quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Nicolau foi o primeiro e o último ferreiro





Dilmércio Daleffe

Ele tinha um desejo. Queria morar e prosperar em Campo Mourão. Então, ao lado da mulher e filhos, deixou a pequena Mallet, no Paraná, para estabelecer-se sob a poeira vermelha. Chegou ainda na década de 50 e, aqui, ficou até morrer. Nicolau Szapak fez história. Foi o primeiro e também o último ferreiro da cidade. Iniciou consertando fogões a lenha, fazendo talhadeiras e desenvolvendo pequenas ferramentas. Antes de deixar a vida, continuava a labuta, mas agora, construindo churrasqueiras e criando escapamentos. Ucraniano, Nicolau morreu há 11 anos. No entanto, sua história jamais desapareceu. Ela está guardada na memória dos amigos e pessoas que o conheceram. Embora tivesse um ofício simples, foi responsável por inúmeras lições. Sem medo de errar, pode-se afirmar que o velho ferreiro teve participação fundamental na formação da comunidade mourãoense, principalmente, através de seu maior legado: a honestidade.  

Uma comunidade é construída a partir de valores e da formação de seu povo. E Campo Mourão, teve sua construção moral através de famílias pioneiras que aqui vieram. Um destes desbravadores foi Nicolau. Chegou em 53, ao lado da esposa Emília. Veio acreditando ser uma cidade promissora. Tanto acreditou que jamais foi embora. Naquele ano, surgiu com um facão na mão. As estradas ainda eram precárias e, vez em quando, picadas em meio ao mato tinham que serem feitas. Aqui, instalou-se num casebre onde é hoje a esquina da Avenida Manoel Mendes de Camargo e a Rua Mato Grosso – mais especificamente onde está hoje o estacionamento da Dipar.

Junto a casa, montou a ferraria. A partir disso, passou a trabalhar e colaborar com o desenvolvimento da cidade. Fazia de tudo, como instrumentos e ferramentas em ferro. Até ouro derretia na forja. Teve seis filhos. A eles, insistiu numa educação rígida, repleta de ensinamentos. Sua filha mais nova, Hanucia, não esquece aquelas palavras. “Pregava muito sobre honestidade. Jamais me esqueci de suas lições”, disse.  O homem, apesar do pouco estudo, tinha uma enorme sabedoria. Adorava ler. E diante das revistas e jornais, devorava cada um. Foi também um colecionador de amigos e jamais identificou um inimigo. Um deles foi Estefano Domanski. Até hoje lembra do amigo com ternura. “Ele se foi. É a vida. Mas não esqueço das nossas pescarias. Era um homem generoso, honesto, amigo. Adorava contar uma piada. Nos divertíamos bastante”, conta ele.

Domanski lembra que Nicolau era um artista. Fazia com o ferro o que muitos não fazem nem no papel. “Ele me deu uma machadinha. Era tão boa que não precisava afiar”, disse. Hanucia também tem lembranças de objetos que o pai fazia. Aliás, mesmo doente, Nicolau não se afastava da ferraria. Era sua paixão, seu hobbie, sua vida. “Ele viveu para o seu trabalho. Tanto é que não ligava para bens materiais. Se quisesse tinha ficado rico. Mas preferiu apenas viver. E viveu à família e aos amigos”, ressalta. A filha não esquece de uma frase dita pelo pai: “Se um dia aplicar seu dinheiro, invista na terra, porque ela floresce. Já os materiais, estes apodrecem”. A educação deixada por Nicolau foi tão intensa que Hanucia ainda preserva parte dos ensinamentos. Culturalmente, ela nunca deixou de falar a língua ucraína. Além disso, continua a passar para outras gerações as pinturas em pessankas – ovos coloridos a mão.  

Embora não gostasse de se meter em política, o velho ferreiro havia sido vereador em Mallet. Mas em Campo Mourão, esqueceu-se daquele passado. Preferia a vida pacata e zen a revolta do povo. Dizia que um bom prefeito é aquele que faz o bem para sua cidade, principalmente, depois de eleito.
Nicolau é um patrimônio de Campo Mourão. Como desbravador e pioneiro, deixou um legado moral invejável. Suas lições de educação e honestidade sem dúvida alguma tiveram influência na comunidade. Assim como grandes empresas deixam rastros de progresso, Nicolau ajudou a florescer o futuro. Fez sua parte. Mas ao contrário de muitos, preferiu olhar apenas à frente. Sempre acreditou na cidade. E como diz a própria filha, teve orgulho de ter morrido nas terras de Campo Mourão. Nicolau, o ferreiro, viverá para sempre.

  

Darci Deitos é uma página aberta




Dilmércio Daleffe

Sim, ele tinha defeitos. Mas quem não os têm? Um humor nem sempre para cima. Uma cara quase nunca boa. Era feito de carne, osso e alma, como todos nós. Mas ele deixou a vida. Darci Deitos morreu na última terça-feira, dia 08 de outubro. Era considerado como uma espécie de segundo pai para muitos dos amigos de seus filhos. Chegava mansinho, chamando de “guri”. “Como vai? O que tem feito?”. Perguntava sobre a vida, queria saber dos planos futuros. Dava conselhos. Coisas da vida.

É bem certo que a maioria dos humanos se vai fechando todas as páginas do livro de suas vidas. Mas Darci deixou seu livro aberto. As páginas escritas por ele estão lá, arreganhadas, pra todo mundo ver. Quem o conheceu sabe que foi uma figura sem igual. Politizado, buscou ainda cedo um sentido maior a sua jornada. Assim, encontrou na vida pública espaço para a política. Foi deputado estadual e depois deputado federal constituinte. Atuou ao lado de grandes políticos. Era do velho MDB.

Sempre paralelamente à política, foi empresário hoteleiro. Jamais abandonou Campo Mourão. Aqui fez sua parte. O tempo passava, mas seu espírito continuava jovem. Tanto é que Darci acompanhava a vida dos filhos. Fazia questão, quando podia, de estar presente nas festas dos amigos de seus filhos. Metido a cozinhar também mantinha alguns rituais. Somente os mais chegados degustaram suas iguarias. E elas eram boas.

Sérgio Kffuri, amigo de velha data, lembra de histórias memoráveis do amigo. Lembra do velho fusca branco o qual iam até Engenheiro Beltrão namorar as mocinhas. Darci tinha um ciúme doentio daquele carro. Certa vez levou quatro amigos até a cidade. O objetivo era adentrar um bailinho. Mas não permitiram a entrada dos mourãoenses. Então, Darci decidiu acabar com a festa. Foi até o poste e desligou a chave geral. Depois disso, o jeito foi correr até o carro e fugir da cidade. Desesperados, os cinco amigos já dentro do fusca, começaram a sentir um cheiro de merda. Com ciúmes do fusquinha, Darci fez um a um sair do carro pra ver quem havia pisado no coco de cachorro. Ninguém pisou em nada. Darci então olhou a sola do próprio sapato e viu um tolete de merda. Com raiva tirou os sapatos e os atirou pela janela do carro. Esquecendo-se que o restante da bosta continuava na pedaleira do fusca, meteu o pezão sem sapato no acelerador e veio embora.

Outra vez, em Curitiba, Darci voltava de uma festa ao lado de Max – seu filho – e outros amigos. Parou o carro ainda na rua, no Champagnat. Era madrugada e, naquela avenida, quase ninguém. Mas acontece que existem coisas que só aconteciam com Darci. E aquele dia não foi diferente. Ao sair do carro, a chave caiu de sua mão. Ela poderia ter caído dentro do carro, ou até, no asfalto. Mas não. As chaves caíram dentro de um bueiro. E daí? Eram as chaves da casa, do carro, de tudo. Então, uma única alma foi avistada ao longe, andando sentido ao carro. Era um rapaz, de 18 ou 19 anos. Darci não pensou duas vezes: “Max, vai lá e oferece um dinheiro aquele malaco. Fala pra ele vir pegar a chave”, disse. O sujeito aceitou o desafio e depois de alguns minutos conseguiu retirar a tampa de concreto. Mas a cena inesquecível foi ver pai e filho segurando as pernas daquele malaco. Como num filme, de madrugada, o sujeito estava dependurado para apanhar a chave, e conseguiu.  

Muitas outras histórias envolvendo Darci continuam sendo contadas. E elas serão eternizadas. Graças a Deus, pudemos conhecê-lo. Mas o seu jeito sistemático, às vezes ranzinza, nunca será esquecido. Darci era do bem e queria o melhor a sua sociedade, a sua cidade, ao seu povo. Como já dito, suas páginas não foram fechadas. O livro de sua vida está aberto a todos. E como foi bom lê-lo...