quinta-feira, 30 de maio de 2013

Tempos de ditadura

Dilmércio Daleffe, Ana Carla Poliseli, Walter Pereira e Clodoaldo Bonete\ colaboração de Nelci Veiga e Jair Elias dos Santos 

Repressão ao comunismo e a tomada do poder


Marcha.jpg

            

        Entre 1955 e 1964, partidos ligados aos movimentos de revolução social em todo o país buscavam formar uma rede. Enquanto levantavam a bandeira da reforma agrária e o direito dos trabalhadores, aguardavam a ordem para a revolução comunista. Essas ideias, no entanto, não conseguiram ser colocadas em prática. Nos primeiros dias de abril de 64, uma violenta repressão atingia os setores mais mobilizados à esquerda no espectro político, como a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Os militares afastaram o presidente democraticamente eleito – João Goulart - e instalaram a república conhecida como ‘Redentora’, levando ao poder o Marechal Castelo Branco. Tinha início a Ditadura Militar que durou por 21 anos.
            De acordo com o assessor parlamentar e historiador Jair Elias dos Santos Junior, a justificativa dos militares envolvidos no golpe de 1964 era que todas as ações tinham como objetivo a restauração da disciplina e a hierarquia nas Forças Armadas. Além disso, buscavam deter a ‘ameaça comunista’ que, segundo eles, pairava sobre o Brasil. A ideia fundamental para os golpistas era que a principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, através de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros, ela viria de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como ‘inimigos internos’.
            Esses inimigos, de acordo com a propaganda militar, iriam instalar o comunismo no Brasil pela via revolucionária, com a subversão da ordem existente. O cenário de guerras revolucionárias na Ásia, África e em Cuba, serviam para reforçar esses temores.

Governos militares
            O governo de Castelo Branco foi marcado por uma posição autoritária. Milhares de brasileiros foram presos irregularmente, e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. Para legitimar o poder militar e todos os seus atos, foi criada em 1967 uma nova Constituição Federal. Neste ano o General Arthur da Costa e Silva foi eleito indiretamente pelo Congresso Nacional. A cada novo ato, mais esquecidos ficavam os princípios da democracia. Depois de seus anos de comando, uma junta militar composta por ministros das Forças Áereas, da Marinha e do Exército assumiu o poder nos primeiros dias de Setembro, ficando até 30 de outubro, quando foram substituídas pelo novo presidente, Emílio Garrastazu Médici.
            Médici buscou dissolver os idealismos de esquerda com campanhas para mostrar que o Brasil era um país que funcionava. Em seu governo também foi criado o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), focado na produção, abertura de mercado para o capital estrangeiro e investimentos em infraestrutura.
Ernesto Geisel sucedeu Médici em 1974. Desde o golpe, foi o primeiro militar que questionou o conceito ‘linha dura’, e tentou implantar uma transição para um regime democrático.  O último presidente da ditadura militar foi o General Figueiredo (1979-1985), responsável pela abertura democrática do regime ditatorial, com medidas como a criação de eleições diretas para governadores.

Atos Institucionais como
legitimação do regime
            Para legitimar suas ações, os governos militares emitiram 17 Atos Institucionais que ficaram conhecidos como AI. Os atos eram decretos emitidos pelos militares - que representavam o poder executivo - e não precisavam passar por aprovação do respectivo órgão legislativo. A ‘invenção’ era incompatível com a Constituição de 1946 e não possuía possuía fundamentação jurídica. A finalidade deste instrumento era justificar os atos de exceção que se seguiram. Centenas de Inquéritos Policiais-Militares (IPMs) foram abertos. Os inquéritos eram chefiados, em sua maioria, por coronéis, e tinham o objetivo de apurar atividades consideradas subversivas. Milhares de pessoas foram atingidos em seus direitos: parlamentares tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados. Entre os 17 atos, existem alguns que merecem destaque:

- Ato Institucional nº1: Escrito em 1964. Com 11 artigos, dava ao governo militar o poder de alterar a constituição, cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos por dez anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra a segurança do país.

- Ato Institucional nº2: Escrito em 1965. Com 33 artigos, instituiu eleição indireta para presidente da República, dissolveu todos os partidos políticos, reabriu o processo de punição aos adversários do regime, estabeleceu que o presidente poderia decretar estado de sítio por 180 dias sem consultar o Congresso.

- Ato Institucional nº3: Escrito em 1966. Estabelecia eleições indiretas para governador e vice-governador e que os prefeitos das capitais seriam indicados pelos governadores, com aprovação das assembleias legislativas. Estabeleceu o calendário eleitoral.

- Ato Institucional nº5: Escrito em 1968. Este ato incluía a proibição de manifestações de natureza política, além de vetar o “habeas corpus” para crimes contra a segurança nacional. Concedia ao Presidente da Republica poderes como fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares, entre outras determinações.

- Ato Institucional nº13: Escrito em 1969. Endureceu ainda mais o regime militar, institucionalizando o banimento ou expulsão do Brasil de qualquer cidadão que fosse considerado inconveniente para o regime.

- Ato Institucional nº15: Escrito em 1969. Estabelecia que todo condenado à morte seria fuzilado se, em 30 dias, não houvesse por parte do presidente da República a comutação da pena em prisão perpétua. Previa-se também a prisão de jornalistas cujas notícias estivessem em desacordo com o regime.

O araponga que saiu do frio

Ele vivenciou a ditadura militar do lado interno dos quartéis. Ao contrário dos militantes, que quase sempre apanhavam, atuou trazendo informações de pessoas influentes da sociedade. Sua missão na verdade era orientar os militares sobre parte da população formadora de opinião. Gente que, na visão militarista, era capaz de mover a massa e, consequentemente, ir contra o sistema. É claro que, por motivos óbvios, ele preferiu não ser identificado. Por este motivo, será chamado de Oswaldo. Num relato corajoso, disse que se o tempo voltasse, não faria novamente o que fez. "Hoje tenho uma consciência e um entendimento melhor sobre os fatos da época. Embora tenha aprendido muito com os militares, descobri que na sua maioria eram burros".
Oswaldo serviu o Exército entre os anos de 77 e 78 no estado de São Paulo. Após o período de treinamento de três semanas, conhecido como internato, foi selecionado para trabalhar na 2ª seção, que era responsável por toda informação e investigação das pessoas, fossem elas militares ou não. "O quartel que servi era conhecido como 2º GAE – Grupamento Anti-Aéreo, conhecido também como Grupo Bandeirantes", disse. Após alguns meses o departamento passou a se chamar de 20º GAC – Grupo de Artilharia de Campanha. As duas insígnias foram utilizadas na Itália na 2ª Guerra Mundial.

Na 2ª Seção, Oswaldo era responsável por levar e trazer documentos sigilosos, além de correspondências diárias entre o quartel e o QG do Exército, que até hoje está localizado no Parque do Ibirapuera. Mas ao contrário dos fatos de extrema violência narrados por milhares de brasileiros que vivenciaram a ditadura, Oswaldo nunca viu torturas. "Meu trabalho se restringia a levar e trazer correspondências. O que continha nesses documentos não tenho como saber, pois usavam lacre derretido, igual nos filmes da idade média, em que os reis selavam suas correspondências com o brasão real", revelou. Segundo ele, hoje em sua visão, acredita que aquele regime não era necessário. "Nada que obrigue você a fazer o que não quer é bom", disse.

Trabalhando as vezes até como uma espécie de araponga - no qual prefere não falar - acredita ter sido apenas como caráter informativo. Se havia torturas ou não, ele jamais presenciou. "Isso era um trabalho de outro grupo que eu não tinha acesso", lembra. Mas as pessoas investigadas na época ele se recorda bem. Eram intelectuais, artistas, professores e qualquer pessoa que ocupasse algum cargo formador de opinião. Se alguém exercesse alguma influência sobre a massa, essa pessoa viraria alvo da ditadura.

No tempo em que trabalhou para a ditadura, Oswaldo disse jamais ter ameaçado alguém. No entanto, ainda em 77, quando houve uma manifestação estudantil no Makenzie – Escola Técnica no bairro Santa Cecilia -, ele estava lá no meio, quando foi descoberto pelos estudantes. "Eles desconfiaram que eu não fazia parte da manifestação. Quando percebi que podiam se voltar contra mim, me afastei rapidamente para não causar nenhum tumulto. Foi a única situação um pouco tensa que passei", disse. Ele andava armado por determinadas vezes.

Na época em que serviu, Oswaldo não tinha noção o que significava uma pessoa de direita ou de esquerda. Como soldado que era, apenas obedecia ordens sem questionar. "Graças a Deus peguei o final da ditadura, final do Governo Geisel e inicio do Figueiredo"afirmou.
Passados 36 anos, Oswaldo pensa que o país não está tão diferente daquela época. Para ele, a diferença é que hoje a situação não está tão escancarada. "Basta observar o nosso governo, que manipula as massas e tenta de todas as formas mascarar essa ditadura atual com uma Democracia Socialista. Hoje, vários grupos de manobra são responsáveis para que o povo não perceba o que esta verdadeiramente por traz dessas manifestações de araque", diz. Para ele, o "barulho" em torno do Pastor Feliciano, no Congresso Nacional, é apenas mais uma manipulação para desviar o real propósito do atual governo.
De qualquer forma, somente quem sofreu as agressões de um regime autoritário pode medir o teor e as diferenças da década de 70 e a atual. Mas uma coisa é certa: Naquele tempo, esta matéria não estaria sendo publicada.

SNI e sua atuação em Campo Mourão

Com a criação do Serviço Nacional de Informações (SNI), os fichários contendo cerca de 3.000 dossiês com as informações das principais lideranças políticas, sindicais e empresariais do país foram absorvidos pelo novo órgão. Coube ao SNI a coordenação da ação repressora durante os anos que o Brasil seria comandado pelos militares.
A partir de 17 de dezembro de 1970, a Câmara Municipal de Campo Mourão enviou, mensalmente, cópias das atas das suas sessões para a agência, em Curitiba, do SNI. A prática foi interrompida em 1981, com a posse do vereador José Pedroso Fabri, eleito pelo MDB em 1976, na presidência do Legislativo.
O pedido para o envio destes documentos foi determinado pelo Coronel José Magalhães da Silva, chefe da Agência Estadual do SNI, em oficio encaminhado ao Legislativo de Campo Mourão em 1º de dezembro de 1970. O documento enviado pela Agência de Curitiba do SNI determinava que as respostas deveriam ser enviadas a Curitiba até o dia 15 de cada mês, de acordo com os códigos 185/21 e 156/17.
O código 185/21 era o “pronunciamento de vereadores sobre a execução das políticas externa e econômica do Governo Federal”. Este item determinava também que deveria “remeter cópias desses pronunciamentos tão logo sejam feitos”. Já o código 156/17 pedia a “identificação de agentes de corrupção na Administração Pública Municipal”, e solicitava “informar como se processa essa corrupção e remeter comprovantes”.
Cumprindo a determinação do SNI, em 17 de dezembro de 1970, o presidente da Câmara, Íris Antônio Mazzuchetti determinou ao Secretário “extrair cópias das atas de 1970 e fazer remessa”. Nos arquivos da Câmara foram encontradas em 2006, a segunda via dos ofícios enviados para a Agência de Curitiba do SNI de março de 1970 a outubro de 1973. Além destes documentos, foram encontrados os ofícios enviados ao Legislativo em 19 de fevereiro de 1969, da Auditoria da 5ª Região Militar 5º Distrito Naval e 5ª Zona Aérea, assinado pelo do juiz Darcy Ricetti, solicitando informações sobre a filiação partidária de Moacyr Reis Ferraz, quando da sua cassação em 1964.

Reflexos do regime em Campo Mourão

            No início de março, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade reuniu milhares de pessoas pelas ruas do centro de São Paulo. Embora Campo Mourão estivesse mais de 700 quilômetros distante da capital paulista, o movimento se repetiu por aqui, concentrando um grande número de pessoas na praça Getúlio Vargas. O ato contou com discursos do prefeito Milton Luiz Pereira e do bispo Dom Eliseu Simões Mendes.
            Durante suas pesquisas para a consolidação do livro ‘Caminhadas Vermelhas’, Nelci Veiga Mello, encontrou registros de que o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) vinha atuando na região desde 1944. Em 1964 começaram as ordens de prisão. Naquele momento, ‘caçando’ pessoas de outras cidades que poderiam estar na região. Entre as ordens de prisão, destaca-se da cúpula do Partido Comunista do Paraná. “Provavelmente foram procurados em todo o Paraná, mas a importância do núcleo do partido na região justifica a busca.”
            O partido comunista, mesmo clandestinamente buscava regiões propícias para tentar propagar a ideologia, Campo Mourão era uma dessas regiões. Para um dos militantes do partido ouvidos por Nelci, Rui Ferreira, após a fundação da União Geral dos Trabalhadores em Campina da Lagoa e Campo Mourão, as autoridades passaram a manter um olho atento sobre Campo Mourão.
“Tinhamos aqui a União Geral dos Trabalhadores que era o reduto mais ou menos público da ação do partido comunista. Ele estava na clandestinidade, mas todo mundo sabia quem era comunista. Tinhamos o Rui Ferreira e o Moacir Reis Ferraz, mas havia também a Ação Progressista da Igreja, que resultou na escola do povo e na Cruzada de Ação Social”, comenta a autoria. Segundo ela, os documentos e fotos arquivados na sede do DOPS mostram que o exército esteve na cidade, o ‘quartel-general’ foi no antigo Hotel Brasil.
Segundo ela, os relatos e documentos comprovam que o começo do regime foi mais assustador. “Com a presença dos jipes do exército e eles chamando pessoas para prestar depoimento. Essa foi uma ação mais ostensiva.” O juiz eleitoral Joaquim Eusébio Figueiredo foi cassado também. Perdeu o cargo de juiz por desorganização no cartório eleitoral. “Mas havia mais questões envolvidas.”
Além disso, a última investida do regime contra o partido comunista, a chamada Operação Marumbi, também foi momento pesado. “Mas isso não foi público. As pessoas foram ouvidas, mas sem que se alardeasse isso.” Segundo a pesquisadora, um dos motivos para não se ter conhecimento do que foi a ditadura é que o silencio ainda é opção para quem sofreu a repressão. “Eles ainda não se sentem muito a vontade. Aqui é uma região em que a direita era muito forte, então eles diziam que aqui não havia acontecido absolutamente nada. Eles negaram até o momento em que o livro foi publicado com toda a documentação e fotos citadas. O Dr. Milton Luiz Pereira negava. Outros políticos da época se negaram a falar comigo”, coloca ao explicar que a maioria não contou nem mesmo para a família o que tinha acontecido. “O silêncio era uma forma de preservar a família.”

Movimentos populares

Frente Camponesa
            Uma das tentativas de fundar uma célula do Partido Comunista aconteceu na comunidade rural de São Benedito, iniciativa de Rui Ferreira. Lá ele ficou durante um ano, até ter certeza de que suas ideias não estavam ganhando a adesão que mereciam. “Ele tinha trazido bastante dinheiro na época pra fundar essa célula e quando o dinheiro acabou e ele viu que aquilo não ia ter muito sucesso”, explica Nelci. Ferreira reuniu aproximadamente cinquenta pessoas que compunham a ala dos insatisfeitos. O projeto do PCB prometia a reforma agrária. “Tomariam posse da terra, plantariam dois pés de bananeira e uma casa.” No projeto do São Benedito foi gasto um milhão de cruzeiros, dinheiro arrecadado em São Paulo.
            Como lá não deu certo, resolveram agir na região urbana. “Começou a militância, tentativa de politizar as questões voltadas para a reforma agrária. Eram essas as bandeiras que eram expostas”, relata Nelci.

Participação da Igreja
            Por meio da Ação Popular, a Igreja Católica teve forte atuação. As ações começaram em Campo Mourão em várias frentes, uma delas sendo a alfabetização de adultos com a escolinha do povo, na vila Operária. Logo depois do golpe militar, ela recebeu o nome de Escola Isolada Osvaldo Cruz, atual Colégio Osvaldo Cruz.
Dom Eliseu.jpgAlém da escola, outras iniciativas foram registradas: os primeiros movimentos com o intuito de se fundar uma cooperativa de produtores rurais, aa Cruzada de Ação Social, o Hospital Regional Diocesano e uma Sociedade Civil, sem fins lucrativos. “A Ação Popular também se desorganizou. Teve membros presos, alguns dirigentes exilados, militantes foram perseguidos e demitidos.” As ações tinham a frente dois padres: Jose Luiz e João Batista, junto com Raquel Felau – que posteriormente foi para Curitiba e continuou a atuação.

Evangélico sente saudades da ditadura

            Enquanto muita gente de Campo Mourão evita até falar sobre o que viveu no período da ditadura, existem aqueles que sentem saudades do regime militar. É o caso do músico evangélico Antonio Carlos Ferreira, 69 anos, que diz ter vivido o melhor momento de sua vida no período dominado pelos militares. “Posso dizer que perdi a paz e a segurança, quando acabou a ditadura, em 1985”, afirma ele. 
Quando a ditadura militar eclodiu no Brasil, em 1964, Ferreira morava em Santos (SP) e trabalhava em uma exportadora de café. Sua defesa ao regime militar já começa pelo que via no Porto de Santos. “Antes da revolução havia 220 navios ao largo, sem conseguir descarregar e carregar, levando empresas a falência. Isso gerava grande prejuízo para a nação e muito desemprego, sendo que o poder tomado pelos militares trouxe a paz e a harmonia geral, sem nenhuma pressão”, recorda.
            Como músico evangélico da Congregação Cristã do Brasil, Ferreira tinha 20 anos na época (1964) e não perdia os cultos de sua igreja. “O percurso até a igreja eu fazia de barco pelo canal, passando sob as bordas do navio onde estavam os presos, todos em silêncio sem nenhuma violência. Cheguei a ser abordado na rua, após às 22 horas, e questionado sobre origem e destino. Depois fui dispensado sem nenhum problema”, comenta.
            Na época, Ferreira morava em uma pensão, com outros 40 hóspedes. Assim como ele, todos eram respeitados. “Nenhum de nós sofreu qualquer tipo de tortura ou pressão. O que não entendo é o período ser identificado como ‘anos de chumbo’, quando deveria ser chamado de ‘anos de ordem e progresso’. Sempre vi como muito positivo a ordem e o bem estar das pessoas de bem.”
            Nascido na cidade de Quatiguá (PR), Ferreira morou também em Cambará e Rolândia, antes de seguir para Santos, onde permaneceu por 4 anos e meio. “De lá fui para Dourados (MS), onde fiquei por 16 anos, como funcionário do Banco do Brasil. Fui promovido e vim para Campo Mourão, onde me aposentei e continuo morando até os dias de hoje”, ressalta. Entre os momentos mais marcantes, ele lembra da cidade de Santos, cheia de tanques e metralhadoras anti-aéreas: “Eu passava tranquilo em meio e esses tanques para ir ao trabalho, sendo que antes da revolução é que havia os piquetes de greves que me causavam muito embaraço.” 

A ditadura foi um desastre, diz ex-prefeito Augustinho Vecchi


Foram exatos 21 anos de opressão, perseguição, e torturas até o fim da Ditadura Militar (1964-1985). Em Campo Mourão, o golpe militar deixou marcas e um mar de tristes recordações. Eleito prefeito do município em pleno auge do movimento militar, em meados de 1967, o gaúcho Augustinho Vecchi relembra fatos que marcaram o seu mandato. Para ele, que chegou a proteger pessoas dos militares, a Ditadura foi um desastre. Augustinho Vecchi é natural de Lagoa Vermelha, Rio Grande do Sul. Chegou à região em 1952 em Peabiru. Seis anos depois, em 1958 veio para Campo Mourão. Foi vereador e prefeito nos mandatos de 67 a 69; 77 a 82; e 89 a 92.
O ex-prefeito falou que o regime acabou com as lideranças que se formavam dentro das escolas e foi nocivo para o progresso. “Isso foi um grande desastre”, ponderou. Na época, segundo Vecchi, os prefeitos praticamente não tinham poder sobre suas decisões. Eram obrigados a seguir o mandamentos militar. “Foi um período de muita tensão. Sempre era convocado a dar depoimentos. Ficávamos muito pressionados porque não existia liberdade alguma”, recordou. Ele exerceu dois mandatos de prefeito no período da ditadura – 67/69 e 77/82. Para ele, o que mais marcou a época foi a maneira austera que os cidadãos eram perseguidos. O ex-prefeito confessou que teve medo do regime.
Vecchi recordou que sofreu bastante assédio pela fama que Campo Mourão levava na época de ser sede do “Grupo dos 11”, movimento de oposição aos militares. “Na realidade esse grupo nunca apareceu”, comentou. O ex-prefeito disse também que não teve conhecimento de pessoas torturadas na cidade. No entanto, os cidadãos mais cultos, geralmente vistos como comunistas sofriam árdua perseguição.
Entre um dos momentos mais tensos durante a ditadura, Vecchi falou que antes de sua posse, numa manhã de 1967, foi surpreendido em sua casa por uma patrulha que queria informações. “Eles arrebentaram a minha porta e me acordaram a cutucão de baioneta. Na época minha mulher era doente e ficou bastante assustada”, recordou.
         Sobre o fato de proteger moradores dos militares, o ex-prefeito explicou que tinha um delegado amigo seu que o avisava quando recebia as ordens de prisão. “Cheguei a proteger algumas pessoas na medida do possível. Eu os avisava antecipadamente quando sabíamos dos mandados de prisão”, disse.


domingo, 19 de maio de 2013

Luciano e as suas mais de 60 noivas



Ele casou apenas uma única vez. Mas ao longo dos seus 67 anos, colecionou mais de 60 noivas. O empresário Luciano Andrade Aires é apenas um chofer de noivas. Faz isso voluntariamente apenas por diversão, ou melhor, pelo convite da festa.



Dilmércio Daleffe

Em toda sua vida, ele imaginou levar uma única noiva ao altar: a própria esposa, Dirce. Mas ao longo dos anos, não foi bem isso que aconteceu. Aos 67 anos de idade, Luciano Andrade Aires levou bem mais de 60 “prometidas” à igreja. É que, como hobby, se transformou numa espécie de chofer matrimonial. Desde a década de 80, Luciano vem conduzindo nubentes de Campo Mourão para o altar voluntariamente, sem nada cobrar pelo serviço. Ou melhor, apenas em troca do convite da festa. Ao invés de trabalho, um prazer, uma diversão. Entre a tensão e o nervosismo das noivas, Luciano chega brincando, sempre com uma piada pronta e uma cerveja escondida no isopor. No interior dos carros antigos de sua coleção, muitas histórias por contar.

Luciano é um cearense que perdeu-se nas terras vermelhas de Campo Mourão há mais de 40 anos. De sorriso fácil, é difícil vê-lo triste. Piadista e satírico possui algumas coleções. Primeiro de carros antigos. Depois de amigos. É daqueles que tem como lição de vida sorrir o tempo todo. “Quem não da risada morre mais cedo”, acredita. Empresário do ramo de motores, iniciou uma coleção de antiguidades de dar inveja. E foi aí que tudo começou.

Ainda na década de 80, uma ex-funcionária decidiu se casar. Foi então que teve a idéia de oferecer ajuda, levando-a com um dos veículos da coleção até a igreja – na época um Galaxy ano 74. A satisfação da noiva foi tamanha que Luciano decidiu ali, naquele instante, que havia descoberto um novo hobby: conduzir “prometidas” até o altar. E elas foram muitas.



Hoje em dia, a maior parte das nubentes que transporta são filhas de amigos e conhecidos. Mas nem sempre foi assim. Ele conta que muitas pessoas, sem o conhecer, vão até sua empresa para contratar o serviço. Chegam, perguntam, depois escolhem o carro e, por último, querem saber o valor. “Sempre falo que o preço é o convite do casamento. Quero ir pra festa”, diz. Luciano conta que jamais fez distinção por classe social. “Jamais pensei nisso. Levo todas que eu puder. Quero apenas diversão”, disse.

Como funciona

Depois de marcado o compromisso, Luciano vai até o salão de beleza ou hotel em que a noiva se arruma. Chega com o carro escolhido e fica a sua espera. De quepe – o chapéu do chofer – ele abre a porta e a acomoda. Já no interior do veículo lá vão os dois rumo a igreja. Para tirar a tensão da nubente, Luciano faz umas piadas e até oferece uma cerveja gelada. A maioria delas aceita. “É pra quebrar aquela tensão. Todas estão muito nervosas e aí eu entro na história pra acalmar um pouco”, diz.

Vamos pro boteco?

Certa vez, Luciano transportava uma de suas noivas até uma igreja do Jardim Santa Cruz quando veio o recado de parentes que a missa estava atrasada. Rodou com a noiva por vários minutos até que os preparativos do casamento tivessem início. Vendo o nervosismo da moça, decidiu parar num boteco para distraí-la. “Vai uma cerveja aí”? perguntou. E ela aceitou de pronto. Tomaram não uma cada, mas três. “Fiquei preocupado com ela. Perguntei se não iria ficar apertada durante a cerimônia. Ela disse que se controlaria”, revelou.



As histórias envolvem comédias da vida moderna. Luciano presenciou de tudo um pouco, afinal, ele estava lá. Certa vez, já em frente à igreja, a noiva ainda dentro do carro pergunta a mãe se ela havia trazido as alianças. Ela esqueceu-se. Depois de um corre-corre danado, tudo resolveu-se e então a noiva deixou o veículo. Assim como as alianças, Luciano já viu uma correria em busca do buquê da noiva. Ele havia sido esquecido também. Além disso, vestidos descosturados e pequenas discussões são comuns.

 À volta ao carro

Enquanto a noiva casa, Luciano fica do lado de fora da igreja, cuidando do veículo. Mas quando existe um boteco perto, ele prefere experimentar uma gelada. É sempre assim, e sempre será. Mas depois do padre finalizar a cerimônia, Luciano já está à espera, com as portas abertas do carro. Mas ao invés apenas da noiva, também vem o noivo. “Não tem como. O ´demonho´ sempre vem junto”, brinca ele. Junto ao casal, o chofer aproveita para dar conselhos. “Eu digo apenas uma coisa: não briguem. Isso não leva a nada, principalmente, porque não vão convencer alguém irritado. Além disso, nas discussões, o pior de tudo é desenterrar defuntos”, diz. Segundo ele, se conseguir, evite a discussão.

O carro então segue as determinações dos fotógrafos, que levam o casal até um local da cidade para as fotos. Somente depois disso, é que os noivos e, consequentemente, Luciano, chegam ao local da festa. Lá, o veículo estaciona em local estratégico e os três rumam à festa. Os noivos pra um lado e Luciano pro outro. Somente depois de horas, já na madrugada, os três voltam a se reencontrar. Mas daí todos já descontraídos, sorriem. A tensão já era. Luciano lembra que no começo de seu hobby ele ficava até o fim da festa para levar os noivos ao hotel. Mas agora, decidiu sair um pouco antes. O pique não é mais o mesmo. E além disso, ele tem que cuidar mesmo é da única e inseparável noiva de sua vida, a Dirce. 

domingo, 5 de maio de 2013

“Lia” comprou e trocou a mesma casa por três vezes

Ela só queria fazer negócios para
melhorar a renda. Mas foi além, chegando a adquirir e se desfazer da
mesma casa por três vezes. “Lia”, como é conhecida, acaba de trocar
mais uma vez o seu sobrado.


Lia em frente ao sobrado que trocou outras três vezes



Dilmércio Daleffe

Uma boa negociante não se acha a qualquer hora. Uma exímia negociadora
então torna-se fato raríssimo. Mas como Maria Amélia Ferreira, que
adquiriu e se desfez da mesma casa por três vezes, sempre alavancando
seus negócios, definitivamente não existe outra igual. Aos 60 anos,
“Lia”, como é conhecida, acha cômica sua história. Ela até riu durante
a entrevista. Seu comportamento foi espelhado na figura do pai,
Antônio Bruno, que até a década de 70, também havia comprado e vendido
a mesma casa por outras três vezes.

Tudo começou ainda em 95. “Lia” e o marido, Carlos, moravam numa
propriedade rural quando se encantaram com o sobrado na área central
de Campo Mourão. Numa boa conversa com o dono do imóvel, conseguiram
trocar um pelo outro, na chamada “troca de mano”. Ali, na cidade,
permaneceram por seis anos. Mas em 2001, um outro sítio posto à venda
em Araruna, chamou a atenção de “Lia”. Conversações fizeram com que o
casal deixasse o sobrado pela primeira vez, rumando novamente à zona
rural.

A inquieta “Lia”, sempre em busca de novos negócios, ficou no sítio
por dois anos. Mas muito apegada a mãe, dona Anézia, decidiu voltar à
cidade. Foi então que, anos depois, já em 2009, trocou uma outra
propriedade rural – não a de Araruna – pelo sobrado. Ou seja, retornou
ao mesmo imóvel pela segunda vez. Feliz da vida, “Lia” até poderia
estar tranquila. Afinal, trabalhava no que queria – ramo farmacêutico
-, estava ao lado da mãe e morava no sobrado de seus sonhos.

Mas a inquieta negociante não parou. Agora em dezembro, fez negócio de
novo com o sobrado. Ela e o marido trocaram o imóvel por outro sítio
na Estrada Boiadeira. Detalhe: só mudaram as roupas. Isso porque até
os móveis permaneceram na casa e no sobrado. A troca foi geral. “Se
contar nem eu entendo porque mudamos tanto deste imóvel”, disse ela.

A veia turbulenta e agitada de “Lia” tem um porquê. Ela adquiriu o
sangue negociante do pai. O finado Antônio Bruno fazia negócios o
tempo todo, chegando ao ponto de também comprar e vender a mesma casa
por três vezes. Sempre na busca de melhores oportunidades. “Lia” conta
que há alguns anos, passava por uma rua quando encontrou uma velha
casa de madeira à venda. Buscou informações e conseguiu reduzir o
valor. Ao mesmo tempo, sofria pressões da família por querer comprar
um imóvel caindo aos pedaços. Mas ela foi mais ela, e adquiriu a casa.
Depois de uma reforma razoável, vendeu a construção rapidamente,
lucrando cerca de R$25 mil.

Família reunida em frente a casa vendida três vezes pelo pai de Lia


“Lia” mora hoje com o marido num sítio distante 14 quilômetros da
cidade. Vem todos os dias para trabalhar na farmácia. Determinadas
noites dorme na casa da mãe. Ao lado de Carlos – que ela mesmo admite
que tem um “casamentão” -  teve apenas um filho, Junior. O marido
revela que estar ao lado de uma companheira como “Lia”, é um
privilégio para poucos. “Nos momentos em que estou pra baixo, sempre
vem ela pra me levantar. Só tenho a ganhar com ela. É minha grande
companheira”, afirmou. Quanto ao sobrado, “Lia” garante que não há
mais volta. Será?