quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Coisas de meninos

Um dia de calor em Cascavel. Dois meninos sem pudor e sem receios. A alegria da infância é suprida por pouca coisa...









Humanos


A decadência humana, os improvisos do dia a dia, as fugas, a depressão, a sordidez da alma, a miséria...


Na sarjeta


Equilíbrio




Ceia Natal



Improviso na chuva

Arroz, feijão e esperança



Dilmércio Daleffe
No velho fogão a lenha uma pequena e surrada panela de feijão. Outra boca esquenta o arroz do meio dia. Já a mistura fica por conta do toucinho e da couve. E pra hoje é o que tem. Aliás, pra hoje e pra ceia de Natal. Afinal, Helena Sutil Donato, e o companheiro João Ketes, não sabem ao certo como seria uma verdadeira ceia natalina. Estão longe das regalias e artigos de luxo vendidos em supermercados. Na dura e crua realidade de suas vidas, o jeito é improvisar com o que têm. E eles não têm quase nada.
Helena acaba de receber R$80 do bolsa família. Com o dinheiro pagou um talão de luz e foi ao mercado. Comprou frutas, um pedaço de peixe e outros itens para a casa. Voltou feliz da vida, mas com os bolsos vazios. Diante do fogão e das panelas de longa data, diz não ligar muito para a ceia do Natal. “A comida é o de menos. Temos que nos lembrar é do espírito que o dia tem: Jesus Cristo”, lembra Helena.
Aos 70 anos de idade, João também fala do sentido do dia 25 de dezembro. “Aqui não terá nem janta direito. Mas nos lembramos daquele que nos salvou”, disse. João e Helena moram juntos e são companheiros há cinco anos. Quis o destino que se conhecessem em 2007, em Iretama. Diante das dificuldades, o casal é um retrato fiel da realidade brasileira. Vivem sem dinheiro, estão constantemente “duros” e, ainda, pagam aluguel. Pra piorar, parte da renda fica na farmácia. Ontem, o almoço se resumiu a arroz, feijão e quirera.

Papai Noel retorna à Moreira Sales

Desde o assassinato de Adalto Querinas da Costa, o homem que se vestia de Papai Noel em Moreira Sales - às vésperas do Natal de 2011 - muitas crianças ficaram traumatizadas com a notícia. Um ano depois, o bom velhinho retornou. O sonho e os desejos continuam vivos na pequena cidade.  

Dilmércio Daleffe
Há um ano, o homem que se vestia de Papai Noel à prefeitura de Moreira Sales, foi morto a facadas por uma dívida de míseros R$30. O crime ocorreu seis dias antes do Natal, no dia 19 de dezembro. Aos 39 anos, Adalto Querinas da Costa era oficialmente o mítico personagem natalino da pequena cidade. Sua morte constrangeu parte da população, em especial as crianças, que deixaram de vê-lo na pracinha central. A comoção foi total. Passado um ano, um novo Papai Noel foi contratado pelo município. Embora diga-se que crianças não esqueçam os fatos dramáticos na infância, a cidade deu a volta por cima. Agora, um novo clima natalino ressurgiu. 
O espírito natalino da população foi visível na última segunda-feira, quando a prefeitura local abriu as cerimônias de final de ano com a chegada do bom velhinho. E lá estava um novo Papai Noel. As roupas vermelhas foram retomadas desta vez por Júlio Cesar dos Santos, um simples jardineiro de 45 anos que traz no coração o desejo em ver o sorriso das crianças. “Não existe coisa melhor no mundo que ver a felicidade de uma criancinha”, afirmou. Carregado de balas e doces, ele foi recepcionado por centenas de meninos e meninas. Uma prova que os sonhos e desejos da infância ainda resistem ao tempo.
Maria Helena Adamo Andrade, da divisão de Cultura de Moreira Sales, diz que apesar da morte de Adalto ter atingido as crianças, o trauma da cidade já foi ultrapassado. “Ficou um clima desagradável na época. Mas agora é diferente”, disse. O proprietário rural Manoel da Silva, 50, também presenciou a chegada de Noel. Ao lado da esposa, ele confessa que o clima natalino do último ano foi afetado pela trágica morte de Adalto. “Ele era uma pessoa especial. Nós sofremos com sua morte. Mas quem mais sentiu foram as crianças”, disse.
Júlio, o novo Noel da cidade, alega que muitas crianças chegam até ele e, emocionadas, exclamam: “Ele não morreu não. Olha aqui o Papai Noel”. Para ele, mesmo o episódio tendo marcado a infância de muitos menores, o clima agora é outro. “Vamos dar a volta por cima. Vamos ter um ótimo Natal este ano”, acredita. Júlio receberá R$320 pela empreitada como Noel. Para as crianças do município, o dinheiro não importa. O que vale é a presença do velhinho na praça central. Noel ainda vive.   

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Inês, Ivair, Cláudia e Wagner. A solidariedade tem nome

Pessoas diferentes, com profissões distintas e que não se conhecem decidiram fazer o bem comum. Juntas, elas apadrinharam crianças carentes de Campo Mourão. Para isso, apanharam uma carta nos Correios e, comovidas com o desejo de Natal dos menos favorecidos, realizaram parte de seus sonhos: compraram os brinquedos solicitados. Mas isso não é nada comparado ao que Inês, Wagner, Ivair e Cláudia podem fazer. 
Dilmércio Daleffe


Uma bancária aposentada, um técnico em edificações, um administrador. Pessoas com profissões diferentes, desconhecidas umas das outras. Em comum apenas a vontade em ajudar. Foi assim que cada um deles apanhou uma cartinha dos Correios para ser padrinho de crianças carentes de Campo Mourão. Elas não pedem dinheiro ou artigos de luxo. Querem somente um presente, um brinquedo, algo para serem lembradas como crianças. Outras pedem roupas e sapatos. Desejam ser queridas pelo Papai Noel. Afinal, seus pais não têm recursos. Passam o ano trabalhando sem nenhuma regalia. São os heróis do dia a dia. Trabalhadores sem possibilidade de bancar o velho Noel.
Inês Tolocvko está aposentada. Já foi professora e bancária. Trabalhou muito para dar valor ao Natal e as pessoas. Um valor não monetário, mas fraternal. A exemplo de outros anos, ela também é madrinha dos Correios. Apanhou uma cartinha com bastante desejo. Tem no coração apenas a vontade em ver a felicidade do outro. “Às vezes vejo a fartura na minha mesa e penso em quem não tem nada. É por isso que ajudo”, diz. Inês é daquelas mulheres destemidas. Sabe o que quer. Mas no Natal, a comoção parece ser mais forte. “Se cada um dividisse o que sobra, a vida não seria tão difícil”, comenta. Inês comprou roupas e sapatinhos para uma criança de nove meses. Noel agradece.


Técnico em edificações, Ivair de Souza Libério também é padrinho de uma das crianças. Aos 43 anos, ele e a esposa, Cláudia, participam da campanha pelo quarto ano consecutivo. Mas não é um ritual. É apenas compaixão. Um sentimento de agradecimento pela vida que a família tem. É uma vontade de gente ajudar gente. “Fazemos nossa parte ajudando a sociedade. E não é só no Natal. Sempre colaboramos com outras pessoas”, diz Ivair. Para o casal, trata-se de uma reflexão, um espelho da filha de sete anos. Afinal, qual o pai consegue ver o bem da filha e não desejar o mesmo a uma outra criança da mesma idade? “E é por isso que escolhemos dar um brinquedo a um menino de sete anos”, revelou.


Wagner Silva é administrador. Aos 46 anos decidiu apadrinhar uma menina de dez anos pela primeira vez. A exemplo de Inês e Ivair, também carrega na alma o desejo em ajudar, em praticar o bem. Um cara simples, normal, mas que busca ser solidário a cada passo de sua vida. Casado e com um filho de 24 anos, não mede esforços para semear solidariedade. “Se vejo alguém precisando, eu ajudo mesmo”, diz. Afinal, a vida é feita de ações e reações. Faça o bem e colha o bem.


E é desta maneira que os Correios realizam sua festa de Natal. Para proporcionar alegria às crianças carentes, arrecadam os brinquedos dos padrinhos e os entregam às mesmas. Um evento digno, correto e solidário. Campanhas assim dão esperanças para acreditar que o país está melhorando. Que pessoas estão evoluindo. Que a solidariedade vem aumentando. E quem disse que a bondade não tinha face, errou. Ela tem o rosto e os nomes de Inês, Ivair, Cláudia e Wagner.          

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Um policial e quatro mil habitantes




Dilmércio Daleffe
Numa das esquinas da entrada de Corumbataí do Sul – município distante 46 Km de Campo Mourão – está o destacamento da Polícia Militar. Um prédio pequeno, sem muita estrutura e que ainda pertence à prefeitura. Lá dentro, apenas um policial: o Cabo Gomes. Um sujeito gentil, boa gente. É ele quem abre o local às 8h da manhã e fecha às 17h30. À frente de sua mesa, atende ao público, faz boletins de ocorrência e, quase sempre, ajuda com o bom senso da profissão a desatar os nós da população. Ou seja, aconselha e orienta populares a resolverem da melhor forma possível seus pequenos problemas cotidianos: brigas entre vizinhos ou entre casais. Gomes é assim, paciente. Até duas semanas, ele estava acompanhado de outros quatro PM´s. Mas eles foram remanejados a Barbosa Ferraz – 15 Km de Corumbataí do Sul. Gomes agora está “só”. O município de pouco mais de quatro mil habitantes mantém na cidade apenas um policial. Pra piorar, a unidade da Polícia Civil está desativada há vários anos.
O policial Alcides Gomes, ou apenas, Cabo Gomes, possui 47 anos de idade. Somente na PM são 27 anos. É bem verdade que o trabalho consiste na maior parte do tempo na orientação de pequenos conflitos. Dia desses teve que aconselhar um homem que se queixava do cachorro do vizinho. Afinal trata-se de um dos menores municípios da região. Mesmo assim, somente este ano aconteceram três homicídios – todos elucidados -, além da explosão de um caixa eletrônico. A população foi obrigada a conviver com a violência presenciada em grandes centros. Com o deslocamento dos outros policiais, populares ficaram ainda mais apreensivos.
O empresário Tiago Barreto disse que a cidade não pode ficar desta maneira. “Ficamos vulneráveis a bandidos sem a presença de mais policiais”, disse. Além disso, segundo ele, todo ano eleitoral políticos prometem mais segurança pública. “Ao invés de aumentar, acabaram com a segurança da cidade”, disse. Outra moradora que preferiu não ser identificada, ressaltou que os impostos pagos servem para ver o efetivo da polícia aumentar. “Não é isso que estamos vendo aqui na cidade”, observou. Pior ainda, segundo ela, é à noite, quando não existe policiamento de nenhuma forma. A Organização das Nações Unidas (ONU) defende a equação de um profissional para cada grupo de 250 pessoas.
Para o Major Wanderlei Castro, Comandante do 11º Batalhão de Polícia Militar de Campo Mourão, o remanejamento dos policiais foi necessário. Ele explica que o principal motivo é aumentar a segurança dos próprios PM´s. “Antes eles ficavam sozinhos de plantão. Com a mudança, agora fazem turnos em dois, sempre juntos”, disse. Além disso, ele tranqüiliza a população. Diz que viaturas sempre estão na cidade. Durante a reportagem, uma guarnição de Barbosa Ferraz estava no local.    
Se serve como consolo, Gomes e a cidade estão protegidos pelos braços do Cristo – monumento parecido com o Cristo Redentor levantado sobre um morro bem ao lado da unidade policial. Até o prefeito eleito, Carlos Caxão, brinca com a situação. “O Cristo vem cuidando da gente nesses últimos dias”, disse. Segundo ele, há uma semana esteve com o comando da PM em Campo Mourão solicitando a volta dos policiais remanejados. Mas sem sucesso. O futuro gestor admite que a população está assustada. “É importante que eles retornem”, afirmou. Enquanto os policiais não retornam, Gomes continua sozinho no destacamento. Pra piorar sua situação, o Palmeiras, seu time do coração, ainda foi rebaixado à segunda divisão.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Humanos









Marcelo carrega na alma as marcas da solidão


Dilmércio Daleffe
Marcelo chegou a uma semana em Campo Mourão. Veio andando sobre o asfalto quente e sob o sol escaldante dos últimos dias. Chegou sozinho, carregando os poucos pertences de sua mochila. Marcelo está só no mundo e trouxe na alma as marcas da solidão. Sem maiores perspectivas, acabou no albergue da cidade. E é lá, onde reflete o presente e pensa no futuro. Mas ele não consegue apagar as dores do passado. Foi humilhado, agredido, quase morto. Ficou quatro dias desacordado num hospital de Guarapuava. Quando voltou à vida, descobriu que alguém lá em cima ainda torcia por ele.
 Seu nome é Marcelo Carvalho. Aos 33 anos, continua a procurar um lugar ao sol. Trata-se de um cara simples, vivido e, acima de tudo, inteligente. Apesar de ter pouco estudo, se expressa com facilidade e mostra um vocabulário de dar inveja. É até gostoso escutá-lo. Mas definitivamente, a vida não foi fácil. A cada dia, um novo desafio. Marcelo nasceu em Mafra, Santa Catarina, no ano de 79. A grosseria do destino já lhe deu as boas vindas no hospital. Ao mesmo tempo em que nascia, a mãe fugia. Foi abandonado sem conhecer mãe e pai. Mas logo adotado por uma enfermeira, Sônia, que não podia engravidar.
Aos 15 anos, deixou Mafra e a mãe adotiva para tentar a vida na cidade grande. Foi a São Paulo de carona. Lá, virou office boy. Logo depois, numa churrascaria, onde lavava pratos. Permaneceu na capital por pouco mais de um ano, retornando a Mafra. Mas bastou a chegada de um circo na terra natal para que seguisse com ele. “Pedi emprego para desmontar o circo e eles deram. Depois fui embora com a turma”, disse. Anos depois cansou da empreitada. Passou a rodar os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Aventurou-se com mulheres, percorreu centenas de quilômetros a pé e trilhou seu próprio destino.
Mas um dia, andando sujo, cansado, sedento e com uma sacola nas costas, próximo a Caçador, em Santa Catarina, decidiu pedir comida em um restaurante. Foi humilhado. A dona o chamou de vagabundo. Aos berros dizia para que saísse dali. Mas um homem que almoçava com a família levantou-se e reprimiu a mulher. Então convidou Marcelo para que se sentasse em sua mesa. Envergonhado, disse que não queria. Mesmo assim aquele homem o serviu com duas marmitas, um refrigerante, uma nota de R$50 e, não satisfeito, ainda deu uma carona. “Ainda existem boas pessoas. Há quem julgue um livro apenas pela sua capa”, disse.
Madrugada do dia 25 de novembro de 2011. Num banco da rodoviária de Guarapuava, Marcelo dormia com seu surrado cobertor. Cerca de seis skinheds, num ato de covardia, desfiguraram seu rosto, mesmo dormindo. Foi atacado de forma cruel, sem chance alguma de defesa. Quando acordou, quatro dias depois, estava na cama de um hospital completamente atordoado e ainda, com os movimentos do rosto comprometidos. “Acho que apanhei pelo preconceito”, disse. Em poucos dias, a surra completará um ano. Mas até hoje o rosto de Marcelo está sem alguns movimentos. “Deus permitiu que eu saísse vivo. Isso é o que importa”, explica.
Após deixar o hospital, Marcelo seguiu seu destino. Chegou até Palotina, onde se reencontrou com um ex-empregador. Num parque de diversões itinerante, permaneceu até poucos dias. Lá, colaborava para funcionar os brinquedos. Mas ele cansou daquela rotina e botou os pés na estrada, mais uma vez, chegando até Campo Mourão. Aqui, encontrou abrigo no albergue local, onde, segundo ele, recebeu carinho e atenção. Sentimentos distantes para quem vive isolado na solidão.
Dias desses, Marcelo recebeu um terço de presente de um grupo de católicos. E isso mexeu com ele. Pode-se afirmar que o pequeno gesto mudou sua vida. Depois do regalo, parece que se aproximou do criador. Mesmo diante das catástrofes de sua vida, ele se diz feliz. Marcelo continua solitário, sem família, sem ninguém. Não possui bens materiais e continua em busca de um novo caminho. Já tinha a mochila com as poucas roupas. Mas agora também tem a Deus. Na próxima curva da estrada, ele pode encontrar o seu verdadeiro trajeto.    

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O cheiro do ralo

Embora os pequenos municípios da região de Campo Mourão venham trocando seus gestores ao longo dos anos, a maioria deles acabou optando por não investir em esgoto. Hoje, menos de 30% da população possui saneamento adequado em casa. Dos 25 municípios, 16 deles não mantém nenhum centímetro de galerias para dejetos. Pior ao meio ambiente. O lençol freático pode estar sendo contaminado, dia a dia. Além disso, milhares de pessoas também estão sujeitas a contraírem doenças através da contaminação da água. Como as causadas por bactérias, vírus, vermes e protozoários. O que é melhor: prevenir ou continuar remediando? Seja qual for o entendimento dos governantes, bem vindo ao terceiro mundo. 


Dilmércio Daleffe
Dos 25 municípios da região de Campo Mourão, ao menos 16 não possuem rede de esgoto. Ou seja, durante os anos de emancipação, os governantes jamais investiram em obras que pudessem contribuir com o meio ambiente e, acima de tudo, com o bem estar da população. Afinal, trata-se de investimentos que não aparecem. Ficam sob a terra e desaparecem aos olhos dos eleitores. Trata-se de um histórico político social brasileiro: prefeitos não gostam de aplicar recursos em esgoto. É caro e ninguém vê. Hoje, pode-se afirmar que dos quase 300 mil habitantes da região, menos de 30% mantém rede de esgoto em casa. Os demais submetem-se a fossas sépticas e, até, com dejetos escorrendo em frente as residências. De uma certa forma, a maior parte da população é mantida de modo primitivo, como reflexo direto das normas que conduzem ao terceiro mundo.
Ela assistia televisão quando a reportagem chegou a sua casa. Ela é uma dona de casa, moradora em um bairro carente de Luiziana e que não quis ser identificada. O local é rudimentar. Trata-se de um barraco, ainda sem piso, cujas frestas das paredes parecem se alargar a cada dia. O problema é que lá não existe esgoto encanado. Aliás, lá e em qualquer outro lugar da cidade. Bem em frente à porta da frente, uma pequena erosão escoa toda água da casa. O cheiro é forte e por isso a moradora prefere não receber visitas. “Tenho vergonha de convidar parentes pra vir aqui”, diz. E a preocupação aumenta quando os netos chegam. Descalços, eles brincam ao lado da água suja. No início do ano, a dona de casa contraiu hepatite. 
Próximo dali reside a aposentada Ana Rosa Pereira, de 93 anos. Ela também mora numa casa modesta, onde a rua também não é asfaltada. Mas diferente do primeiro caso, o esgoto não corre a céu aberto. Há alguns anos ela tirou dinheiro do bolso e fez uma fossa aos fundos da casa. “Foi caro pra fazer. Lembro até hoje do valor”, disse. Além de seu imóvel, o buraco também atende outras duas residências vizinhas. De acordo com o secretário de administração de Luiziana, Edcarlos Médice, embora o município contabilize uma porcentagem zero em rede de esgoto, a situação vem sendo encarada como prioridade para a próxima gestão. “Encaramos o problema como uma meta”, afirmou. Apenas como fato: são 25 anos de emancipação política de Luiziana e nenhum centímetro de investimento até os dias atuais.
Em Barbosa Ferraz a situação é um pouco melhor. Lá, 26% da área urbana já mantém rede de esgoto. Ainda é pouco, mas segundo a prefeitura, novos investimentos estão por chegar. De acordo com Márcio Fukuro, chefe de gabinete, até o final do ano a Sanepar deve iniciar investimentos de mais sete mil metros de esgoto. “Já temos o material. Falta agora licitar a mão de obra”, explicou. Município vizinho a Barbosa, Corumbataí do Sul já construiu 58% de esgoto na zona urbana. O servente Reginaldo Gomes dos Santos está feliz com a sua rua. “Aqui está tudo canalizado. Não vemos esgoto em nenhum lugar”, revelou.    
Consequências da falta de esgoto
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% das doenças que ocorrem nos países em desenvolvimento são ocasionados pela contaminação da água, e que a cada ano, 15 milhões de crianças de zero a cinco anos de idade morrem direta ou indiretamente pela falta ou deficiência dos sistemas de abastecimento de águas e esgotos. Ainda hoje, no Brasil, 55,5% da população não são atendidos por rede de esgoto, sendo 48,9% da área urbana e 84,2% da área rural (segundo relatório IBGE, 2000).



No Brasil, 47,8% dos municípios não têm esgoto, o que afeta diretamente a qualidade das águas de rios, mares e lagoas das cidades brasileiras (segundo relatório do IBGE, 2000). Esse grande número de águas contaminadas ocasionam graves problemas de saúde. Doenças como, por exemplo, as causadas por bactérias, vírus, vermes e protozoários como amebíase, febre tifóide, giardíase, hepatite tipo C e outras. Para o Sistema de Controle Ambiental, poluir é lançar substâncias em quantidade acima da capacidade de autodepuração ou dispersão do meio, ou de qualidade que não possa ser absorvida pela natureza.
Sanepar prevê mais investimentos na região
Sanepar prevê mais investimentos
De acordo com a assessoria da Sanepar, os investimentos da empresa junto aos municípios são feitos de acordo com o contrato firmado com cada um deles. No entanto, as prefeituras também podem buscar recursos, por iniciativa própria, junto ao Ministério das Cidades. Exemplo disso acontece em Altamira do Paraná, que conseguiu junto a Funasa R$ 1,7 milhão para investir na implantação do sistema de esgotamento sanitário.


Para atender outros municípios da região, a Sanepar está desenvolvendo vários projetos, em conjunto com a Funasa, para implantar serviços de coleta e tratamento de esgoto nos municípios de Farol, Mato Rico, Nova Cantu, IV Centenário, Quinta do Sol e Rancho Alegre do Oeste. A Sanepar também tem buscado recursos para atender os municípios paranaenses com população de até 50 mil habitantes. Entre as ações desenvolvidas pela empresa está a criação de uma força-tarefa composta por técnicos e engenheiros para o desenvolvimento de projetos e busca de novas tecnologias.
Este trabalho garantiu, no final do ano passado, recursos no valor de R$ 260 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para serem investidos nestes municípios. Na região de Campo Mourão já estão contemplados Araruna (R$ 4,5 milhões), Campina da Lagoa (R$ 1,4 milhão), Moreira Sales (R$ 1,5 milhão) e Ubiratã (R$ 1,3 milhão). Em 2011 a Sanepar fez a emissão de debêntures no valor de R$ 374 milhões para investir em saneamento em todo o Estado, a maior parte em pequenos municípios.

Números do problema
Altamira do Paraná – sem rede de esgoto
Araruna – 28,8% de rede de esgoto
Barbosa Ferraz – 26,67% de rede de esgoto
Boa Esperança – sem rede de esgoto
Campina da Lagoa – sem rede de esgoto
Campo Mourão – 72,32% de rede de esgoto
Corumbatai do Sul – 58,02% de rede de esgoto
Engenheiro Beltrão – 18,58% de rede de esgoto
Farol – sem rede de esgoto
Fênix – sem rede de esgoto
Goioerê – 48,85%, de rede de esgoto
Iretama – sem rede de esgoto
Janiópolis – sem rede de esgoto
Juranda – sem rede de esgoto
Luiziana – sem rede de esgoto
Mamborê – 71,85% de rede de esgoto
Moreira Sales – sem rede de esgoto
Nova Cantu – sem rede de esgoto
Peabiru – sem rede de esgoto ativa
Quarto Centenário – sem rede de esgoto
Quinta do Sol – sem rede de esgoto
Rancho Alegre do Oeste – sem rede de esgoto
Roncador – sem rede de esgoto
Terra Boa – 21,95% de rede de esgoto
Ubiratã – 26,94% de rede de esgoto

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A luta de Joffre contra Sandy


Dilmércio Daleffe
Mourãoense, agora morador de Nova York, Joffre Brunet, 35 anos, passou momentos de terror e pânico sob as forças de Sandy, o furacão avassalador que destruiu partes da cidade americana. Através do Facebook, ele enviou um relato sobre o medo por qual passou. Após o susto, Joffre diz que aos poucos a cidade está voltando ao normal. O grande problema agora é a falta de energia. Milhares de pessoas não conseguem ao menos recarregar seus celulares. Quando há uma tomada em funcionamento, ela é colocada em público. Ou seja, os nova iorquinos estão se ajudando. 
Joffre está em Nova York há 19 anos. Deixou a poeira vermelha de Campo Mourão para ganhar a vida no ramo de turismo. Hoje é responsável por praticamente todos os brasileiros que chegam a NY através de uma empresa, também brasileira. Casado com uma nicaragüense, Amanda Brenes, 33, tem duas filhas, Victoria, 7, e Sophia, 3. O casal é reflexo da pujança do povo latino americano, o qual prefere sentir a saudade de sua terra, mas lutar em busca de seus sonhos. 
De acordo com Joffre, o bairro de Staten Island foi o mais afetado. “Está um horror”, disse. Bombeiros ainda estão retirando corpos de casas alagadas. Já os aeroportos ficaram parados por dois dias, afetando cerca de 16 mil vôos. “Turistas dormiam onde a Cruz Vermelha conseguia colocá-los”, disse. A ilha de Manhattan está sem luz, sendo a parte sul, a mais afetada. “Dos amigos de Campo Mourão que aqui vivem – Fabíola Korin, Fátima Frison, Andréa Dala Rosa e Cleber Dala Rosa - todos estão bem. A Andréa e o Cleber ficaram mais tempo sem energia”, relatou. “Durante a tempestade eu vim para um hotel em Manhattan, onde fiquei com a família por dois dias. Foi uma ótima decisão. O restaurante ficou aberto 24 horas e só escutava um vento muito forte do lado de fora”, contou.


Segundo ele, tanto o metrô como os ônibus em NY estão gratuitos nesses dias e funcionando parcialmente por problemas em algumas estações, que ainda estão cheias d'agua. Joffre também diz que a população criticou o prefeito Michael Bloomberg por não ter cancelado a maratona de NY, que seria no domingo – a maratona acabou sendo cancelada diante dos protestos.
Pelo menos 90 pessoas morreram nos Estados Unidos em decorrência da passagem da Tempestade Sandy, que antes era considerada um furacão. Na região de Staten Island, em Nova York, dois irmãos, de 2 anos e 4 anos, estão entre os mortos. Eles foram arrancados dos braços da mãe com a força da correnteza. Um brasileiro também está entre os mortos. Sandy provocou queda de energia, desabastecimento nos postos de combustíveis, alagamentos em várias ruas e praticamente desativou cidades. Escolas, comércio e departamentos públicos não funcionaram nos dias em que a tempestade estava prevista.
Em muitas das áreas periféricas da cidade, milhares de pessoas vão ter que esperar até nove dias, e em alguns casos até mais, para a eletricidade a ser restaurada em suas casas. Alguns perderam totalmente suas residências por inundações ou incêndios. Outros estão lidando com os fortes danos da tempestade. Em alguns bairros a destruição é enorme. Uma casa foi completamente derrubada de suas bases, o interior de muitas outras foi destruído e estão inabitáveis. Grande parte dos danos foi causado por uma onda que trouxe inundações de mais de cinco metros.
Enquanto a vida se restabelece, Joffre vai decidindo o futuro político americano. Segundo ele, ainda existem muitos lugares debaixo d'agua, o que poderá afetar as eleições para presidência, na próxima terça. “Por sinal eu votarei para Obama. Ele está nas pesquisas com uma leve vantagem sobre seu rival, Mitt Romney”, disse.

domingo, 21 de outubro de 2012

Alcebíades tinha tudo pra não ser ninguém




Dilmércio Daleffe
“Bidinho” veio de uma família desprovida de oportunidades. Nasceu numa época em que os preconceitos afloravam. O menino era nordestino, negro, pobre e analfabeto. O seu destino tinha tudo pra dar errado, principalmente, numa sociedade racista, estúpida e hipócrita, cujo bom senso jamais prevalecia. Mas um dia saiu da lavoura e decidiu fazer valer sua vontade. Aos 27 anos começou a estudar. Aprendeu ler e escrever. Transformou-se num líder comunitário. Trabalhou dentro de um lixão e lá perdeu uma das filhas. Ela foi contaminada e, com pouco mais de um ano, acabou morrendo. Entrou para o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), fez mais de 20 cursos e hoje, é técnico em administração. Politizado, tentou pela sétima vez este ano ser eleito vereador em Campo Mourão. Não conseguiu. Mas está pronto para 2016.     
Alcebíades Barboza da Costa é um destemido e perseverante candidato a vereador. Tenta o legislativo de Campo Mourão há sete eleições ininterruptas, desde 1988. Sem recursos, torra a sola do sapato. Faz campanha a pé, sem nenhum tostão furado. Neste ano, a cena repetiu-se novamente, mas com uma diferença. “Bidinho”, como é conhecido na Vila Guarujá, incrementou uma caixa de som nas costas e, com ela, percorreu a cidade toda. Sim, ele foi um dos 160 candidatos. Trouxe nas costas o peso da responsabilidade em pedir votos. Mais uma vez, não conseguiu. Teve apenas 355 “confirma” ao seu favor. Mas ele não desiste. 
Aos 57 anos, “Bidinho” é um cara cheio de surpresas. E agradáveis. Inteligente, sabe exatamente o que deseja. Conhece as funções de um vereador e sabe diferenciar políticos de politiqueiros. Sua história começa ainda aos cinco anos de vida, lá em Colatina, no Espírito Santo. Era criança, brincava na rua quando o pai chegou bravo mandando os 11 filhos e a mulher arrumar as malas pra vir ao Paraná. Dias antes, o pai havia levado uma garrafada na cabeça e pretendia matar o autor da agressão. O sujeito já havia fugido com destino às terras vermelhas de Campina da Lagoa.
Num pau de arara vieram todos, incluindo os poucos animais da família. Alguns dias de viagem e chegaram a Londrina. Lá, o pai teve um surto psicótico, sendo amarrado pelos filhos pra se acalmar. Seguiram então a Maringá. Mas a situação só piorou. Expulsos daquele caminhão velho, ficaram com as malas à beira dos trilhos do trem. Estavam perdidos e o pai, quase louco. Um homem ajudou a família e foram morar numa propriedade rural. Anos depois mudaram-se para o Barreiro das Frutas, já em Campo Mourão. O pai aproveitava os domingos pra ir até Campina da Lagoa. Ele insistia em matar aquele homem.
Aos 21 anos, Alcebíades decidiu casar. Saiu da roça e veio à cidade. Parou na Vila Guarujá, bairro mais carente de Campo Mourão. Continua lá até hoje. Sem emprego, transformou-se num coletor no antigo lixão. Durante os dois anos dentro do local, perdeu uma das filhas, de menos de dois anos de idade. Ela morreu contaminada pelos detritos fétidos do lugar. “Bidinho” chora ao relembrar da pequena. Cansado do sofrimento, buscou o estudo. Aos 27 já sabia ler e escrever. Foi então que adentrou ao DER. Está lá até hoje. Durante o percurso, fez muitos cursos, inclusive de computação. Recentemente, concluiu o aprendizado em técnico de administração. Ele é perseverante e não desiste nunca.
Talvez seja por esta razão sua insistência em ser vereador. Como líder comunitário diz ter aprendido lições sobre os seres humanos. Lições de carinho e, principalmente, de amor ao próximo. “Sempre quis ajudar minha comunidade. É isso que faz com que tente ser vereador”, revela. A primeira eleição em que participou foi em 1988, quando teve 74 votos. Depois foi elevando a votação até 1996, com 447 votos. Há duas semanas, lacrou sua campanha com 355 votos. Ele não se esquece do apoio das pessoas e faz questão de agradecer a votação. 
“Bidinho” diz estar cansado de ver sua gente sofrer. Quer melhorias ao seu povo e, por isso acabou envolvendo-se em trabalhos sociais. Como vereador, gostaria de fazer projetos que beneficiassem comunidades carentes. Mas foi barrado pela falta de votos. Católico e com fé em Deus, leva uma vida simples ao lado da esposa, Maria. Juntos, tiveram cinco filhos, mas dois morreram. Residem numa casinha pequena e modesta, ainda sem forro. E pelo que se vê, isso é só um detalhe. Nada mais falta ao casal. Agora, os sonhos daquele menino quase sem futuro, almejam muito mais. Alcebíades quebrou as regras do destino e revelou-se o “cara”. Em tempo: o pai de “Bidinho” morreu sem nunca ter encontrado o sujeito a quem procurava.     

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Coincidências do além

Existe ligação entre mortos e vivos? Como podem acontecer então histórias interessantes, que desafiam a imaginação?


Dilmércio Daleffe
Ninguém em sã consciência pode descrever a morte. Afinal, não existe quem tenha ido e voltado. Mas como é possível então o elo entre o real e o além? A comunicação é verídica? Ninguém sabe. O que existe são apenas coincidências, nada que se possa provar. Mesmo assim, são histórias desafiadoras, que mexem com o inconsciente de todos. Em Campo Mourão, alguns fatos têm chamado atenção, principalmente, por ligarem fatos a pessoas queridas, já mortas. Os nomes e famílias aqui narrados não serão identificados, a pedido das próprias pessoas. Mas as histórias são verdadeiras.
Ele morreu aos 82 anos de idade, em junho deste ano. João – nome fictício do aposentado – era um senhor que andava sempre pelo caminho do bem. Cuidava da família, brincava com as netas e vivia num estado zen. Acontece que nos últimos anos de vida, teimou em arrumar o relógio da parede, um aparelho grande e antigo que já não mais funcionava há pelo menos 20 anos. João mexia e remexia, sempre sem sucesso. Um dia desistiu do conserto. A vida passou e já, com problemas do coração, acabou morrendo. Definitivamente, uma perda descomunal.
Passada uma semana de sua morte, a família compareceu à Missa de Sétimo Dia do finado João. Todos uniram-se na dor do bom homem. Voltaram juntos então até a casa da avó, a viúva companheira. Lá chegando, todos se sentaram nos confortáveis sofás da sala. A avó fez um café. Outra tia foi ao banheiro. Outro lia ao jornal. Estavam na residência cerca de 12 pessoas. Algumas relembravam as histórias engraçadas do avô. Mas as vozes se calaram de uma vez. Foi quando o relógio voltou a funcionar, depois de 20 anos. O som alto e forte soou como uma mensagem. Um grito do além. O que pensar? Todos preferiram acreditar ser apenas uma coincidência. No entanto, há ainda quem tenha falado ser “arte” do avô brincalhão. “Ele deve ter feito uma brincadeira com a gente”, disse um dos netos. Depois disso, o aparelho funcionou apenas mais duas vezes. Hoje, continua na parede apenas como decoração.
O beija flor
Ele gostava de beijas-flor. Tanto é que quando morreu, no início deste ano, a família confeccionou um santinho com a foto do mesmo pássaro. As mensagens com o beija-flor foram sendo distribuídas a todas as pessoas que passaram pelo velório, uma a uma. A cerimônia adentrou a madrugada, quando permaneceram apenas os familiares do morto. O único amigo da família que ficou até o dia amanhecer foi Alberto – nome fictício.
Como testemunha do fato narrado, ele conta que estava com o santinho em mãos, vendo a figura do beija-flor, ao mesmo tempo em que conversava com os familiares. Eram cerca de quatro horas da manhã quando, parecendo um sopro, um beija-flor entrou na sala do funeral e pousou sobre o caixão. Segundo Alberto, foram menos de dois segundos, mas o bicho pousou e saiu, da mesma maneira como adentrou a sala. Apenas mais uma coincidência? Ninguém sabe. De verdade mesmo, apenas a vida e a morte. Cada um saberá mais tarde se a comunicação acontece de verdade. Mas apenas depois da partida de cada um. Antes disso, sem chance.     

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Reginaldo, Márcia, a sogra, sete filhos e uma Kombi

Márcia e Reginaldo decidiram agir através de Deus. Hoje, todos os seus passos seguem os ensinamentos da Igreja Católica. Evitando métodos contraceptivos, a família cresceu. São sete crianças e uma a caminho. Para carregar a turma toda tiveram que comprar uma Kombi. 

Dilmércio Daleffe
Reginaldo e Márcia casaram-se em 93. Ano de conflitos e brigas entre o casal. Ele bebia muito, era quase alcoólatra. A esposa não admitia. Apesar de católicos, não seguiam todos os ensinamentos da igreja. Exemplo disso eram os métodos contraceptivos, os quais utilizavam. Em 94 a camisinha estourou. Um ano depois nasceu Marcelo, o primogênito. As brigas continuaram. Mesmo usando anticoncepcional, oito anos após, Márcia engravidou novamente, agora de Mariana. Foi à gota d´água. Buscando um caminho correto, sem brigas, o casal recorreu a Deus. E o encontrou. Passaram a praticar ortodoxamente as palavras do catolicismo. Deixaram os contraceptivos e Reginaldo abandonou a bebida. Ambos iniciaram um amor sem limites. A família então renasceu. Hoje, são sete filhos e mais Natália, a sogra. Uma casa de poucos cômodos, mas lotada de camas. Todos se amam e se respeitam. E para eles, isso é o que interessa. Como a família aumentou, o jeito foi comprar uma Kombi. E a sogra vai na frente.
Tudo deu certo na vida dos Fumagalli. Entre idas e vindas do destino, a família cresceu e o amor foi eternizado. Tudo em nome de Deus. Aliás, na casa, tudo gira ao redor dele. Desde a entrega do casal à Igreja Católica, as lições repassadas às crianças são puras. É visível a educação cristã. Conta Reginaldo que o renascimento do casal teve início depois que aboliram os métodos contraceptivos. “Tudo acontece segundo a vontade de Deus”, afirma. Foi assim, desta forma, a chegada de Marcelo, 17, Mariana, 9, Gabriel, 7, Eduarda e Emanuel, 6, Maria Clara, 4, e Miguel, 2. Ao todo são sete filhos, um mais adorável que o outro. Juntos, dentro da “Kombi da Alegria” – apelido do veículo – até parece um time de futebol.
Na casa simples em alvenaria, na Rua Guacho – Jardim Tropical, em Campo Mourão - tudo acontece em quantidade. No último mês foram 114 litros de leite, 12 litros de amaciante, 12 caixas de sabão em pó, 20 quilos de arroz e 25 de açúcar. É muita gente pra poucos recursos. Reginaldo é mecânico industrial. Márcia é dona de casa. A grana não da até o fim do mês. Mas daí entra a importante figura de Natália, a sogra. Com sua aposentadoria, ela da sobrevida aos recursos. Ela gosta. Se sente feliz assim. Afinal, quem não gostaria de viver entre sete criaturinhas, todas abençoadas por pais tão amáveis? Além disso tem a bagunça do dia a dia, as descobertas da infância, o amor refletido em cada olhar das crianças. Natália é feliz ali.

Marcelo, o mais velho, já está na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Apesar de ser bem mais velho que os irmãos, ajuda no que pode. Excelente menino. Divide o quarto pequeno com outros três irmãos. Aprendeu com os pais que a maior riqueza é o carinho, o zelo pelos seus. Participa todos os sábados à noite da missa na Catedral. Todos vão juntos, de Kombi, é claro. Natália vai também. É um ritual sagrado. Pelas manhãs de domingo, uma celebração é feita em casa. Apenas a família participa. À tarde, vão de Kombi pra um passeio. É sempre assim. Os filhos em primeiro lugar.
Reginaldo e Márcia estão satisfeitos com o caminho escolhido. Seguem a vontade do criador e vivem pregando o bem. Levam uma vida sem regalias, sem luxo. Mas nunca, nada faltou a eles. Pelo contrário, a fartura sempre prevalece. Mas em breve, daqui a oito meses, uma nova visita chegará. Eles ainda não a conhecem, mas sentem que se trata se mais uma obra divina. Um novo presente de Deus. É que Márcia está grávida novamente. Serão oito filhos, oito criaturinhas abençoadas. Mais uma caminha. Mais um lugar na Kombi. Mais um neto para dona Natália. A vontade de Deus sempre prevalece.         

terça-feira, 2 de outubro de 2012

“Zé Tropical” não suportou a saudade




Dilmércio Daleffe
Desaparecido desde o último sábado, o garçom José Carlos Diniz, 50 anos, foi encontrado morto na manhã de ontem. “Zé Tropical”, como era mais conhecido, não suportou a perda do filho Marcos, morto no dia 21 de agosto do ano passado, num acidente de carro. Assim, como na tragédia anterior, Diniz morreu na mesma Estrada Boiadeira, a poucos metros do acidente do filho. Segundo amigos e familiares, era uma despedida já esperada, uma vez que “Zezinho” andava depressivo demais. Acabou entregando-se pela dor, pela angústia, pela insatisfação da saudade.
Voltar no tempo é impossível. Afinal, a cruz de cada um é carregada apenas em vida. Mas se vale como consolo, lembrar do “Zé Tropical” é muito fácil. “Zé” levou a vida na bandeja, sempre. Trabalhou em praticamente todos os restaurantes da cidade, desde a “Gaivota”, e foi uma cria do memorável Avelino Piacentini. Nasceu para servir e bem atender. Por sua nobreza, educação e respeito tinha moral com os convidados. Sua proximidade com as pessoas o levou a ser apelidado como “Batista” por alguns e “Edite” por outros. “Zezinho” era um verdadeiro cavalheiro, o mestre dos garçons de Campo Mourão e Maringá. Por sua nobreza conquistou o cargo para atender os noivos, e eles foram muitos.
Atendia com vontade. Servia com prazer. Diniz nasceu para ser garçom. Por isso era diferente. Piadista e irreverente fazia graça com todos. Era um imitador incansável de Nelson Tureck e Lula. Todos paravam para escutá-lo. Mas sua alegria foi terminando aos poucos. A data da tristeza foi em 21 de agosto de 2011, quando perdeu Marcos. Depois disso iniciou uma batalha pessoal contra o álcool e a depressão. “Zé” não conseguir vencer a saudade do filho. Sem dúvida nenhuma, os casamentos daqui por diante perderam um astro e, certamente, parte da alegria. O mestre se foi. As lágrimas e saudades, não.  
        

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Faltam investimentos em cemitérios

Restando um mês para o Dia de Finados, muitos cemitérios da região ainda revelam falta de cuidados. Alguns não tem muros. Outros nem ao menos calçamento. Os problemas não vem de agora, mas sim, de muito tempo. Quem acaba pagando pela falta de zelo é a própria população. Em dias de chuva, os cortejos em alguns campos santos são realizados sobre o barro e a Lama. Falta dinheiro ou respeito para que a solução apareça?
Luiziana
Cortejos sobre terra e barro
Dilmércio Daleffe


O cemitério municipal de Luiziana já teve dias piores. Há quatro anos, nem muros tinha. Hoje, no entanto, o quadro é diferente. Todo murado, o campo santo mantém uma tranquilidade invejável. São apenas dois funcionários, ambos pertencentes ao município. Mas nenhum é coveiro. Foram removidos de suas funções para cobrir a ausência dos dois antigos profissionais, demitidos há cinco meses.
O local está limpo, sem sujeira e sem mato. Mas a falta de calçamento é o grande obstáculo. Desde a entrada até as sepulturas é só terra. Nada de pavimento. Em dias de chuva as famílias têm que suportar o barro. Não há outra saída. Mesmo em meio aos túmulos apenas terra e alguns pedriscos. Nem grama existe. Possivelmente, por esta razão, possui aspecto de mal cuidado. Além disso, algumas dezenas de túmulos já não possuem identificação. Foram esquecidos por familiares.
De acordo com Darci de Souza, um dos responsáveis pelo local, vez em quando alguém deixa presentes indesejáveis. Velas pretas, vermelhas e amarelas, assim como cestos com pipocas, ou até cachaça, são encontrados com certa freqüência. Ele preferiu não dizer. Mas trata-se de macumba mesmo. Companheiro de Darci, José Nilson Gabriel diz não ter medo. “Trabalhar aqui é muito sossegado. Nunca vi nada de errado, não”, garante. Ele quer dizer que assombrações não existem. Pelo menos ali. “Assombrado mesmo é só debaixo daquelas árvores”, brinca. Nem 50% do cemitério foi ocupado. Há “vida” útil para muitos anos ainda. Ao contrário do cemitério de Campo Mourão, onde alguns mortos já andam sendo despejados. A TRIBUNA entrou em contato com a prefeitura para repercutir sobre a falta de calçamento. No entanto, ninguém retornou a ligação.   
Roncador
Sem muros e sem pavimentação
Ana Carla Poliseli


Entre os primeiros túmulos do cemitério de Roncador, calçamento e alguma grama. Na parte mais recente, apenas barro. Como o terreno não é plano, o registro das chuvas que caíram nos últimos dias está nos caminhos que a enxurrada deixou entre as sepulturas. Mas o aparente abandono não está apenas na falta de infraestrutura. Muitas covas estão afundando. Sobre o caixão foi colocado apenas terra. Em outras, os familiares dos ocupantes deixaram de fazer manutenção. Tijolos caídos e sem pintura são a última morada de muitos roncadorenses.
Apenas um coveiro é responsável pelo local e em alguns momentos ninguém está presente. O muro é apenas em frente. Dos lados, uma cerca de arame delimita o terreno. No lado direito, onde passa uma estrada de terra o arame já foi cortado e é possível entrar até de carro no campo santo. Mesmo com todos os problemas, o cemitério é limpo e não há problemas de falta de espaço, pelo contrário, um quarto do terreno ainda está sem túmulos.
Iretama
O cemitério municipal de Iretama se mostra bem cuidado e há pavimentação na maioria das ruas principais. Onde ainda não foi construída, ela é delimitada pelo meio fio, o que impede que a terra desça pela força da água das chuvas. Entre os túmulos, a grama faz o papel de pedregulhos, impedindo que os cortejos se estendam pela lama. No distrito de Águas de Jurema, antiga Água Fria, há um cemitério desativado. Os corpos permanecem no local, mas ninguém mais pode ser enterrado lá. A prefeitura mantém apenas a estrutura básica.
Farol
Sem calçamento, porém organizado
Clodoaldo Bonete


            O campo santo de Farol encontra-se bem organizado. Embora não tenha calçamento, o acesso principal, do portão ao Cruzeiro, é gramado. O responsável pelo local, Marcos Terra, mantém a grama aparada e não permite que lixo se acumule entre as sepulturas. “Sempre faço a limpeza, juntando papel, e principalmente folhas que caem das árvores”, afirma. Terra é o coveiro do cemitério, mas não tem muito serviço em Farol: “Faço em média, de dois a quatro enterros por mês, mas tem mês que ninguém morre”, comenta ele.
            O cemitério é todo cercado, mas apenas a parte frontal é feita de tijolo. “O restante é de arame farpado.” Terra, que é marceneiro, prestou concurso de coveiro há dois anos e meio e assumiu a função. “Esse cemitério tem mais de 30 anos. Foi construído quando Farol ainda era distrito de Campo Mourão”, diz. Segundo ele, há registros de 648 pessoas sepultadas no local.

Campo Mourão
Superlotação é problema rotineiro
Tayenne Carvalho


Sem previsão de novo cemitério, o São Judas Tadeu continua recebendo sepultamentos, mesmo passando por problemas de falta de espaço. Por este motivo, foi realizado um levantamento dos túmulos abandonados para disponibilizar novas vagas. Ou seja, sobrou para os mortos. Muitos deles foram removidos, numa espécie de “despejo”. Além disso, a falta de calçamento entre os túmulos e problemas com muros espelham o local ao descaso.   
Para a remoção dos túmulos abandonados, o secretário de Obras, José Marim, diz acreditar que passará de mil notificações para regularização. Elas são feitas através de publicação no Órgão Oficial do Município e tem prazo de 90 dias para a regularização das sepulturas. Mas isto está sendo feito aos poucos e a população está sendo avisada. “Estão reavendo alguns espaços e o cemitério continua recebendo sepultamentos normalmente”, afirma ele.
            O aposentado Alfredo Eleotério da Luz aprova essa ação. “Tem muita gente que não cuida e está faltando terreno. Tem muitos túmulos abandonados”, diz. O aposentado João Damas Ferreira está regularizando o túmulo do pai, que faleceu há dois anos e meio. Estava apenas no cimento e agora está encobrindo com azulejos. “Se todos fizessem igual a gente faz, as coisas iam melhorando. Ia ficar bonito. Desses túmulos, a massa fica caindo, estraga, não tem jeito nem de lavar”, lamenta. “É uma coisa que fica pela metade”, comenta.
“Agora não está tão grave. Pelo menos estão avisando e chamando para a regularização. Antes não faziam isso”, afirma Alfredo. Em 1998, segundo ele, chegaram a vender terra onde estava enterrado parente seu. “Fui para justiça e ganhei. Mas é uma falta de respeito muito grande. Agora divulgaram bem e estão atualizando as escrituras também”, afirmou.
O cemitério municipal tem 20.511 sepultamentos registrados oficialmente. O primeiro foi em 1958. Segundo o administrador, Paulo Rogério Souza Leite, em Campo Mourão são realizados aproximadamente dois sepultamentos por dia. Neste mês já foram 56 e no ano, 498. Porém ele explica que estes são os números oficiais. Têm mais sepultamentos realizados que não apresentaram o atestado de óbito e, por este motivo, não constam no sistema.
O São Judas Tadeu vinha sofrendo problemas também com o muro que havia caído e com a água da chuva que acabava acumulando e piorando a estrutura. “Os muros não têm fundação, são muito fracos, aí cai. E as ruas, se arrumassem, ficava bonito. Não ficava terra. Quando chove, pisa aqui, pisa ali, suja tudo de lama”, diz Alfredo. Segundo o secretário Marin, as obras no cemitério municipal devem terminar em até 20 dias. “As galerias pluviais já estão prontas. São três entradas da rua até o cemitério. Agora faltam os muros, que já estão sendo finalizados”.
Já o Cemitério Parque que está sendo construído no Jardim Cidade Nova, ainda não tem data para inauguração. Este novo cemitério é particular e o município fará a pavimentação da via Engenheiro Mercer até o portão de entrada, além da iluminação pública no local. Marin afirma que já foi lançado no orçamento e que será feito a partir do próximo ano.
Cemitérios desativados
Alguns cemitérios do município guardam hoje apenas lembranças. Na estrada Boiadeira são dois. Um no Km 123 e outro no Km 31. Os dois já estão desativados há muito tempo. Eles surgiram por iniciativa das comunidades que moravam no local e hoje estão completamente abandonados. Oficialmente são denominados como clandestinos. Restos mortais inclusive começam a ser transferidos para o São Judas Tadeu. Mas o problema é que muitas famílias foram embora. Possivelmente, dezenas de corpos continuarão por lá. O mesmo acontece com o cemitério de Piquirivaí, desativado há aproximadamente dez anos.

Araruna e Peabiru
Respeito e organização
Walter Pereira


A população de Araruna e Peabiru não tem do que reclamar quanto aos seus cemitérios. De modo geral, os campos santos estão bem conservados. Em Araruna, por exemplo, a maioria das passarelas entre os túmulos são forradas por grama. De acordo com o administrador, Isaac Fialho, 7,8 mil pessoas estão sepultadas ali, que existe desde 1943. Na época o município nem era emancipado. Há pouco tempo a prefeitura ampliou uma ala nova para atender a demanda. No município são sepultadas mensalmente uma média de nove pessoas. Apesar de muitos campos santos serem alvos do vandalismo, no município, graças ao apoio da Polícia Militar (PM), raramente são registrados casos de invasores.
Em Peabiru a cena se repete. O cemitério também está bem conservado. Comparado a cemitérios de outras cidade do mesmo porte, pode-se dizer que a cidade está bem servida quando o assunto é campo santo. Segundo Antonio Gato Filho, fiscal do Departamento da Fazenda do município, o local foi fundado em 1954. O número de pessoas sepultadas ultrapassa oito mil. Na cidade, são registrados mensalmente 10 sepultamentos. A prefeitura abriu recentemente uma nova ala para enterros, o que propiciou espaço para pelo menos mais 720 sepulturas.
O cemitério do município é desprovido de malha asfáltica. No entanto, em toda sua extensão, as passagens são cobertas por pedriscos. Filho disse que a prefeitura tem um projeto para asfaltar o local futuramente. Um dos principais problemas enfrentados no local, são as enxurradas.

"Zé Tropical" está desaparecido



Dilmércio Daleffe
Um dos mais experientes garçons de Campo Mourão, José Carlos Diniz, 51 anos, está desaparecido desde a manhã do último sábado. Ele saiu de casa por volta das sete horas trajando camisa cinza, calça em tons verde e boné vermelho. Sua última aparição foi próxima ao estádio Roberto Brezezinski. A família pede notícias sobre seu paradeiro através do telefone 9985-0314, com Vanessa Cristina Alvin.
Diniz, que é mais conhecido como “Zé Tropical”, não anda bem desde a morte do filho Marcos, há um ano. Não suportando a perda, vem travando uma luta desleal contra a depressão e o álcool. Para amigos de bar, chegou a se despedir ainda na sexta-feira. Disse que faria uma viagem. A outros colegas, não escondia a vontade em tirar a própria vida. “Ele não vinha conseguindo administrar a morte do filho”, revelou um companheiro de profissão.
“Zé Tropical” é, certamente, um dos garçons mais conhecidos da cidade e região. Desenvolve dentro da profissão um cargo nobre: atender os noivos. Dono de uma elegância ímpar dentro dos salões, sempre manteve ética e postura nos buffets e restaurantes por onde trabalhou. Para quem o conhece fica impossível esquecer o jeito piadista e bem humorado. Durante todo final de semana familiares e amigos percorreram estradas e bares da cidade em busca de pistas que levassem até ele. Mas até o final desta edição nada havia sido encontrado. Diniz continua desaparecido. Segundo a família, ele não levou dinheiro, muito menos sua carteira.        

domingo, 23 de setembro de 2012

A cruz e a espada de Ozires


Ainda menino, Ozires da Cruz, foi levado pela mãe até a Escolinha Tagliari. O futebol o chamava. Antes passou numa loja onde comprou camisa do Santos e um par de tênis para salão. Chegou acanhado, tímido, sem saber que ali seria rei. Atleta jovem adquiriu respeito, mesmo com as canelas finas de garoto. Jogava como fixo, na defesa. Mas era ele quem organizava as jogadas e, como tiro fatal, num tom de desprezo aos goleiros, disparava o torpedo. Tinha um chute indefensável, forte, certeiro. Ozires era ídolo, embora não soubesse. Certamente possuía futuro garantido como jogador. Mas quis o destino que sua vida se transformasse. Aos 13 anos de idade, tudo mudou. Num simples mergulho rotineiro em um rio, numa brincadeira de criança, bateu com a cabeça. Foi impedido de andar. A bola foi trocada pela cadeira de rodas. O futebol perdeu uma preciosidade. Um diamante deixou de ser revelado. 
Arquivo Pessoal
Em Campo Mourão, Ozires reencontrou amigos de infância e os treinadores da Tagliari

Ozires veio de uma família digna. Bons trabalhadores, gente honesta, mas sem recursos. Filho de Lúcia e Otacílio, nasceu em abril de 71 em Campo Mourão. Começou no futebol aos sete anos, depois que a mãe ouviu no rádio uma entrevista de Itamar Tagliari. Era década de 70 e ele abria a tão famosa escolinha. Foram cerca de seis anos jogando pelo time. Época de muitas amizades e inocência. Ozires participou de diversas competições. Sempre foi um dos destaques. Viajava ao interior de São Paulo para jogar futebol de campo. No interior do Paraná competia no salão. “Lembro que nosso time era bom. Éramos respeitados. Fomos duas vezes vice e uma vez campeões”, recorda.

O esporte na infância ajudou o menino tímido a ter uma adolescência saudável. “Com tantas viagens sem a presença dos pais, nos tornamos com certeza mais responsáveis. Coisas que a gente leva para toda uma vida”, diz. Ozires não esquece o aprendizado e tem eterna gratidão pelo mestre Itamar Tagliari. Tantas foram as disputas, algumas contra adversários de renome, como Palmeiras, Santos e Corinthians, que pensava em seguir carreira. E tinha plenas condições. Cá pra nós, não perdia pra nenhum daqueles “Meninos da Vila”. Mas, mesmo sendo santista, admirava Zico, o craque do Flamengo.

O destino do menino foi traçado em meados de 84. Naquele ano tudo mudaria. Ozires foi com a família morar em Guaíra, a cerca de quatro quarteirões do Rio Paraná. Costumava jogar bola na areia, a beira do rio. Depois entrava com os amigos na água para se refrescar. Era sempre assim. Mas naquele dia, no seu último mergulho, ele não sabe o que aconteceu. Já havia feito o mesmo pulo, a mesma entrada no rio várias vezes. Nunca, jamais, nada havia acontecido. Mas desta vez, bateu com a cabeça num banco de areia. Fraturou a coluna com lesão na medula. Com a pancada, perdeu todos os movimentos do pescoço para baixo. “Se um amigo que estava a meu lado não notasse que algo estava errado e me tirasse da água, teria morrido afogado”, acredita.

No mesmo dia do acidente Ozires foi até Umuarama, onde permaneceu por um mês. Mas o caso era grave e foi transferido a Curitiba. Em quatro meses a vida da família mudou radicalmente. A vida tranqüila de antes transformou-se numa tempestade. Na capital do estado, sem conhecer ninguém, passaram a morar numa quitinete. Era o que podiam pagar. Na época, a ajuda de muitas pessoas de Guaíra e Campo Mourão foram fundamentais.
Arquivo Pessoal
Ozires no ano de 1981 

Ozires tinha 13 anos quando tudo aconteceu. Menino, não tinha idéia o que significava uma lesão da medula. Acreditava que as coisas voltariam a ser como antes. Que depois de um tempo voltaria a andar. Mas era ilusão. O fim dos sonhos do precoce jogador já havia sido decretado. A vida lhe pregara uma grande peça. Daquelas vistas apenas em filmes. “Quando foi decidido que iríamos a Curitiba, pensei comigo: Preciso levar minhas chuteiras pra tentar jogar em um time da capital, quanta ilusão. Por um lado foi bom ainda pensar dessa forma”, disse. Durante o tratamento, Ozires não teve momentos de revolta, tristeza ou desespero. Segundo ele, o processo foi movido pela tranqüilidade.  Finalmente, quando deu conta de como seria sua vida dali por diante, já estava adaptado. O futebol foi esquecido. A paixão mudou agora para os computadores. Ozires descobriu outro talento.

Desde os 14 anos começou a se especializar em informática. Fez vestibular e passou no curso de Processamento de Dados na escola técnica da Universidade Federal do Paraná. Logo após iniciar os estudos, ganhou o primeiro computador, graças a generosidade do casal Denir e Iracema Daleffe. Em 1994 concluiu o aprendizado e começou a trabalhar como programador, além de dar aulas de informática em casa. Ganhava seu próprio dinheiro e já ajudava a mãe com algumas contas. Em 1998 fez concurso público para o cargo de Técnico em Informática do Serpro e passou. Mudanças a caminho. Passou a trabalhar oito horas por dia. “A satisfação de começar a trabalhar com o que sempre sonhei era muito grande. Mas sem o apoio de meus pais e irmãs não teria conseguido. Devo muito a eles”, afirma.

Insistente, depois de alguns anos trabalhando como técnico, acreditava que poderia melhorar ainda mais na profissão. Foi então que em 2002 passou no vestibular para o curso de Tecnólogo em Informática, também da UFPR. Um ano depois trabalhava de dia e estudava a noite. Quem disse que Ozires tinha limitações, errou. Ele era a perseverança em pessoa. Em 2005, faltando um semestre para acabar o curso, fez concurso para Analista de Sistemas do Serpro e, é claro, passou. Foi como num daqueles chutes certeiros, da época em que fuzilava os goleiros. “Assumi o cargo de Analista de Sistemas, no qual estou até hoje”, disse.

Olhando para tudo o que passou, Ozires está feliz, satisfeito com suas conquistas. Se recorda da pequena Campo Mourão, ainda na década de 70, quando voltava cansado dos treinamentos da Tagliari. Lembra de suas esquinas, do Colégio Santa Cruz. Foi uma época de felicidade, ainda quando não tinha preocupações. Mas infelizmente, o tempo não volta. Dias desses, o menino crescido, hoje aos 41 anos de idade, retornou à cidade e reviu alguns amigos de infância – David Camargo, Marcelo Chiroli, Dilmércio Daleffe, o treinador Mário e o mestre Itamar Tagliari. Diante de tudo, de todas as mudanças e transformações, Ozires diz que apenas uma coisa não se transformou: sua fé em Deus. “Eu e minha família passamos por momentos bem complicados, acreditar em Deus com certeza ajudou a superar tudo com equilíbrio, sem desespero, na certeza que algo melhor viria”. Definitivamente, Ozires é o cara.