domingo, 10 de agosto de 2014

Dilmar Daleffe em primeira pessoa


Dilmar Daleffe em primeira pessoa

Dilmércio Daleffe




Por anos, procurei belos personagens que figurassem meu jornalismo. Buscava boas histórias, exemplos de vida, heróis. Mas o que procurava, sempre esteve ao meu lado. O maior personagem de minhas histórias era meu pai. Eu já sabia disso. Mas por uma questão ética, não podia me levar pela paixão, não podia exemplificar o “Magrão” – como eu o chamava - em minhas porcas linhas de jornal. Mas agora, sem pudores, ou sem medo de infringir a ética, tenho que relatar quem foi Dilmar Daleffe, quem foi meu pai.

Dilmar nasceu pobre, em 46, de uma família italiana nos fundões de Urussanga, em Santa Catarina. A família veio a Campo Mourão já nos anos 50. Responsáveis, começaram uma empresa de ônibus – Real – e mais adiante, iniciaram a Auto Peças Cometa. Dilmar era o mais novo dos irmãos homens. Certa vez, emocionado, ele me contou sobre sua infância difícil. Ele pedia que valorizasse o dinheiro, já que quando criança, passou por grandes dificuldades. “Eu só escrevia a lápis. Porque quando chegava o final de ano, meu pai fazia apagar todo o caderno para que o usasse novamente no ano seguinte”, disse.  

Aos 14 anos de idade, foi influenciado por amigos e, então, o cigarro apareceu em sua vida. Os anos passaram e com a sociedade entre os irmãos, Dilmar ficou a frente da Dipar. Sempre gostou de trabalhar. E se dedicava por isso. Sua liderança era visível. Casou na década de 60 com Maura e teve quatro filhos – Delcimara, Denilson, Denise e eu. Com uma relação conturbada, a separação veio em 83. Foram anos difíceis pra todo mundo. Mas a vida seguia. E junto a ela, o cigarro e as eternas dores no estômago. Definitivamente, meu pai não conseguia largar o vício da nicotina tóxica das carteiras de cigarro. Foram milhares deles durante a vida. Pelas contas, 52 anos fumando sem parar – cerca de 748.800 cigarros.

Na década de 80, “Magrão”, reuniu-se com outras pessoas da cidade para dar um novo direcionamento a Saúde pública municipal. Ele queria mais dignidade à sua população, mesmo não sendo médico, prefeito, ou qualquer outra coisa. Aliás, desculpe, ele era apenas um cidadão. Acolheu Campo Mourão com tanto carinho, que passou a ser um desbravador de ideias e, mais que isso, de ações. Ele sentia que deveria fazer sua parte colaborando com a saúde da cidade. Aliás, poucas pessoas sabem, mas seu sonho sempre foi ser médico. Mas os recursos da família não colaboraram para que isso acontecesse.

Idealista convicto foi à luta. Junto aos seus amigos, conseguiu a doação do terreno onde é hoje a Santa Casa. Depois disso, foi de casa em casa arrecadando tijolos, cimento, pedra, areia. Tudo servia. Era o primeiro passo para a construção do Hospital Santa Casa. Em 89 fincou em seu solo a pedra fundamental. Nunca mais parou. A partir daí, meu pai dedicou mais 15 anos de sua vida àquela instituição. O valor que dou a ele é, sobretudo, ao trabalho VOLUNTÁRIO. Foram mais de 20 anos com dedicação absolutamente voluntária. Mas o que move alguém a trabalhar apenas por ideais nos dias de hoje?

No caso de Dilmar, isso era do seu espírito, da sua alma, dele mesmo. Era um cidadão. Um guerreiro de sua própria comunidade, de sua própria causa. Certa vez, decidiu sair a vereador. Já havia falado aos quatro ventos que seria um vereador sem salário e que ainda, lutaria para que os demais edis abrissem mão do dinheiro. Ele sempre acreditou que vereador não é profissão e, por esta única razão, não deveriam receber por isso. Mas acreditem: um dos candidatos impugnou sua candidatura. Nem me lembro mais como isso aconteceu. Mas por certo, aquilo não era pra ele. Acredito que também revolucionaria a Câmara.  

Essa luta de Dilmar, pela construção da Santa Casa, o tornou diferente dos demais humanos desta cidade. Não que ele tenha sido um “alienígena”, um ser com poderes sobrenaturais. Não mesmo. Mas junto a outras poucas pessoas, como os médicos Oswaldo Mauro e Laércio Daleffe, Lenilda de Assis, João Teodoro, trabalhou apenas pelo bem da sociedade. O dinheiro, não era nada perto do que aquele sonho representava. Eles queriam apenas o bem da comunidade. Diferentemente de hoje. Infelizmente, o dinheiro domina tudo. Quem tomará o lugar de Dilmar?

Durante os últimos meses, ele abriu-se poucas vezes. Numa delas, falou sobre a maior tristeza de sua vida: a saída da Santa Casa. Disse ter saído pela porta dos fundos, principalmente, diante das articulações políticas movidas por interesses escusos. Mesmo tendo feito tudo que fez, foi tratado como bandido. Nós sabemos quem foram os responsáveis pelo movimento. O mais engraçado é que todos eles, absolutamente todos, estão envolvidos em falcatruas, respondendo a processos da justiça. Pergunto agora: quem são os bandidos? Porque fizeram Dilmar deixar sua obra? O que ganharam com isso?

MUDANÇA ÀS PRESSAS

É preciso dizer que enquanto Dilmar era o presidente da Santa Casa, conseguiu unir médicos, enfermeiros, administradores, zeladores. Todos em torno daquele sonho. Ele mesmo ia até a recepção e ajudava a atender os doentes. Muitas são as histórias de pessoas ajudadas por ele. Mas um episódio tem que ser relatado. Não sei o ano, mas ainda quando a instituição estava no antigo Anchieta, uma chuva abundante inundou o hospital. A água era tanta que rachaduras começaram a surgir. Um engenheiro da prefeitura foi chamado e disse que o prédio podia ruir. Então, Dilmar começou a gritaria. Acionou funcionários e médicos com carro. Eles levaram os pacientes. Carroceiros foram chamados para levar a mobília. Tudo aconteceu em duas horas, sob chuva, goteiras, pressão e muita emoção. O hospital foi instalado provisoriamente no Hospital São José e lá ficou até ser inaugurado em 2002, onde está até hoje.

Meu pai era um cara especial, movido por belas ações. Não sabia dizer não. Vendedores passavam pela Dipar e sabiam que ali, o alvo era fácil. E ele comprava de tudo, mesmo não precisando de nada, somente para ajudar. Adquiria cabos de vassoura, rapadura, queijos caseiros, salgadinhos, sabão. Ajudava mendigos, campanhas absurdas, ação entre amigos. Tudo para ajudar. Até mesmo no jogo do bicho, quando ganhava, repartia com os funcionários. “Magrão”, também orava e agradecia por sua equipe da Dipar. O líder, Carlão, era pra ele uma espécie de filho mais velho. Está na empresa há 40 anos e Marlene uma filha mais velha.

ATROPELAMENTO

A primeira boa ação que presenciei de meu pai foi em dezembro de 1980. Era véspera de Natal e a Dipar estava aberta à noite. Estávamos dentro da loja – ainda na Capitão Índio Bandeira – quando escutamos uma freada seguida de um estrondo. Uma criança havia sido atropelada. Dilmar pulou o balcão e sem pensar pegou o corpo, colocou no banco de trás de seu Gálax e sumiu até Maringá. Apenas 30 minutos salvaram a criança. Esta história, apesar de heroica, não era contada por ele. Permaneceu apenas com ele. A família do menino atropelado sempre o visitou em vésperas de Natal, como forma de agradecimento. O herói preferiu o anonimato.

Meu pai sempre foi um menino. Apesar de suas responsabilidades agia como um eterno adolescente. Contava piadas sem graça – e ele sabia disso -, fazia pegadinhas – do tipo colocar um cigarro explosivo na carteira dos outros -, ironizava situações com amigos e familiares – chamava o genro de veado. Ele adorava rir. Depois de um casamento terminado, ele conheceu Sandra e com ela terminou seus dias. Danilo é o nosso menino caçula, o irmão de 17 anos, que agora vamos nos dedicar.

Mas a história de Dilmar também é marcada por contradições. Imagine idealizar um hospital, construí-lo para a comunidade, e, ao mesmo tempo, esquecer-se de sua própria saúde. Foi isso o que aconteceu. Teimoso e com medo de buscar exames – possivelmente que o obrigassem a largar o cigarro – meu pai jamais havia feito uma simples endoscopia. Quando fez, agora em janeiro, já era tarde demais. Tivesse feito cinco anos antes, ele estaria aqui ainda.

O passado de um homem pode ser esquecido. Principalmente, se ele não fez nada por sua comunidade. A maioria das pessoas passará em branco. Eu, certamente, não serei sombra de meu pai. Mas a história do “Magrão” continuará. Ele fez sua parte. Plantou uma semente. Tudo voluntariamente. Valores assim poderiam continuar. Mas ninguém tem a coragem de levantar a bandeira. O dinheiro é mais forte. Por isso a corrupção, por isso as falcatruas, a falta de caráter, desvios de conduta.  

Também não posso ver meu pai sem a figura maldita do cigarro. Ele praticamente nasceu segurando a sua cruz. Foram as substâncias tóxicas do “Carlton” que tiraram sua vida precocemente. O cigarro causou sua dor, proporcionou um câncer, uma cama de hospital, tirou sua vida. Ele sabia disso, mas jamais conseguiu se livrar da maldição. Disse uma vez pra mim: “Quem fuma, foi amaldiçoado”.  Quantos mais serão amaldiçoados? Quantas camas de hospital teremos que enfrentar?

Pai, saiba que onde tiver, perpetuaremos sua história. Graças a Deus podemos sentir orgulho de você. Quantos filhos podem ter orgulho de seus pais? Nós temos motivos de sobra. Me ensinou muito. Peço desculpas pelos erros que cometi. Me redimo de muitos episódios e vejo que não sou nada perto de você. Talvez algum dia, vire até nome de rua. Pode ser, não pode? Não sei se gostaria. Mas ainda é pouco perto do que fez. Mas daqui onde estou, vou mandar aquele recado que sempre me disse: Campo Mourão não merece ter gente sem caráter e sem atitude pra liderá-la – em todas as áreas. Pra fazer a cidade melhorar e crescer, exige-se ser, primeiro, um cidadão. Tem que ter atitude, olhar e corrigir os problemas e cuidar mais dos outros do que a si próprio.


Pai, em breve nos reencontraremos e daremos risada de tudo que passou aqui em baixo!!! Sei que queria agradecer muita gente que te ajudou. Faremos isso por ti. Dilmar viveu intensamente 67 anos. No dia 27 de janeiro deste ano, descobriu o tumor. Uma doença cruel e maldita que não permitiu que a enfrentássemos. Nos últimos 8 meses, acompanhei seus dramas, camas e tubos de hospitais. Foram horas, dias de sofrimento. Uma angústia desumana que acabou as 4 horas da manhã do dia 09 de agosto com um recado no celular. Um telefonema previsto. A hora havia chegado. Aquele sábado amanheceu nublado. O céu cinza anunciava algo diferente. Mas se assim tinha que ser, foi. Mas agora você descansou e está em paz. Aqui, nada mudará.