domingo, 21 de outubro de 2012

Alcebíades tinha tudo pra não ser ninguém




Dilmércio Daleffe
“Bidinho” veio de uma família desprovida de oportunidades. Nasceu numa época em que os preconceitos afloravam. O menino era nordestino, negro, pobre e analfabeto. O seu destino tinha tudo pra dar errado, principalmente, numa sociedade racista, estúpida e hipócrita, cujo bom senso jamais prevalecia. Mas um dia saiu da lavoura e decidiu fazer valer sua vontade. Aos 27 anos começou a estudar. Aprendeu ler e escrever. Transformou-se num líder comunitário. Trabalhou dentro de um lixão e lá perdeu uma das filhas. Ela foi contaminada e, com pouco mais de um ano, acabou morrendo. Entrou para o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), fez mais de 20 cursos e hoje, é técnico em administração. Politizado, tentou pela sétima vez este ano ser eleito vereador em Campo Mourão. Não conseguiu. Mas está pronto para 2016.     
Alcebíades Barboza da Costa é um destemido e perseverante candidato a vereador. Tenta o legislativo de Campo Mourão há sete eleições ininterruptas, desde 1988. Sem recursos, torra a sola do sapato. Faz campanha a pé, sem nenhum tostão furado. Neste ano, a cena repetiu-se novamente, mas com uma diferença. “Bidinho”, como é conhecido na Vila Guarujá, incrementou uma caixa de som nas costas e, com ela, percorreu a cidade toda. Sim, ele foi um dos 160 candidatos. Trouxe nas costas o peso da responsabilidade em pedir votos. Mais uma vez, não conseguiu. Teve apenas 355 “confirma” ao seu favor. Mas ele não desiste. 
Aos 57 anos, “Bidinho” é um cara cheio de surpresas. E agradáveis. Inteligente, sabe exatamente o que deseja. Conhece as funções de um vereador e sabe diferenciar políticos de politiqueiros. Sua história começa ainda aos cinco anos de vida, lá em Colatina, no Espírito Santo. Era criança, brincava na rua quando o pai chegou bravo mandando os 11 filhos e a mulher arrumar as malas pra vir ao Paraná. Dias antes, o pai havia levado uma garrafada na cabeça e pretendia matar o autor da agressão. O sujeito já havia fugido com destino às terras vermelhas de Campina da Lagoa.
Num pau de arara vieram todos, incluindo os poucos animais da família. Alguns dias de viagem e chegaram a Londrina. Lá, o pai teve um surto psicótico, sendo amarrado pelos filhos pra se acalmar. Seguiram então a Maringá. Mas a situação só piorou. Expulsos daquele caminhão velho, ficaram com as malas à beira dos trilhos do trem. Estavam perdidos e o pai, quase louco. Um homem ajudou a família e foram morar numa propriedade rural. Anos depois mudaram-se para o Barreiro das Frutas, já em Campo Mourão. O pai aproveitava os domingos pra ir até Campina da Lagoa. Ele insistia em matar aquele homem.
Aos 21 anos, Alcebíades decidiu casar. Saiu da roça e veio à cidade. Parou na Vila Guarujá, bairro mais carente de Campo Mourão. Continua lá até hoje. Sem emprego, transformou-se num coletor no antigo lixão. Durante os dois anos dentro do local, perdeu uma das filhas, de menos de dois anos de idade. Ela morreu contaminada pelos detritos fétidos do lugar. “Bidinho” chora ao relembrar da pequena. Cansado do sofrimento, buscou o estudo. Aos 27 já sabia ler e escrever. Foi então que adentrou ao DER. Está lá até hoje. Durante o percurso, fez muitos cursos, inclusive de computação. Recentemente, concluiu o aprendizado em técnico de administração. Ele é perseverante e não desiste nunca.
Talvez seja por esta razão sua insistência em ser vereador. Como líder comunitário diz ter aprendido lições sobre os seres humanos. Lições de carinho e, principalmente, de amor ao próximo. “Sempre quis ajudar minha comunidade. É isso que faz com que tente ser vereador”, revela. A primeira eleição em que participou foi em 1988, quando teve 74 votos. Depois foi elevando a votação até 1996, com 447 votos. Há duas semanas, lacrou sua campanha com 355 votos. Ele não se esquece do apoio das pessoas e faz questão de agradecer a votação. 
“Bidinho” diz estar cansado de ver sua gente sofrer. Quer melhorias ao seu povo e, por isso acabou envolvendo-se em trabalhos sociais. Como vereador, gostaria de fazer projetos que beneficiassem comunidades carentes. Mas foi barrado pela falta de votos. Católico e com fé em Deus, leva uma vida simples ao lado da esposa, Maria. Juntos, tiveram cinco filhos, mas dois morreram. Residem numa casinha pequena e modesta, ainda sem forro. E pelo que se vê, isso é só um detalhe. Nada mais falta ao casal. Agora, os sonhos daquele menino quase sem futuro, almejam muito mais. Alcebíades quebrou as regras do destino e revelou-se o “cara”. Em tempo: o pai de “Bidinho” morreu sem nunca ter encontrado o sujeito a quem procurava.     

Um comentário:

  1. Bidinho é um exemplo de perseverança e probidade, que, infelizmente, nossa sociedade não valoriza.

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