segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Luiz é como um espelho do Brasil


Luiz é um personagem das ruas do Paraná. Leva uma vida miserável mas ainda assim revela atitudes de extrema nobreza, como dividir o café que ele mesmo preparou. Ele é tão somente um espelho, um reflexo do Brasil.

Dilmércio Daleffe

Ninguém é uma ilha. Mas no caso de Luiz Carlos da Rosa, sim, ele é um ilhado. Uma vítima do sistema econômico do país. Um filho mal tratado. Um indivíduo que vive só, sem muita conversa, andando de esquina a esquina à procura de um canto para se esconder. Viver é somente um passatempo. É um sobrevivente da sarjeta, das calçadas sombrias, da chuva e do frio. Ele não tem ninguém, é somente mais um passageiro da vida sofrida. Das angústias e dramas dos moradores de rua. Vive como um refugiado, evitando pessoas.


Luiz foi encontrado pelas ruas de Guarapuava numa manhã de quatro graus de temperatura. Estava todo molhado e com frio. Havia chovido durante a noite anterior. Algumas poucas roupas pendurou em uma cerca de arames para secar. Outras peças ainda úmidas, as vestia. Com o pouco sol, preparou uma pequena fogueira. Ao mesmo tempo em que se aquecia, preparava o chimarrão e o café. Não queria conversa. Sorriso muito menos. Detalhista, fez o café com o máximo zelo. Quis dividir o precioso líquido. Já o mate, secou sozinho.

Uma bicicleta completamente destruída é seu ponto de apoio. Os pneus têm fita isolante. Tentam esconder os buracos da câmara de ar. O seu quadro serve para carregar a única mochila. São trapos de roupa, a parafernália do café da manhã e o rádio surrado. Suas manhãs são sempre assim. Uma fogueira, o rádio, o café e o chimarrão. É um ritual de quem acha que tem tudo. Tudo para quem nada tem. Ainda assim faz questão em dividir o café. Esconde na cara assustadora, atitudes gentis.

Não sabe ao certo quantos anos possui. Acha que tem 46. Nos últimos tempos perdeu o gosto pela elegância. Mesmo sendo um cara gentil, deixou de ser vaidoso. Tem uma longa barba e a falta de higiene é precariamente visível. Mãos encardidas revelam os calos de uma vida inteira. Conta ele que mora na rua desde 1986, quando um incêndio destruiu tudo o que tinha. Morava de favor na casa de um tio. Era dono de uma geladeira, uma cama, um sofá e algumas panelas. Nunca teve família. O fogo levou tudo, até o próprio teto. Desde então, é personagem das ruas. Vive numa espécie de prisão perpétua, em busca de algo que ainda não descobriu o que é.

Seus dias não requerem dinheiro. Ganha comida e quando não, faz serviços gerais. Os trocados para carpir uma data são utilizados na compra por comida, do café e do mate. Vez em quando nas pilhas do radinho. Ele tem saudades dos irmãos, todos já falecidos. Filhos jamais teve. Não acredita em dias melhores, até porque, não sabe o que isso quer dizer. Luiz é um condenado sem nunca ter cometido crime algum. Paga o preço por estar em um país doente, onde a corrupção impera e a maioria das pessoas não tem os direitos que merecem. Luiz é apenas um espelho, um homem feito com pedaços de vidro. Ele reflete a realidade do Brasil, poucos com muito, muitos com pouco.

Mas ele tem um sonho. Mesmo distante, gostaria de ter sua casinha. Um cantinho só seu onde fosse o dono do próprio mundo. Lá, colocaria seus poucos pertences. Arrumaria uma estante para o velho rádio e, na cozinha, prepararia um banquete com o chimarrão e o inseparável café. Mas isso tudo é utopia para quem vive na rua. Uma ilusão. Um sonho como ganhar uma mega-sena acumulada. Mas sonhar é bom. Não se paga por isso. Enquanto ele pensa, o mundo caminha. Brasília corrompe, os homens trapaceiam e os personagens de rua... Bem, esses continuam a passar frio, fome e vontade. Luiz reflete os dias brasileiros. Ninguém fará nada por ele, como sempre.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Saudades de um Lord


Dilmércio Daleffe

Campo Mourão acordou mais triste hoje. A cidade perdeu Antônio Colli, um dos homens mais gentis que já passou por aqui. Morreu ainda novo, aos 64 anos de idade, vítima de um câncer. Uma doença maldita que insiste em apressar o caminho natural dos humanos. Um mal ainda difícil de combater e que não poupa esforços em nos levar. Desta vez, levou nosso amigo, “seo” Antônio ou “seo” Colli para os clientes, ou simplesmente, “Toninho”, como era chamado pela família.

Antônio vinha travando uma luta desleal com a doença já, há alguns anos. Mas ele sempre foi forte. Mesmo durante o tratamento, continuava firme frente ao restaurante. Por algumas vezes, era visível seu abatimento. Mesmo assim, lá vinha ele atender seus clientes, todos fiéis ao requintado sabor de sua comida. Para ter a certeza do bom atendimento, metia a mão na massa e atendia ele próprio uma a uma das pessoas. Era sua marca registrada. Não permitia erros. Seus garçons não tinham o direito de errar. Ele estava lá, atendendo e mantendo a ordem, sempre.

Dono de uma elegância e gentileza ímpar, se assemelhava a um Lord inglês. Falava baixinho, perguntava se não estava faltando nada. Queria melhorar um atendimento já marcado pela sua excelência. Saiba “seo” Antônio, que jamais faltou algo, ao contrário, às vezes tínhamos que pedir ao garçom para não mais voltar. A delicadeza com que cuidava de seus clientes era tanta que não esquecia nem mesmo os nomes. Sua preocupação era rica até nos detalhes. Amigos de fora da cidade retornavam sempre. Afinal, quem não gosta de ser atendido pelo dono e ainda, ser chamado pelo nome?

Além da correria do restaurante, sempre lotado, tinha tempo para perguntar sobre a família de seus clientes. Queria saber do trabalho, de um amigo que não via há algum tempo. “Seo” Antônio era definitivamente o cara. Um gentleman, um sofisticado maítre disfarçado de proprietário. Possivelmente, o seu sucesso se resumia àquela eterna mania do perfeccionismo. Almejava melhorar todos os dias. Mas ele também contava com o apoio da família. A esposa mandava na cozinha e os filhos, sempre ao seu lado no atendimento. Eis a fórmula do sucesso, que certamente continuará.

Saiba “seo” Antônio que seus amigos não terão dias ensolarados nas próximas semanas. É que existe uma coisa chamada saudade, difícil de explicar e que dói no peito. Não se sabe porque esta mesma dor faz com que os homens, os que gostam de ti, lacrimejem. Certa vez minha filha tentou explicar o que significava saudade. Disse ela que “saudade era tudo aquilo que fica daquilo que ficou”. Nem mesmo um adulto conseguiria explicar tão bem o que se resume tal sentimento. Só sei que sua jornada na terra foi concluída. Deixaste lições de vida, de gentilezas, de amizade e de uma profunda admiração. Graças a Deus também deixaste uma família, seus herdeiros. Eles continuarão todo um trabalho que manteve com o máximo de zelo. Obrigado por tudo, pelos banquetes, pela cerveja estupidamente gelada, pelos bons vinhos, pelo atendimento. Obrigado por permitir que nos aproximássemos e também nos apaixonássemos pelo senhor. Obrigado meu amigo!

As torres gêmeas de um pai


Dilmércio Daleffe

Ele voltava de Curitiba quando um acidente interrompeu parte de sua vida. Era 26 de janeiro de 2008. Naquele dia Mariano Machado perdeu de uma só vez a esposa, Diva, e a mais nova das três filhas, Mariane. Embora os dias passem, as coisas nunca mais foram como antes. Mesmo sendo empresário rural, proprietário de uma conhecida pousada na região e vivendo sem a correria do dia a dia, em meio ao campo, não há um só dia em que Mariano deixe de lembrar da tragédia. Um choque jamais esquecido. É por isso que o
Dia dos Pais é uma data em que prefere não mais comemorar.

Mariano segue a lei dos homens. Acredita ainda que a ordem natural da vida consiste no fato dos filhos enterrarem os pais e, não ao contrário. De uma só vez sepultou esposa e filha. Muita gente não agüentaria o que enfrentou. Ele encara as circunstâncias como se tirassem um pedaço seu. Ficou órfão, com o coração em pedaços. Mas a tristeza dos fatos também tem limite. A ausência das duas perdas é, de uma certa forma, amenizada quando recebe a visita das outras duas filhas. Elas moram longe, uma em Rondônia e outra no Mato Grosso. Mas quando chegam, é a maior alegria. O prazer máximo da vida. “As vezes pensamos que estas coisas nunca vão acontecer com a gente. Mas quando fechamos os olhos, já aconteceram”, diz.

Mariano construiu um memorial para perpetuar a história da esposa e da filha. Na própria pousada, em meio ao bosque das gabirobas, duas araucárias cresceram juntas, imponentes, lado a lado, iguaizinhas. Obra do destino ou um simples capricho da natureza? A verdade é que hoje, as duas representam as “Torres Gêmeas”, Diva e Mari, por toda a fortaleza que ainda representam junto à propriedade.

Diva morreu aos 59 anos. Ela idealizou com Mariano todo o projeto para a propriedade se transformar em pousada. Foi uma guerreira. Era a chef de cozinha do local, além de mandar e dar ordens até para o marido. Mariane era publicitária e deixou a vida ainda menina, aos 27 anos. Era meiga, amiga, divertida, um verdadeiro anjo para quem a conhecia. A mais próxima do pai. Dizem que os bons vão embora antes. Estiveram aqui apenas para semear boas lições. Fique em paz Mariano.

A Boiadeira, segundo Zeca Dirceu

A Estrada Boiadeira completou cem anos em 2010. De lá para cá muita gente se elegeu às custas de promessas jamais cumpridas pela sua conclusão. Em entrevista à TRIBUNA, o deputado federal Zeca Dirceu afirmou que o atual governo se comprometeu em terminá-la. Nem mesmo as supostas denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes serão capazes de evitar a sua consolidação. Ele também deu uma cutucada em lideranças políticas da região que não buscam reivindicar maior agilidade na sua pavimentação.


Dilmércio Daleffe

Nem mesmo as supostas irregularidades envolvendo o Ministério dos Transportes vão evitar a pavimentação da Estrada Boiadeira, afirmou esta semana o deputado federal Zeca Dirceu. Em entrevista exclusiva à TRIBUNA, ele informou que a troca de ministros deve atrasar em até 90 dias a retomada das obras. Mesmo assim, a rodovia é uma prioridade ao governo federal, uma vez que está inserida ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. “Esta rodovia não é mais um pedido. É um direito que a região tem pelo mérito de seus empresários e agricultores”, afirmou.

Zeca disse não poder afirmar que a estrada foi palco de desvios de recursos públicos ao longo dos anos. Mas acredita que foi abandonada porque os governos das décadas anteriores a 90 não acreditavam na viabilidade do projeto. Hoje, mesmo com uma nova empresa vencedora da licitação e com recursos assegurados, as obras estão paralisadas, novamente, em virtude da suposta corrupção envolvendo membros do DNIT. Ele acredita que nos próximos meses o projeto comece a ser desenvolvido, principalmente, no trecho compreendido entre Tuneiras do Oeste e Cruzeiro do Oeste.

Estimativas indicam que a obra total ainda custe ao governo cerca de R$500 milhões. Mas pouco se fala de quanto já foi gasto e perdido ao longo dos últimos 40 anos. Trabalhos de terraplanagem foram completamente jogados fora. Dinheiro público que escorreu pela sarjeta. Zeca acredita que governos anteriores almejavam ceder a estrada à iniciativa privada, por isso o abandono. Mas desta vez, segundo ele, o governo está disposto a finalizar a BR-487. “A presidente ainda era ministra quando inseriu a Boiadeira ao Pac. Ela sabe de sua importância. Eu mesmo falei pessoalmente com ela”, disse.

Para o deputado, outro aspecto relevante no atraso das obras é a atuação do Tribunal de Contas da União – TCU. “Não é uma avaliação minha, mas de várias correntes, que o TCU exagera nas suas posições. Paralisa uma grande obra por um pequeno detalhe. Não vê que o atraso traz prejuízos muito maiores ao país”, explicou. Quanto a possibilidade de corrupção no Ministério dos Transportes, Zeca disse ser uma situação lamentável. Mesmo assim, o episódio não evitará a conclusão da rodovia. “Desta vez há vontade política e o Brasil tem recursos a disposição”, afirmou.

CUTUCÕES

Além de uma nova empresa e dinheiro assegurado para mais um trecho da Boaideira, Zeca lembrou que o projeto da estrada entre Cruzeiro do Oeste a Icaraíma está 90% concluído. Trata-se de uma etapa jamais desenvolvida anteriormente. “O governo decidiu investir no projeto. E se fez isso é porque vai concluir a rodovia”, disse. Mas para que isso ocorra, há necessidade de lideranças da região pressionarem o governo. O deputado disse que mesmo ainda quando era prefeito já pedia a conclusão da estrada. “Me surpreende outras lideranças políticas do Paraná e as que têm base eleitoral em Campo Mourão, Cianorte e Umuarama não fazerem isso. Parece que existem políticos que gostam de defender apenas bandeiras fáceis, ou sair na foto daquelas já resolvidas. Eu não sou covarde”, afirmou.

PERSONAGEM

Durvalino Costa veio de longe, do interior de São Paulo, com a idéia de ganhar dinheiro com a pavimentação da Boiadeira. Ele abriu uma borracharia na comunidade de Nova Brasília, as margens da rodovia há quase 25 anos. É bem verdade que ele viu os 33 primeiros quilômetros serem asfaltados. Mas isso foi insignificante para que o negócio da borracharia desse certo. Afinal, o restante da estrada não foi terminado. Em resumo, ele morreu há cerca de cinco anos, sem ganhar dinheiro e o pior, sem presenciar a rodovia ser concluída. Hoje, além de ser personagem na trágica história da estrada, seu túmulo está a poucos metros do asfalto da Boiadeira.

Questionado se conhecia a história de “seo” Durvalino, Zeca Dirceu disse que personagens como ele podem até virem a ser homenageados com a estrada concluída. Mas quem desrespeitou “seo” Durvalino? Enfaticamente o deputado garantiu que se houve desrespeito foi através de governos anteriores a década de 90, os mesmos que tanto prometeram embora jamais ousassem consolidar sua pavimentação. Hoje, segundo ele, os governos do PT vem respeitando a região, principalmente, por começar a viabilizar a conclusão da rodovia.

A HISTÓRIA

A Estrada Boiadeira, BR-487, completou em 2010 um século de vida desde a sua abertura, em 1910. No entanto, foi só a partir de 1950 quando a população iniciou o movimento para que ela fosse pavimentada. Desde então, já se passaram 60 anos e a rodovia, que liga Campo Mourão a Cruzeiro do Oeste, continua esquecida pelas autoridades. Durante as quatro últimas décadas, ela foi “usada” e prometida por deputados, governadores, ministros e até presidentes. Muitos palanques eleitorais foram levantados a base da Boiadeira. Ao contrário de sua conclusão, o que se viu foram recursos do povo sendo perdidos pelo tempo, num já rotineiro cenário clássico de desperdício do dinheiro público.

O asfaltamento da estrada, uma das principais reivindicações da região, foi iniciado em 1986 pelo governo do estado. Porém a obra foi paralisada logo em seguida e, a erosão acabou destruindo aproximadamente 40% dos serviços de terraplanagem que já havia sido executado no trajeto. Ou seja, o dinheiro utilizado perdeu-se com o tempo. Aberta por volta de 1910, a Estrada Boiadeira, inicialmente, serviu para a condução de gado comprado no Mato Grosso para a engorda nas pastagens do Paraná.

Desde 1950, Campo Mourão e região reivindicam o seu asfaltamento. Além de beneficiar uma vasta região, a pavimentação entre Cruzeiro do Oeste e Campo Mourão vai marcar a consolidação do Corredor Setentrional de Exportação. Ou seja, com o término do conjunto de pontes em Porto Camargo, boa parte da produção do Mato Grosso do Sul deverá ser canalizada pela Boiadeira até o Porto de Paranaguá. Campo Mourão e região só tem a ganhar com uma movimentação intensa de tráfego no trecho.

Em março de 2000, em visita a rodovia, o então ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, afirmou que a Estrada Boiadeira, trecho de 73 quilômetros entre Campo Mourão e Cruzeiro do Oeste – seria concluída até 2001. Não foi como continua sendo a principal promessa nos palanques e comícios de toda a região. Do total de 73 Km, apenas 33,5 deles estão completamente concluídos.

Números

• 73 Km é a extensão total da Estrada Boiadeira, que liga Campo Mourão a Cruzeiro do Oeste.
• 25 anos é o tempo que a obra da estrada está abandonada. A construção foi iniciada em 85, com serviços de terraplanagem
• 100 anos completou a estrada em 2010, contando a partir de sua abertura, para a passagem de gado.
• 60 anos é o tempo de espera para a sua pavimentação, desde que a população regional iniciou os movimentos em prol da Boiadeira

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

No luar e no entardecer















Em busca dos pecados humanos

Ele é obcecado pela verdade. Ganha a vida descobrindo “pecados” humanos. Não pode ser visto e muito menos identificado. Ele é o “Sombra”, um detetive particular de Campo Mourão.

Dilmércio Daleffe

Ele não pode ser identificado,não quer se expor e necessita de sigilo absoluto. Afinal, trata-se de um profissional que ganha a vida buscando informações privilegiadas sobre os descaminhos de outras pessoas. Ele é o “Sombra”, apelido do único detetive particular radicado em Campo Mourão. Com dezenas de histórias cabeludas no curriculum, atua há quase 25 anos no mercado. Possivelmente, você já foi observado por ele, principalmente, se andou “pulando o muro” de casa.

Na verdade, a ação de um detetive não se restringe apenas a casos de traição, embora atinjam 80% das investigações. “Sombra” diz que também aceita pedidos de carros roubados, dossiês políticos e pessoas desaparecidas. Mas é no adultério o maior ganha pão, certamente. De todos os casos de traição investigados, apenas 20% não se confirmam. Equipado com uma parafernália de equipamentos, ele persegue, fotografa e só não faz o flagrante porque não gosta de confusão. “Quando consigo o flagrante, ligo na hora para o contratante. A partir daí, a situação é com ele”, garante. Os casos abrangem ricos e pobres, homens e mulheres, católicos e evangélicos. A traição é um mal do ser humano. Como se diz por aí, a carne é fraca.

O detetive lembra que a profissão requer psicologia. Segundo ele, já retirou revólver e faca das mãos de clientes, mulheres e homens. É que diante das traições, o ser humano perde a cabeça, ficando vulnerável a qualquer reação. “Tenho que dar conselhos. Com certeza já evitei tragédias pela região”, comenta. Durante a sua trajetória, já viu de tudo. Brigas, corridões, batidas de carros, acidentes, confusões em geral. Sempre após a consolidação dos flagrantes. “Eu particularmente não acompanho, mas fico sabendo dos ocorridos”, diz. Atualmente, ele possui quatro casos em andamento.

“Sombra” pode ser reconhecido pelo vozeirão. Afinal, atuou 16 anos como radialista. Mas foi na carreira militar quando descobriu aptidão pelas investigações. Fez vários cursos e se especializou na área. Hoje é um profissional bastante experiente. A profissão requer sigilo, integridade, fidelidade, persistência e, acima de tudo, a verdade. Definitivamente, não é para qualquer um. Ele lembra de um caso em Maringá quando a mulher pediu para investigar o marido. Durante alguns dias “Sombra” seguiu os passos, fotografou e descobriu os fatos. O esposo era mesmo um traidor. O espanto da mulher foi grande depois de saber que os encontros aconteciam com outro homem. “Ela ficou arrasada. Não aceitava perder para outro homem”, disse.

Outra investigação, já em Campo Mourão, o marido o contratou para seguir os passos da esposa. Ele desconfiava da traição. Num plano arquitetado entre contratante e detetive, a mulher pensou que o companheiro viajaria. Foi só aguardar em frente a casa. O traído pegou a amada na cama. O famoso “Ricardão” teve que fugir. Para chegar ao flagrante são pelo menos dez dias de investigação. Não é uma tarefa fácil. Por isso, os custos giram a partir de R$2 mil. “Sombra” também não atua sozinho. Mantém uma equipe e um rol variado de fantasias, desde bigodes, roupas a perucas. Tudo vale para descobrir a verdade. O detetive também é casado. Questionado se já havia investigado a própria esposa ele disse que não precisou. “Nunca se sabe”, brincou.

Serviço: Para entrar em contato com “Sombra” o e-mail é detetiveparticular84@hotmail.com


sábado, 13 de agosto de 2011

Humanos 2

O dia a dia da cidade. As personagens das ruas de Campo Mourão. Os alcoólatras da praça. Tudo é belo, não fosse a desgraça.







terça-feira, 9 de agosto de 2011

Cadeirante roubado por desgraçado moral


Dilmércio Daleffe

Um delinqüente moral, certamente viciado em drogas, roubou um cadeirante em plena área central de Campo Mourão durante o último final de semana. Encorajado pela falta de pudor, bom senso, vergonha e caráter, o ladrão queria dinheiro, mas teve que se contentar com um mísero aparelho celular, avaliado em não mais que R$200. A vítima, João Carlos dos Santos, é um deficiente físico de 39 anos que, até então, jamais imaginou passar por uma situação como esta. “Ainda perguntei a ele se não tinha vergonha de assaltar uma pessoa como eu”.

Naquela noite João estava sozinho. Acabara de deixar as duas filhas, de 8 e 12 anos, com a mãe. Ele é separado. Depois disso, foi até o Super Mufatto onde recarregou o celular. Mal sabia ele que havia colocado créditos para alimentar a fúria de mais um viciado da cidade. Uma doença que a cada dia vem se espalhando e, consequentemente, fazendo mais vítimas. Há dois quarteirões dali, o marginal chegou de bicicleta. Parou e deu voz de assalto. Mantinha uma das mãos sob a calça, aparentando estar munido de alguma arma. João disse estar sem carteira e dinheiro. O bandido sem caráter contentou-se com o celular. Fugiu rumo a alguma “boca de fumo” para se rebaixar a mais um traficante. Um mercador da morte.

Mesmo diante da ação, João manteve a calma e não deu a carteira. Venceu o viciado pela persistência. Segundo ele, era um jovem de aproximadamente 20 anos, de cor branca, bem vestido e visivelmente “viajando” sob a química tóxica dos entorpecentes. Trata-se de um ser sem escrúpulos, que perdeu a vergonha na cara. Passou a alimentar-se de vítimas indefesas para saciar o próprio vício. Até onde vai a sua coragem? Quanto pesa a sua cruz?

João, a vítima, é um rapaz novo, nem aos 40 chegou. Veio de Roncador há sete anos e trabalha como telefonista em uma das maiores empresas educacionais da cidade. Diariamente vai e vem com a própria cadeira. É deficiente físico desde que nasceu. Casou-se novamente e a esposa está grávida. Teve que tomar cuidado ao contar a notícia para não assustá-la. As gestantes são instáveis. “Eu nunca pensei que passaria por isso. Achei uma tremenda covardia”, disse. Mas agora, ele está com medo. Foi um choque enfrentar o ladrão. A sua rotina será afetada devido a ação criminosa de mais um dependente químico. Até quando?

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O ilhado do Rio Ivaí

Armando Felix é caseiro de uma ilha no Rio Ivaí há um ano. Na última semana, ele foi surpreendido com a intensidade das chuvas. Com o nível 10 metros acima do normal, ele teve que ser resgatado. Jairo Campanhã, um aposentado, foi o salvador.




Dilmércio Daleffe

Ele trabalha como zelador em uma propriedade rural às margens do Rio Ivaí, há um ano. Na verdade é o caseiro de uma chácara conhecida como “Ilha”, no município de Fênix – 65 Km de Campo Mourão. Habituado ao mato, Armando Felix, de 62 anos de idade, passou por uma situação desesperadora com as chuvas dos últimos dias. Ele teve que ser resgatado do local para não ser “devorado” pela cheia do Ivaí. O salvador foi um dos sócios da área, Jairo Campanhã. Mesmo com a forte correnteza, ele atravessou o rio de bote, trazendo o “ilhado” para um lugar seguro.

Armando foi contratado em 2010 para cuidar da pequena ilha. Na verdade trata-se de um clube particular isolado pelas águas do Ivaí. Uma sociedade composta por 13 pessoas que adquiriu a propriedade com o objetivo de pescar, se distrair, “churrasquear”, como eles brincam. Ao todo são 24 mil metros quadrados. Mas acontece que a chuva do final de semana foi intensa demais. Armando estava sozinho, como na maioria das vezes. O nível do rio estava 10 metros acima do normal e a água já beirava a sua casa. “Se a água subisse à noite, eu ia ter que dormir dentro do bote para me salvar”, disse.

Preocupado com a integridade física do companheiro, na última terça-feira, Jairo decidiu pegar o bote e resgatar Armando. Ele enfrentou uma correnteza jamais vista no rio. “Eu nunca vi uma cheia como esta. Foi a maior dos últimos 30 anos”, disse. Jairo já foi funcionário da prefeitura de Fênix e hoje está aposentado. É um dos sócios mais assíduos do clube. Vendo a intensidade da chuva, não pensou duas vezes. “Me preocupei com a saúde dele e o trouxe de volta”. O nível estava tão elevado que muitas áreas com milho e trigo foram afetadas. Diversos animais foram vistos, afugentados pela extensão da água.

A reportagem da TRIBUNA chegou ao local e encontrou o bote utilizado para o resgate. Mas Armando já havia voltado à cidade. Sã e salvo na casa de uma tia, ele contou toda a história e disse que não ficou com medo. “Se a situação piorasse, eu mesmo voltaria com um outro bote. Não tenho medo. Me jogaria rio adentro”, disse. De acordo com ele, mora há 58 anos na cidade e também nunca viu o rio Ivaí daquela maneira. “Foi só um susto. Amanhã já volto pra lá”, completou. Armando possui 10 filhos e já é bisavô. É o primeiro “ilhado” de toda a região. Não há registros de um outro caso como este.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Luz da meia noite


Dilmércio Daleffe

Era pouco mais de meia noite, quando a serração e a chuva desenharam na janela da minha casa os rabiscos de uma árvore seca. Era a luz da meia noite. A iluminação da rua favoreceu o registro da natureza urbana.

Frente a frente com a morte

Quando a vida chega ao fim, o agente funerário entra em cena. Quando menos se espera, você estará frente a frente com Adierson. Não há outra saída.


Dilmércio Daleffe

Adierson dos Santos já foi operador de áudio em uma rádio. Trabalhou na locação de mesas de sinuca e como auxiliar administrativo. Ele poderia ter sido qualquer coisa. Afinal, é esperto, inteligente e se expressa com facilidade. Na gíria, ele é o cara. No entanto, decidiu atuar num ramo de mercado incomum às pessoas. Diariamente com um terno preto e, frente a frente com a morte, ele optou por ser um agente funerário. Durante os 12 anos de profissão, teve que enfrentar as angústias da vida. Com forte personalidade, se encorajou e preparou o corpo do próprio filho, morto aos três meses de vida.

Aos 39 anos de idade, Adierson tem no sobrenome a colaboração de todos os “Santos” para exercer a profissão. Não é nada fácil estar diante da morte. Ele explica que a atividade apareceu como oportunidade na época em que atuava no setor administrativo do cemitério de Maringá. Conhecia empresas funerárias e ganhou o trabalho de uma delas. Não parou mais. Hoje, atua na capela do Prever, em Campo Mourão. “Um agente funerário tem que ter acima de tudo, respeito e ética. Afinal, trata-se de um corpo, uma pessoa que foi importante para alguém”, diz.

Na verdade, o trabalho consiste em remover o corpo até o laboratório da empresa. Ele pode estar num hospital, no Instituto Médico Legal ou em uma residência. A partir daí, acontece o atendimento aos familiares. Enquanto isso, o corpo passa por um tratamento conhecido como “Tanatopraxia” que, num resumo geral significa a conservação propriamente dita. Ou seja, todo o sangue do cadáver é retirado. Em seu lugar é injetado um líquido à base de formol cujo objetivo é fixar os tecidos. Até o momento do sepultamento, o corpo terá uma boa aparência, se é que podemos dizer isso. Ainda é realizada uma higienização completa, depois a vestimenta, a necromaquiagem e, por fim, a ornamentação com flores. Em alguns casos, há a necessidade na reparação facial do morto. Todo o processo gira em torno de duas horas e meia, em média. Nos Estados Unidos o processo dura 24 horas.

Adierson se preparou muito para a função. Fez três cursos e, atualmente, é um dos melhores profissionais da região. É ele, inclusive, que realiza o atendimento com os familiares. Possivelmente, a maioria dos mourãoenses ainda vai estar frente a frente com ele. Não existe outra saída. É inevitável. Além de saber o que fazer, principalmente dentro do laboratório, é necessário ao agente funerário ter respeito e dignidade com o corpo. Na empresa, segundo Adierson, há um insistente treinamento sobre a questão. “Falamos aos nossos funcionários que brincadeiras não devem existir. Além disso, eles devem evitar comentários fora do trabalho”, explica.


Por todos estes motivos, a profissão não é fácil. Adierson diz que ver é uma coisa, mas realizar o processo em si, é bem diferente. Para ele, a função já se tornou habitual. “Eu mesmo já fui bastante frio. Hoje penso diferente”, disse. Não é de hoje que conhecidos seus acabam na mesa do laboratório. Mas há nove anos, teve que resolver um problema com a sua consciência. Ele se deparou com a morte do próprio filho, um recém nascido de apenas três meses de vida. Morto ainda no hospital, foi ele mesmo quem decidiu preparar o corpo. “Acho que hoje, não faria de novo. Naquele momento achei que deveria fazer”, afirma. Ao contrário do que muita gente acha, Adierson tem coração, e dos grandes. A frieza com que lida no seu dia a dia é apenas um ritual da atividade. Um mal necessário.

Defunto preso

Durante os últimos 12 anos, Adierson viu de tudo, um pouco. Ele lembra que ainda em Maringá presenciou a “prisão” de um cadáver. Diz que o corpo já estava preparado e sendo velado pelos familiares, quando policiais chegaram reivindicando o defunto. Eles explicaram que tinham que levá-lo ao Instituto Médico Legal para uma necropsia. Tratava-se de um homem desaparecido do interior de São Paulo há anos. Lá, ele havia deixado filhos e esposa, sem nunca mais ter dado notícias. Em Maringá, constitui outra família. “Não sei o fim da história. Mas foi estranho”, comenta.

Ele também lembra da história de um professor. Depois de ter morrido, foi preparado e velado pela família. No entanto, ao invés de ser sepultado, como tradicionalmente acontece, teve o corpo encaminhado à faculdade de medicina. Ainda vivo, ele teria manifestado aos filhos a vontade em servir como estudo aos acadêmicos. Histórias à parte, a verdade é que todos terão o mesmo fim: na fria mesa inoxidável, toda vazada, do fúnebre e silencioso laboratório. Até lá

Condenado pelo vício

Ao entardecer, as luzes da praça desenhavam a figura solitária de um homem isolado pelo mundo. Era Laércio. Um homem que precisa de ajuda.

Dilmércio Daleffe


Isolado do mundo, Laércio foi encontrado sozinho, sentado num dos bancos da praça São José, centro de Campo Mourão. Ele passa os dias assim, sem muita conversa. Pensativo, via o vai e vem dos carros e pessoas sem conseguir observar nada. Seu pensamento estava longe. Era final de tarde e a luz amarela dos postes republicanos começava a refletir em seu rosto. Mostrava as “cicatrizes” de um passado sofrido. De uma vida ao avesso. De uma escolha errada, um caminho sem volta. Refletia o vício pelo álcool e, como conseqüência, todas as explicações de seu distanciamento dos outros seres humanos. Laércio precisa de ajuda. Ele está condenado pelo vício. Mas quem vai socorrê-lo?

Aos 58 anos de idade, já perdeu a esperança em dias melhores. Hoje, dorme ao relento. Ontem, amanheceu sob uma marquise na Irmãos Pereira. Amanhã, não sabe onde deitará. Não tem casa, filhos, muito menos mulher. Acorda todos os dias sem rumo. O objetivo é conseguir alguns trocados para a “mardita cachaça”. Afinal, neste país, qualquer moeda dá direito a uma dose de pinga. O vício torna-se barato no bolso, mas caro na consciência. A necessidade em manter-se alcoolizado é maior até que a fome. “Hoje não comi nada. Estou faminto”, disse. Laércio carregava uma pequena lata de sardinhas e um maço de couve flor. Isso era tudo, pra quem não tinha nada.

Com uma boa prosa e a constante ironia pela vida, Laércio é um cara extremamente interessante. É boa gente, gozador. Diz coisas inteligentes com sarcasmo de intelectuais marxistas. Não ta nem aí pra nada. Ele definitivamente perdeu o medo de tudo. “A minha faculdade foi a vida. Na terra dos lobos, latir é só o começo”, disse. No entanto, nem os poucos momentos de descontração escondem o seu problema. Ele está doente, com uma grande ferida em um dos pés.Nem ele sabe como tudo começou. Mas a situação não é nada boa. “Se perder o pé, vou virar o Saci Pererê”, ironiza.


Há um mês, Laércio foi encontrado no albergue. Era uma noite gelada, quando o pessoal o encontrou na rua, levando-o até o abrigo. Lá, os monitores o ajudaram a tomar banho e, consequentemente, lavar o ferimento. De acordo com eles, o pé parecia estar em estado de putrefação. O cheiro era ruim, podre. Passados mais de 30 dias, o membro continua enfaixado, embora nem Laércio saiba como está. Segundo ele, dia desses foi até o hospital quando tomou um medicamento. Ontem, no entanto, continuava mancando. Num dos pés vestia uma pantufa cinza, de pelúcia. Noutro apenas uma meia sobre o curativo.Cena patética de um país cujos personagens são reais. O Brasil está cheio de “Laércios” pelas ruas. Uns querem, outros dispensam ajuda. A verdade é que a ferida ainda existe, mas ele não está nem um pouco preocupado. A dúvida é somente sobre a quantidade de moedas a serem conseguidas amanhã. Mais uma pinga a caminho. “Só tomo cachaça. O dinheiro não dá para a cerveja”, diz.

Ao mesmo tempo em que mostra indiferença aos seus problemas, Laércio fala muito em Deus. Exibe no peito um grande crucifixo e conta histórias bíblicas, como a de Pedro, que renegou Jesus três vezes no dia em que os romanos o mataram. Mas o seu lado forte acaba quando reflete sobre a vida. Além de precisar de ajuda, ele diz aceitar a solidariedade dos outros. “Preciso de um cantinho. Tenho que parar de beber, embora não consiga. Gostaria de uma ajuda”, diz. Laércio lembra que começou a se viciar aos 21 anos, após uma depressão por causa de um amor não correspondido. Não parou mais. A vida foi regredindo, até chegar aos dias de hoje: a rua, o banco da praça, a marquise.Ele confessa ter um irmão na cidade, mas diz preferir não solicitar sua compaixão.

Mas a conversa vai chegando ao fim. É que tocaram os sinos da Catedral. Eram 19 horas. Isso representava o horário de Laércio sumir da praça. “O pessoal que recolhe gente na rua já vai aparecer por aqui. Eu não quero ir com eles”, explica. Mais uma vez, enquanto a cidade dormirá confortavelmente, Laércio terá outra noite sob as marquises do centro. Mais uma noite. Mais uma dose. Mais uma vida em risco.Quem ajudará Laércio?