrado. Encontrou-se com os próprios demônios. Era obrigada a deitar-se embriagada na companhia de pedófilos. Todos sujos, sem compaixão, despidos de caráter e sedentos pelo sexo infantil. Aos 13 anos já podia ser considerada como uma experiente mulher da vida. Aos 17 já era mãe de três. A jornada hostil ensinou a ter nojo de tudo. Não gostava do ser humano. Desprezava a todos. As pessoas não lhe faziam bem.


Conseguiu sair da prostituição e nunca mais ousou beber. Teve três maridos. “Nenhum valia nada”, disse ela. Dos nove filhos, quatro morreram. Mantém três em sua casa. Outros dois estão com a ex-sogra. Lucinéia é definitivamente uma mulher sofrida, uma vítima das circunstâncias patéticas do subdesenvolvimento social brasileiro. Nunca conheceu o pai. A mãe só conheceu depois dos nove anos. Mantém um convívio pacífico ainda hoje. Aprendeu a perdoar os erros. Nem a avó quer o mal. Veio de uma família bastante pobre. São sete irmãos. Mesmo em meio à decadência moral de sua infância, conseguiu ir até a sexta-série. Sabe ler e escrever. E já está bom para quem apenas borda para ganhar um dinheirinho. Casada pela quarta vez, diz ter encontrado um bom companheiro. Ele está no mercado informal. Não tem renda fixa. Mas juntos conseguem sustentar os três filhos. É somente mais um exemplo de tantas outras famílias do Brasil.


Há 15 anos, Lucinéia começou a ter dores na perna. Foi a um médico que diagnosticou uma trombose. Feridas começaram e, com elas, um mau cheiro insuportável. Numa outra consulta, veio a descoberta: era hanseníase, a terrível doença antigamente chamada de lepra. A cura foi alcançada, mas não a tempo de evitar seqüelas. Hoje, ela mantém alguns dedos atrofiados. As pernas mostram as cicatrizes de antigas feridas. Lucinéia tomou remédio e começou a curar-se. No entanto, segundo ela, a cura mesmo aconteceu somente quando descobriu a presença de Deus em sua vida. “Foi ele quem me salvou”, garante.

Se a vida já era cheia de surpresas e angústias, o destino prepararia mais uma desgraça. O filho mais velho afundou-se no crack. O pouco existente na casa modesta começou a desaparecer. Panelas com alimentos eram levadas para a compra da droga. O menino roubou até os sapatos da mãe, a ponto da mesma ir a igreja descalça para pedir ajuda. “Não tinha mais nada que pudesse fazer para salvar meu filho”, disse. Sem saber a quem mais recorrer, descobriu a casa de um pastor no Lar Paraná. Durante dois meses o garoto permaneceu no local. Ele queria ajuda e conseguiu. Passados quase oito meses, o menino deixou a droga e está trabalhando com carteira registrada. “Não tem nada impossível para Deus”, disse. Atualmente, Lucinéia anda em paz consigo mesma e agradece o pastor Adão por toda ajuda recebida.


Mas os verdadeiros problemas da cidade continuam pelas suas esquinas. Lucinéias continuam prostituídas, drogas se espalhando entre crianças, pedófilos persuadindo menores. O mal não acaba.

Um homem além de seu tempo

Ele poderia ter modificado a história de Campo Mourão. Com sua imponente personalidade, certamente seria um deputado, possibilitando um desenvolvimento ainda maior à cidade. Mas quis o destino que nem ao menos conseguisse terminar a jornada de prefeito. Roberto Brzezinski hoje (25 de novembro de 2011) completaria 100 anos de idade. Morto num acidente automobilístico em 59, eternizou um legado repleto de ensinamentos. Deixou a forma de homem para transformar-se em mito, uma lenda a ser seguida.

Texto - Dilmércio Daleffe
Pesquisa – Jair Elias dos Santos Junior


Dono de uma personalidade singular, carregada ainda de ampla humildade e uma sabedoria única, Roberto Brzezinski foi impedido em concluir a sua gestão como prefeito de Campo Mourão em 1959. Em setembro daquele ano, um acidente na estrada próximo a Engenheiro Beltrão ceifou sua vida. Ele tinha apenas 47 anos de idade. Pouco para quem muito fez. Seu legado é lembrado até hoje, reflexo das atitudes e da seriedade com que levou a vida pública. Uma vez vivo, Brzezinski completaria 100 anos hoje. Certamente serve de exemplo a milhares de servidores públicos de todo o país, descontentes com suas funções.

Roberto estava em seu último ano à frente da prefeitura de Campo Mourão. Foi o terceiro gestor eleito pela população a ocupar o cargo. Enquanto prefeito, manifestou a vontade popular em várias frentes. Não possuía idéias isoladas. Realizava as necessidades de um povo. Dono de uma oratória invejável, recebia o apoio de pessoas que nem ele mesmo conhecia. Roberto era antes de tudo um educador. A própria educação recebida dos pais já o apresentava. Preocupado com o ensino, dedicava grande parte de suas realizações ao ensino da região.


Certa vez a diretora do Colégio Marechal Rondon, em Campo Mourão, foi até o gabinete de Roberto. Ele acabara de assumir o cargo. Ela então o indagou pedindo a construção imediata de duas novas salas de aula na unidade. O prefeito explicou que ela tivesse paciência, uma vez que acabara de assumir. Ao retornar ao colégio, a diretora teria avistado dois homens fazendo medições no terreno. Quando os interrogou, os operários disseram que o prefeito ordenou a construção de duas salas. Ou seja, antes mesmo da diretora chegar ao local, Roberto já havia tomado a iniciativa da construção.

Roberto nasceu em Almirante Tamandaré em 1911. Filho de Francisco Brzezinski e Maria Kaminski, casou-se com Tecla Mussak Brzezinski. Tiveram seis filhos: Francisco Irineu, Iracema, Iria, Iran Roberto e Irene. Foi voluntário da revolução de 30. Morou em Mallet e foi professor, diretor de escola e inspetor municipal de ensino. Ali, em 1941, tornou-se Juiz de Paz. Em 1948, veio para Campo Mourão, onde montou uma serraria e adquiriu uma propriedade rural. Desde 1952 até sua morte, viveu em Campo Mourão. Conhecido pela honestidade, caráter e seriedade lançou-se a vida pública, sendo eleito prefeito de Campo Mourão em 1955 com uma soma de votos que superava a somatória dos outros três candidatos. Sua vitória uniu a sigla PSD-UDN (Partido Social Democrático e União Democrática Nacional), aliança inédita em território brasileiro.


Filho mais velho de Roberto, Irineu ainda se emociona ao relembrar as boas histórias do pai. Primogênito, era ele quem o acompanhava até sua morte. Irineu tinha apenas 22 anos quando Roberto morreu. Mesmo assim, foi o suficiente para entender que a figura de pai era também a imagem de um sujeito revolucionário. “Aprendi muito. Me ensinou sobre honestidade, seriedade e respeito às pessoas”, afirma.

Irineu foi estudar em Curitiba. Queria ser advogado. Quando voltava a Campo Mourão, ajudava o pai em suas tarefas. Certa vez, Roberto pediu que o ajudasse na compra de pneus à frota dos jipes da prefeitura. Irineu então saiu pelo comércio e começou o levantamento de preços. Num dos estabelecimentos, o dono disse que se a compra fosse realizada ali, Irineu ainda sairia com uma comissão. À noite, o pai e prefeito quis ver o levantamento feito pelo filho. Irineu explicou que numa das lojas tinha até comissão. Roberto logo riscou aquela. “Ele disse que isso não podia acontecer. Era errado. Disse que nunca mais iria comprar naquela empresa”, lembra Irineu.

Roberto adorava futebol. Sempre que ia a capital levava o filho para ver as partidas no estádio. Torcia para o Coritiba. Quando estudava no Colégio Paranaense, Roberto jogava como titular pelo time. Era goleiro e, segundo testemunhas, era muito bom na posição. Em suas recordações, Irineu lembra que o pai dava liberdade de diálogo com os filhos. Era um líder nato. Enquanto prefeito, Roberto reunia todas as manhãs moradores de várias regiões que compunham Campo Mourão. Numa casinha, sentados em frente a rua, todos tomavam chimarrão e, ao mesmo tempo, expunham os problemas de cada comunidade. Roberto atendia uma a uma das reivindicações. Afinal, era um cara que sabia escutar. Ou melhor, os líderes devem saber ouvir.

Durante seu mandato, Roberto construiu a Praça Getúlio Vargas e promoveu a igualdade social. Construiu escolas, abriu estradas para diversos distritos e ergueu o Estádio Municipal. Mais tarde o homenagearam colocando seu nome ao estádio. Instalou a Coletoria Estadual e o Serviço de Metereologia e criou a primeira Banda Municipal. Fundou a Biblioteca Municipal. Sua morte antes de terminar o mandato, e na condição de líder regional, o favorito nas futuras eleições para mandato legislativo, comoveu o noroeste e o Paraná. Virou nome de rua, de escola e até de um distrito chamado Vila “Roberto Brzezinski”. Em 1993, por iniciativa do deputado estadual Namir Piacentini, foi lhe concedido o título de Cidadão Benemérito do Paraná, honraria entregue em 2005.

O dia da morte

No dia 21 de setembro de 1959, Roberto Brzezinski, Harrison José Borges e Alberto Bueno Ribeiro, coletor estadual, deixaram Campo Mourão com destino a Maringá. Iriam fazer parte da comitiva do governador Moysés Lupion que visitava Maringá. Saíram de Campo Mourão num veiculo jeep. Em Engenheiro Beltrão, trocaram de veiculo e mais dois passageiros seguiram na comitiva. Joaquim Bueno Godoy, prefeito de Engenheiro Beltrão e Aldevino Santigo, candidato a prefeito daquela cidade. Cinco quilômetros depois de Engenheiro Beltrão, nas proximidades da fazenda Chapadão, o acidente que mudaria a história política de Campo Mourão. A intensa poeira da estrada fez com que o motorista do carro, Aldevino Santiago, colidisse com um caminhão transportando bebidas. O choque se deu no momento que o carro foi ultrapassar um ônibus. Com a poeira, o motorista perdeu a visão do caminhão que vinha no sentido Maringá-Campo Mourão. O impacto foi tão grande que o veículo praticamente se desmanchou.

Foi ali, naquela estrada de chão, entre grades de bebidas e vidros quebrados, ferros retorcidos e a poeira vermelha, que o corpo de uma das maiores personalidades já vistas por Campo Mourão repousava já sem vida. Naquele momento, Roberto Brzezinski deixava a forma de homem, e passava a figura de lenda. Seus ensinamentos, sua honestidade continuaram sendo seguidos por alguns, principalmente, pelos filhos e netos. O legado de toda uma vida não acabou. Continua vivo em cada um dos servidores que agem de boa fé e fazem da vida pública uma missão honrosa em favor da coletividade.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Por que Eduardo Simão morreu?

Foto de Eduardo ainda quando criança

Dilmércio Daleffe

Eduardo Augusto Simão, o “Negrete”, tinha só 23 anos e trabalhava diariamente ao lado do pai, na auto-elétrica da família. Nos poucos anos em que viveu, jamais teve passagens pela polícia. Era um cara do bem, dizem os pais. Ganhava o próprio dinheiro, gostava de namorar, saía com os amigos e adorava carros. Mas na noite do dia 27 de outubro, próximo a sua casa, foi perseguido e assassinado com seis tiros. A causa do crime ainda não foi bem explicada. Aparentemente foi uma morte à toa, reflexo da violência de jovens enfurecidos. No entanto, uma outra versão, agora por parte dos suspeitos do crime, indica que a vítima não era tão inocente assim. Seja qualquer uma das hipóteses, Eduardo faz parte das estatísticas da polícia. Existe apenas nas lembranças dos pais e dos amigos.

Eduardo era o filho único da relação entre Lourdes, a mãe, e José Maria, o pai. Os dois vivem dias de tortura. Uma angústia sem fim, capaz de aniquilar qualquer sentimento de alegria ou felicidade. Afinal, o único fruto do amor resultante do matrimônio, foi levado pelas mãos frias de um assassino. Para o casal, o mundo desmoronou. O pai não consegue falar sobre o assunto, está profundamente abalado. A mãe encontra na fé em Deus forças para continuar a viver. É ela, inclusive, quem está sólida na família. Pouco do que restou de suas energias vem passando ao companheiro. Ele não está bem.

A mãe, evangélica há 16 anos, nasceu na lavoura, no bairro dos Inácio – região entre Campo Mourão e Luiziana -, e por lá permaneceu até seus 17. Foi criada pelos irmãos e pelo pai. Não conheceu a mãe. Ela morreu quando tinha apenas um ano de vida. Então, como o pai trabalhava, era a irmã de sete anos quem a criava. Uma criança cuidando de uma criança. Mesmo assim, aprendeu a levar uma vida honesta e de trabalho. Um tempo depois veio morar na cidade e, aos 28 anos, casou-se com José Maria. Do relacionamento nasceu Eduardo. Nos últimos 14 anos vem trabalhando como doméstica. Com a grana já comprou até um carrinho. Dona Lourdes é uma mulher bastante firme e meiga. Nem o passado de trabalho fez com que envelhecesse. Diz ter 51 anos, mas acreditamos que não tenha mais que 40.

O pai
José Maria é também conhecido em Campo Mourão como “Negrete”. Trata-se de um experiente eletricista de veículos, sempre voltado ao trabalho. Um sujeito de 56 anos de idade extremamente simples, sem luxo. Anda o dia todo com a roupa suja do serviço. A sua vida é bastante normal, sem regalias. Junto à esposa, conseguiu comprar ao longo dos anos um terreninho onde está hoje a residência e a oficina da família. Tijolo a tijolo, o sonho da casa própria e do negócio foi acontecendo. Até o dia da morte de Eduardo, o pequeno imóvel tinha dois quartos, um banheiro, uma cozinha e uma pequena lavanderia. Hoje, a casa parece estar menor, com um quarto a menos. Se bem que o vazio aumentou, se agigantou, a ponto de corroer os pais.

Eduardo
Eduardo começou a trabalhar com o pai ainda aos 11 anos de idade. Via seu esforço e acabou se espelhando naqueles ensinamentos. Tornou-se como José, um bom eletricista de autos. Ao contrário de outros jovens, já havia escolhido a profissão. Talvez seja por este motivo a opção em não concluir o segundo grau. “Faltavam só três matérias para ele terminar”, lembrou a mãe.

O garoto tinha uma vida normal e, de acordo com a mãe, nunca envolveu-se com drogas. Gostava de sair com os colegas e, até mesmo, com clientes. Há três meses, havia terminado um relacionamento com uma garota, com quem ficou por quase um ano. “Ele gostava muito dela”, disse Lourdes. Eduardo puxou o pai até nos pequenos detalhes. Era magro e alto, não ligava para roupas novas e quase nunca se abria com os pais. Era muito reservado. O dinheiro que recebia guardava. Usava apenas quando trocava de carro. Ele adorava veículos. Antes possuía um Vectra. Mais recentemente trocou por uma Saveiro. Acabou morto dentro dela.

Pela manhã da quarta-feira, no dia em que morreu, Eduardo acordou e foi trabalhar. Almoçou na companhia do pai, retornou a oficina à tarde e, já de noite, encontrou a mãe em casa. Ele estava muito feliz. O jovem tomou banho e saiu sem dizer onde ia. Segundo a mãe, ele nunca dizia. No entanto, um amigo confidenciou a Lourdes que esteve com Eduardo naquela noite numa feirinha em Peabiru. Os dois teriam retornado de madrugada. Depois disso, “Negrete” deixou o rapaz em sua casa e foi até um barzinho da cidade. A partir daí, ninguém mais sabe o que pode ter acontecido.

No meio policial existem duas versões para a causa de sua morte. A primeira diz que o rapaz envolveu-se em uma briga, que teria acontecido há quase três meses. O desentendimento seria motivado por ciúmes de uma garota, possivelmente, sua ex-namorada. O ataque de ciúmes de Eduardo teria sido tão grande a ponto de jogar o carro sobre outro jovem – irmão de um dos suspeitos do crime. De acordo com o advogado de um dos presos, André Carraro, este foi o motivo da morte. Não existe outro.

A segunda versão indica que “Negrete” pode ter emprestado sua Saveiro a um amigo. Nesta saída, o colega teria “fechado” um motoqueiro. Minutos depois e ainda enfurecido, o condutor da moto reuniu alguns amigos e encontrou a Saveiro, que já estava em posse de “Negrete”. Mas ele não sabia o que estava acontecendo. Passou a ser ameaçado desnecessariamente. Temendo algumas medidas mais enérgicas do grupo, “Negrete” deixou o local bastante decepcionado. Acredita-se que o mesmo grupo planejou sua morte.

Fé diante da dor
“Estou me apegando a Deus para ter forças. Para suportar os dias que virão”, diz Lourdes. Ela deseja justiça. Mas não a justiça dos homens e sim, a divina. “Deus vai colocar a mão sobre o assassino. Ele pagará sua dívida lá em cima”, diz a mãe, emocionada. Segundo informações da polícia, são quatro os envolvidos em sua morte. Três já estão presos. Por coincidência, três ex-clientes da vítima. O quarto elemento, que teria feito os disparos, continua foragido. Mas há quem diga que o tal elemento nem exista. Dos três presos, dois confirmaram participação no crime.

Dona Lourdes acredita que o filho morreu de graça, sem dever nada a ninguém. A perda é tão grande que foi obrigada a doar todos os pertences do filho, quase que instantaneamente a sua morte. A idéia é sofrer o mínimo possível. O crime mais uma vez abalou a sociedade. Trata-se da morte de um jovem que trabalhava diariamente ao lado do pai. Que já tinha uma profissão, mas que pode ter se envolvido com gente do mal. Algumas pessoas ainda garantem que “Negrete” repassava drogas. Mas infelizmente, ele não pode mais defender-se. Transformou-se em estatística. Eduardo Augusto Simão morreu aos 23 anos de idade e foi a 16º vítima de assassinatos em 2011 em Campo Mourão.


O Crime

Eduardo Augusto Simão, 23 anos de idade, foi alvejado por pelo menos seis tiros de pistola 9 mm. Ele foi atingido na cabeça, rosto e pescoço. Um dia após o crime a polícia civil já havia prendido três acusados pela ação. “Negrete” teria sido perseguido por duas pessoas em uma motocicleta. Próximo a sua casa, na área central, foi alcançado e morto dentro do próprio carro. Conforme a polícia, a vítima começou a ser perseguido na Avenida Manoel Mendes de Camargo. No local do crime foram encontradas dez cápsulas de pistola. A vítima não tinha antecedentes criminais.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Reis, o herói sem dinheiro

Ele só queria vender seus picolés em paz. Mas dois gatunos atravessaram seu caminho e se deram mal. Um foi preso e outro perdeu a bicicleta. Antônio Luis dos Reis virou herói, mas voltou pra casa sem grana.


Dilmércio Daleffe

Ele não é banqueiro, nem empresário e muito menos fazendeiro. Ao contrário dos abonados, anda sempre duro, com os bolsos vazios. Vez em quando tem as calças repletas de moedas, reflexo dos trocados que a profissão exige. Aos 60 anos de idade, Antônio Luis dos Reis é apenas um sorveteiro. Um mero trabalhador do mercado informal já assaltado duas vezes. Recebe de R$20 a R$30 por dia carregando o carrinho de sorvetes pelas ruas de Campo Mourão. Mas, no último sábado, deixou de ser um vendedor de picolés como tantos outros da cidade. Ele fez algo inusitado. Ao ser roubado por dois meliantes, agarrou um deles e entrou em luta corporal. Perdeu o dinheiro, mas ficou com a bicicleta de um dos gaiatos.

Reis pode ser considerado como uma espécie de herói. Afinal, tirou de circulação um ladrão capaz de roubar até mesmo idosos. Mesmo com 35 anos a mais que o gatuno, não teve medo e partiu sobre ele. O sorveteiro conta que vendia picolés no bairro Maria Barleta. Era um final de sábado comum a tantos outros, quando dois jovens morenos, com idade média de 25 anos, o pararam pedindo dois sorvetes. Compraram e pagaram. Reis continuou seu destino e, alguns metros depois, foi novamente interpelado por um deles, só que agora, de bicicleta. “O rapaz pediu mais um picolé. Quando fui dar o troco, ele arrancou todo o dinheiro da minha mão”, explicou. Sem medo, partiu pra cima do ladrão segurando-o pela camiseta. Os dois foram ao chão e a luta teve início. Numa manobra corporal, o meliante tirou a camiseta e conseguiu escapar. Levou toda a grana, cerca de R$20. O dinheiro era quase nada, mas certamente o lucro de um dia inteiro do sorveteiro. Somente aquele dia Reis havia andado quase 15 quilômetros.


Esta é a segunda vez que Reis é assaltado em Campo Mourão. Segundo ele, a situação não anda nada boa pelas ruas da cidade. Ainda em 2010, vendia algodão doce quando outro elemento passou a mão na sua grana. Mesmo assim, diz que não irá mudar. Continuará pobre, mas honesto. “Não gosto de ladrão. Na minha família não temos ladrões”, diz. Reis mora com a irmã, Merita, num ranchinho de favela na Vila São Francisco de Assis. Na verdade é um casebre mais precário que habitualmente se vê por aí. Sem forro, apertado e com a fiação à vista, é um local quase inóspito. Mas a situação vai melhorar. Os dois juntaram a grana do sorvete e do algodão doce – ela também vende – e estão fazendo outra casa maior. Mesmo sem janelas e portas, Reis está dormindo no imóvel. É que ele mal cabe no casebre da irmã. E se entrar um ladrão à noite, ele estará preparado. “Como já disse, não gosto de ladrão. Se um deles entrar aqui, tem enxada e pá”, brinca.

Reis vem de uma família de 14 irmãos – 10 homens e quatro mulheres – todos nascidos e criados em Minas Gerais. Os pais vieram ao Paraná ainda na década de 60 em busca de dinheiro e novas oportunidades. “Diziam que aqui juntavam dinheiro com rodo”, diz Merita, olhando ironicamente para o casebre. O pai vendeu a propriedade da família em Minas e comprou outra na região de Campo Mourão, em Quinta do Sol. Com o tempo, cada um dos filhos foi criando o próprio destino e, aos poucos, desaparecendo. Dos 14 irmãos, restam apenas seis. Oito já morreram. De todos eles, apenas Reis é quem teve um pouco de estudo. Fez até a quinta série, o suficiente para ler e escrever. Nem Merita foi alfabetizada.

Casou por três vezes e se separou outras duas. A última mulher morreu há quatro anos, quando morava em Cascavel. Nunca teve filhos. É estéril. Ao longo dos anos, Reis trabalhou de tudo um pouco. Atuou como cobrador em diversas empresas de ônibus do estado. Foi lubrificador, lavador de automóveis e saqueiro. A vida, definitivamente, não foi nada gentil a ele. Sempre muito trabalho e pouca rentabilidade. Mas agora, aos 60 anos, ele diz estar cansado. Há dois anos vem trabalhando como sorveteiro pelas ruas da cidade. É uma jornada difícil, com muita caminhada e no máximo R$30 ao dia. Profissão digna, mas dura pra quem tem mais de 50. O herói agora precisa de ajuda. Além de doente – toma diariamente um medicamento para evitar convulsões – necessita de materiais de construção para concluir a casinha com Merita. A casa já está em pé, com telhado e tudo. Também já tem parte do piso. Mas irá precisar de outras coisas. Além disso, necessita de ajuda para aposentar-se. A colaboração pode ser feita a partir do contato com Merita (9855-9737).


Após lutar com um dos bandidos e o mesmo ter fugido com a grana – cerca de R$20 - o outro elemento dirigiu-se até o sorveteiro na tentativa de resgatar a bicicleta. Reis encarou o segundo meliante e não permitiu que a pegasse. “Disse a ele que se quisesse pegar, um de nós iria morrer. Ele então ficou com medo”, afirmou. Minutos depois a polícia chegou e levou o comparsa. Um ladrão a menos nas ruas. Um herói a mais na cidade. Cansado e ainda abalado psicologicamente, ele foi até a delegacia e prestou queixa da situação. Num gesto de solidariedade, também teve ajuda de um terceiro, que o levou até a sorveteria que trabalhava. No entanto, disse ter voltado para casa sem a grana do dia. “Trabalhei e andei aquele dia todo, mas não levei quase nada. Perdi o dinheiro pra um ladrão”, disse.

Um Pm contra 25 alunos



Dilmércio Daleffe

Eles saíram para assistir uma simples aula prática na noite da última quinta-feira. Na verdade, uma feira de profissões organizada pela Universidade Estadual do Paraná – Fecilcam. Eram 25 alunos do Colégio Darci Costa, 20 rapazes e cinco moças, todos com idade entre 17 e 20 anos. Foi uma atividade divertida. Gostaram do que viram. Mas no retorno à escola, um aluno perturbado e sem a descência moral dos companheiros, decidiu xingar dois policiais militares que passavam ao lado do coletivo. Até aí, o que havia sido um passeio legal, transformou-se em humilhação, violência e dor. Com exceção das meninas, outros garotos afirmam ter apanhado dos Pm´s.

Todos os estudantes são unânimes em dizer porque os soldados pararam o coletivo. É que um dos colegas – o nome não será divulgado – colocou a cabeça fora do veículo e xingou os Pm´s. A viatura voltou e interrompeu a volta à escola. “O piá que xingou os soldados está errado. Concordamos com a polícia. Mas eles não podiam fazer o que acabou acontecendo”, explicou um dos alunos. O fato teria ocorrido por volta das 22h. Depois do veículo ter sido obrigado a parar, um dos soldados – o nome não será revelado até que o caso seja apurado – adentrou ao ônibus com arma em punho. Aos berros teria ofendido e xingado os garotos. Somente depois de chutes e golpes de cassetetes é que o mesmo policial perguntou quem teria sido o responsável pela ofensa.

“Primeiro eles humilharam e bateram. Depois é que perguntaram quem foi o autor dos xingos”, lembrou outro estudante. Indignada, Sirlei Martins, mãe de um dos meninos agredidos, disse que deseja punição ao soldado. “É um crime contra a humanidade. Esse homem não tem condição de lidar com a população”, afirmou. Ainda ontem, ela e outros pais registraram queixa crime contra a ação dos dois soldados. Os agredidos também fizeram exame de corpo de delito. O menor J.A. teve que ir ao hospital. De acordo com ele, levou dois golpes de cassetete e um chute nas costas. “Ele fez exames e está tomando medicamentos”, disse a tia, Sirlei Padilha. Segundo ela, trata-se de um abuso de autoridade. “Esse Pm tem que ser punido”, afirmou. Diante de todas as críticas de pais e alunos, somente um dos PM´s é que teria se exaltado. O outro apenas acompanhou a situação. Mesmo assim, não teria feito nada para impedir o suposto abuso de poder.

Mesmo não sendo agredidas fisicamente, as cinco meninas se disseram bastante chocadas com a situação. Uma delas informou que também foi ameaçada. “Ele disse que só não iria bater na gente porque não tinha certeza que os xingos partiram de nós”, explicou. Depois de descobrir o autor das ofensas, os policiais levaram o aluno com a viatura até a 16ª Sub Divisão Policial de Campo Mourão. Ele assinou um termo circunstanciado e foi liberado.

“Abordagem foi legal”, afirma subcomandante

A TRIBUNA conversou na tarde de ontem com o major Virgulino Alves da Silveira, subcomandante do 11º Batalhão de Polícia Militar de Campo Mourão, sobre a suposta abordagem da PM ao grupo de estudantes. De acordo com ele, a abordagem foi legal. No entanto, explica que não poderia ter ocorrido abuso de poder. A acusação está sendo investigada pelo comando da corporação. Silveira lamentou o caso, considerado por ele como grave. O major, que preferiu não identificar o policial, explicou que o PM está há mais de dez anos na corporação e até então não havia contra ele registro de reclamações ou envolvimento em qualquer outro tipo de situação que configurasse abuso de poder. “O policial está sujeito a lei como todas as pessoas. Se ele eventualmente exorbitou no cumprimento do dever vai responder por seu ato”, disse.

Segundo o subcomandante, o rapaz teria ofendido os policiais com palavrões de baixo calão. “Os xingaram de porcos e sujos. Jamais deveria acontecer uma situação dessa”, critica. Silveira comenta que o próprio pai do menino, um adolescente de 17 anos, teria condenado o comportamento do filho. O garoto foi encaminhado à delegacia e assinou termo circunstanciado por desacato a autoridade. O fato aconteceu na rua Souza Naves, no jardim Albuquerque, por volta das 22 horas. Silveira acrescenta que a PM apurará o caso com imparcialidade e ouvirá ambas as partes para tomar as providências cabíveis. “O fato de o rapaz ter tirado a cabeça para fora do ônibus e xingado o policial é uma falta de educação. Ele estava na escola exatamente aonde se recebe educação e, junto dele estava ainda uma professora. Ele deveria no mínimo ter respeito às autoridades”, completou.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O inferno de um homem

Ele estava praticamente morto, sem saída. Alcoólatra, morando na rua e viciado em crack, não conseguia ver o futuro. Sentado numa cadeira num boteco de Campo Mourão, seu pensamento estava longe. Mas quando acordou, percebeu uma mão estendida. Era o seu salvador. Deixou o próprio inferno e seguiu rumo a sua felicidade. Ele está salvo e voltou à vida.


Dilmércio Daleffe

Nos últimos dez anos, ele esqueceu-se de viver. Trocou a mulher e o filho pelo álcool e, rumou asfalto afora como andarilho. Deixou a barba crescer, roubou e viveu no mais alto grau da decadência humana ao comer restos em sacos de lixo. Foi humilhado, tratado como animal até parar na cadeia. Ficou seis meses pagando pela fúria da malandragem. Em liberdade, descobriu que o álcool era mais forte que ele. Foi apresentado ao crack e enterrou-se de vez em seu próprio inferno. Sentado em uma cadeira num boteco de Campo Mourão, ele não tinha a mais ninguém para pedir socorro. Estava no fundo do poço. Mas chegou um homem e o salvou.

Seu apelido é “Gordo”. Não quis ter o nome revelado. Aos 36 anos de idade, já passou de tudo um pouco. Sua trajetória pode ser resumida em três etapas, a começar em 2001. Ou seja, teve três vidas. A primeira quando ainda estava casado em Boa Esperança. Da união teve um filhinho, hoje com 14 anos. Tinha uma rotina comum. Era operador de máquinas agrícolas. Trabalhava, tomava umas com os amigos e voltava para casa. Mas a freqüência nos bares começou a aumentar. As brigas com a mulher, também. Um dia, foi obrigado a sair do lar. Tentou voltar, mas a companheira já havia se cansado. Esta era a vida antes de 2001.

A partir daí, “Gordo” ficou desnorteado, sem rumo. Como já vinha bebendo, acreditou que o caminho seria sair da cidade. Buscar novas oportunidades. E assim o fez. Pegou a estrada a pé e deixou a vida o levar, de bar em bar. Percorreu todo o estado durante dez anos. Virou andarilho, daqueles que não se preocupam em ter onde dormir, com o que comer, mas, apenas com o que beber. Sempre foi trabalhador. Nas cidades por onde passava, fazia bicos, como roçar uma data. A grana servia apenas para comprar uma cachaça. Era o seu combustível. Dormia em praças, sob as marquises de lojas e prédios públicos. Tomava banho em rios, postos de gasolina. A comida ganhava. Quando não, comia restos no lixo. Ele era um verdadeiro invisível, uma pessoa jamais vista pela sociedade. Definitivamente, um “Zé Ninguém”. Se tivesse morrido, estaria na cova rasa dos indigentes. Ninguém se importaria. Esta foi a sua segunda vida.

O.S. são as iniciais de seu nome. Mesmo com um passado de sofrimento bastante recente, prefere pensar apenas no futuro. Ele é natural de uma pequena cidade do Rio Grande do Sul chamada Victor Graeff. Uma colonização alemã, uma cidade bem organizada. Foi criado mais ao Norte, em Passo Fundo. Nas fazendas daquela região, andava ao lado do pai e da mãe. Eram funcionários de grandes agricultores. Teve uma infância rica em aprendizados, todos corretos, sinceros e o mais importante, inocentes. Não conhecia o lado desprezível do ser humano. Aos 17 anos, mudou-se para Mamborê, no Paraná, com a família e a irmã. Os pais continuaram na agricultura. Aos 21 conheceu uma moça de Boa Esperança e foi com ela que se casou.

Sua terceira vida começou a pouco tempo, mais precisamente em agosto deste ano. Alcoólatra e viciado em crack, ele não tinha ninguém a ajudá-lo. Sentado em um boteco de Campo Mourão, pensava na porcaria de sua vida quando um homem estendeu a mão. Ele aceitou na hora. Adão Adriano é um pastor com um abrigo no Lar Paraná destinado a pessoas que necessitam de ajuda. Na verdade, trata-se de um salva vidas. “Gordo” seguiu o pastor e ficou abrigado em sua casa por 40 dias. Foi o suficiente para que repensasse seu destino. Parou com a bebida. Pegou nojo pela droga e toda a malandragem aprendida nas ruas, passou a desprezar. Tornou-se um cara do bem, um homem digno. Em sua terceira vida, ele possui apenas três meses. Acabou de nascer. Os anjos disseram amém.

O.S. já estava desistindo da vida. Antes de salvar-se já havia buscado ajuda em 12 clínicas de recuperação no Paraná – Maringá, Cascavel, Marechal Cândido Rondon, Campo Mourão, Ubiratã e até Curitiba. O jeito largado a que submeteu-se afetava até seus pais. “Nunca vou me esquecer quando meu pai disse que eu não era mais seu filho”, lembrou. Não era sempre, mas quando dava, “Gordo” visitava os pais em Mamborê. O casal pedia, implorava que tomasse um rumo na vida, mas não havia jeito.

Nas ruas, aprendeu ser malandro. Mentia, corrompia as pessoas. Numa única tarde, levantou R$200 apenas pedindo dinheiro. Inventou uma mentira qualquer. Todos acreditaram. A grana foi gasta em álcool. Outra vez chegou ao limite da perversidade e adentrou uma residência para roubar. Acabou preso e pagou seis meses de cadeia. De tanto aprontar, o mal passou a persegui-lo. Estava tomando uma sozinho em Janiópolis, há alguns anos, quando dois elementos armados o colocaram no porta malas de um Gol. Levaram a um matagal. Lá disseram que iriam matá-lo. Pedindo a Deus que não o fizessem, acabou conseguindo fugir. Sua sacanagem era tanta que lembrava da casa de Deus apenas para pedir dinheiro aos padres e pastores. Não importava a religião. Todos ajudavam. Ele saía rindo. Mais uma mentira.

Mas hoje tudo é passado. E ele não gosta de relembrar o que viveu. Prefere crer no futuro. Agora está novamente casado. É servente de pedreiro e leva uma vida correta. Passou a conviver com o filho do primeiro casamento e adotou Deus como seu guia. Também quer ajudar pessoas com problemas como os que teve. Definitivamente, “Gordo” nasceu mais uma vez. Possui apenas três meses de vida, mas parece ter vindo com força total. Deixou o inferno criado por ele mesmo por uma escolha espiritual leve, longe dos demônios. O.S. é somente mais um exemplo de que nem tudo está perdido, de que o mundo ainda não acabou. Ele é a prova de que o homem pode mudar, transformar-se para o mal ou para o bem. Mas descobriu que o bem acaba prevalecendo.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Vítimas de "Ivan, o Terrível" são finalmente sepultadas

Após mais de um ano, famílias finalmente conseguiram sepultar as adolescentes assassinadas por Raimundo Gregório, ou apenas, “Ivan, o Terrível”, como ficou conhecido no meio policial. Os restos mortais estavam passando por exames de DNA na polícia científica de Curitiba e foram concluídos apenas na última semana. Por coincidência, dias depois que um programa nacional de TV divulgou o caso. Dmitria foi enterrada na quinta-feira. Já, Iara, teve velório e sepultamento no último domingo. A mãe dela, Maristela Pacheco, quer agora justiça. Não irá descansar até ver o assassino condenado.


Dilmércio Daleffe

Vítimas do impiedoso assassino “Ivan, o Terrível”, as adolescentes Iara Pacheco e Dmitria Vieira, finalmente foram sepultadas no cemitério municipal São Judas Tadeu em Campo Mourão. Dmitria teve o enterro sem velório, ainda na quinta-feira. Presentes apenas membros da família. Já Iara foi velada em uma das salas do Prever na tarde do último domingo. Depois, os parentes e amigos presenciaram o ritual de sepultamento. Foi uma cerimônia marcada pela emoção e fúria da mãe, Maristela Pacheco. Até agora ela não entende os motivos do crime.

Com o caixão lacrado, familiares fizeram um velório de quase quatro horas. Era um desejo da mãe de Iara. Durante todo o tempo, dona Maristela alternava momentos de calma e desespero. Reflexo do sentimento de amor pela filha caçula, morta aos 20 anos de idade, num crime escandalosamente bárbaro. Para se chegar ao dia do enterro, Maristela teve que aguardar quase um ano os exames para comprovar se a ossada era mesmo da filha. Durante todo este tempo, o túmulo da menina já estava pronto.

Maristela teve uma etapa de se sua angústia sanada. Ela precisava realizar o enterro da filha. “Agora estou mais calma, mais aliviada”, disse. Mesmo assim, será uma ferida aberta por toda a sua vida, uma tragédia sem poder voltar no tempo, um crime sem desculpas, uma mãe sem a filha. A partir de agora, Maristela seguirá os passos da justiça. Quer saber sobre o julgamento de “Ivan” e, um dia, ficar frente a frente com o assassino no tribunal do Fórum. “Vou ser forte e aguardar o julgamento. Quero justiça. Ele vai ter que pagar pelo que fez”, afirmou. Ainda ontem, a avó de Dmitria disse que a família prefere não mais comentar sobre o caso. As certidões de óbito das duas meninas devem sair nos próximos 20 dias.

O caso

Depois de chorarem diante da brutalidade do assassinato das duas jovens Iara e Dimitria, as famílias vinham adoecendo pelo constrangimento e humilhação em não poderem enterrá-las. Descobertas numa fossa aos fundos do Colégio Estadual Vinicius de Moraes, em Campo Mourão, no último ano, as duas ossadas já haviam sido enviadas à perícia, em Curitiba. Mesmo assim, os familiares não entendiam o porquê de tanta demora. Passados mais de um ano, coincidentemente, bastou uma única matéria sobre o caso em rede nacional para que os restos mortais fossem identificados. Maristela Pacheco, mãe de Iara, já até havia construído o túmulo da filha.

O drama vivido por dona Maristela teve início em janeiro de 2010, quando a filha saiu de casa com míseros R$50 para comprar pão. Ela nunca mais voltou. Depois disso, descobriu que restos mortais da melhor amiga da filha, Dimitria, que também estava desaparecida, haviam sido encontrados no colégio onde estudava. Dias depois veio a confirmação: outra ossada, desta vez, com pertences de Iara, também foi achada. A partir daí o mundo de Maristela partiu-se ao meio. A mulher que sempre lutou pelo bem estar da família, desmoronou.

Na última semana exames de DNA do Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba, confirmaram que as ossadas encontradas na fossa do colégio estadual Vinícius de Moraes, em agosto do ano passado, são mesmo das jovens Dimitria e Iara. O caso ficou conhecido nacionalmente como “Ivan o Terrível”. A confirmação permitirá que o assassino vá a julgamento, podendo pegar até 30 anos de prisão, em regime fechado.

Natalino será um palhaço para sempre

Aos 69 anos de idade, Natalino Moreira leva uma vida tranqüila dentro do Lar dos Velhinhos de Campo Mourão. Como o palhaço “Biro-Biro”, ele levou alegria a milhares de pessoas durante vários anos. Mas, mesmo com toda a felicidade do mundo, acabou esquecendo de pensar nele próprio. Seguiu no caminho do álcool e acabou abandonado pela família.


Dilmércio Daleffe

Natalino Moreira é uma das pessoas mais felizes do mundo. Durante muito tempo atuou como palhaço de circo. Era o palhaço “Biro-Biro”. Sua missão consistia em semear alegria entre as crianças. Fazia rir, brincava com todos e quase sempre tirava gargalhadas da platéia. Mantinha uma vida diferente. Aflorava e desafiava os sentimentos humanos. Hoje, asilado no Lar dos Velhinhos de Campo Mourão, ele encontra nos pequenos detalhes motivos de sobra para continuar sorrindo. Ele é espetacular. Sorridente todo o dia, faz piada de tudo e, ainda, se diverte com a rotina da instituição. Sem ele, o local não seria tão alegre. Nos últimos dias tem dito que está meio amarelo. Está comendo ovo demais. No entanto, apesar das gargalhadas, Natalino esconde uma história triste, de alcoolismo e abandono. Foi recolhido das ruas de São Paulo depois de se entregar ao álcool. Um irmão o salvou. A alegria do palhaço não morreu.

Aos 69 anos de idade, Natalino Moreira é um senhor que “sofre” de alegria. Em três anos de asilo, nunca ninguém o viu triste pelos cantos. “Estou aqui há um tempão e nunca recebi meu salário. Vou botar o Lar no pau”, brinca ele. Em quase toda a entrevista as piadas foram inevitáveis. Difícil até saber quando falava a verdade. Natalino nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Cândido Mota, no ano de 42. Veio ao mundo exatamente no dia 25 de dezembro – Natal - por isso o nome. Conta que os pais eram da roça. Mais tarde foram morar na cidade. O pai, Benedito, transformou-se em bilheteiro da loteria federal. Já a mãe, Catharina, era apenas dona de casa.

Ainda na sua infância, viu a família montar uma companhia de circo – o Circo Teatral Compadre Moreira. Passaram juntos a percorrer o país com as apresentações. Numa das paradas, em Uraí – Norte do Paraná -, Natalino foi comer um pastel num barzinho de um português e acabou apaixonando-se pela filha dele. O nome era Maria. Natalino roubou a mocinha e, juntos, fugiram para Londrina. Com o tempo os dois casaram e tiveram duas filhas. Trabalharam na companhia e, anos depois, cansados da atividade, foram morar em São Paulo. Lá, Natalino trabalhou como pintor. Também foi zelador de um edifício chamado Iracema. Possui muitas lembranças daquele tempo.

Mas parte de suas memórias não estão mais vivas. Foi uma etapa triste de sua caminhada. Uma época em que, segundo seu sobrinho, Antônio Carlos Arantes, prefere esquecer, fazer de conta que nunca aconteceu. Natalino bebia muito e se entregou ao álcool. Se distanciou da mulher e das duas filhas. Acabou na rua, como um andarilho. Nas avenidas da capital paulista, ele era apenas mais um “doente”. Não tomava banho e vivia sob as marquises e praças da cidade. Sempre em busca de um gole a mais, uma outra dose.

Um dos sete irmãos, que morava em Campo Mourão, decidiu ir atrás de Natalino. Não queria que o irmão acabasse na rua. Descobriu seu paradeiro e o trouxe para cá. Sem poder deixá-lo em casa, buscou ajuda do Lar dos Velhinhos Frederico Ozanan. Desde 16 de julho de 2008, Natalino foi aceito na instituição. Está lá até hoje. Distante do álcool transformou-se em uma verdadeira personalidade local. É a alegria em pessoa. Motivo de satisfação aos outros internos. Afinal, quem não deseja ficar ao lado dele?

Embora a alegria transborde frequentemente, Natalino jamais recebeu a visita das filhas ou da esposa. Ele parece fantasiar sua vida. Diz que está de férias. Mas insiste em dizer que tem paixão em semear a alegria entre as pessoas. Também tem aversão a banhos. A turma do Lar é que sofre. “Eu não gosto de tomar banho porque economizo água pra fazer o feijão”, brinca mais uma vez. Além da alegria, um velho crachá do metrô de São Paulo também insiste em acompanhá-lo, nunca saiu de seu pescoço. Mas enquanto se diverte com tudo, mantém esquecido um lado negro capaz de inibir sua felicidade. Tomara que continue assim. O palhaço não morreu.