segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Soluções do nada na terra do nunca

      O que fazer para melhorar um trânsito cheio de problemas? Não fosse uma malha asfáltica condenada, ainda resta à população conviver com a falta de investimentos, seja na melhoria de trevos ou colocação de placas e semáforos. Soma-se a isso a imprudência de motoristas embriagados, não habilitados ou, simplesmente, sem bom senso. Enquanto nada se faz, nas camas frias de hospitais, mais sequelados, vítimas e mortos. Com a falta de conscientização no trânsito, fica a pergunta: não seria a hora de iniciar uma ampla campanha para reduzir os acidentes? Onde estão as discussões sobre o tema? Quem se responsabiliza? Quem indica o caminho a seguir? Existe um líder a empunhar uma bandeira?


Dilmércio daleffe


     Novembro de 2007. O empresário e produtor rural Marlon Sedoski, 34, andava com sua moto na avenida José Custódio de Oliveira, centro de Campo Mourão, quando um motorista invadiu a via e o atropelou. Como consequência, traumas generalizados e dor até hoje. Setembro de 2014. Um motoqueiro – que preferiu não ter o nome divulgado – bebeu horas antes de subir sobre a moto. Acabou batendo sozinho numa caçamba de entulhos na avenida Irmãos Pereira. Com o joelho esmagado, anda de muletas até hoje. Maio de 2012. Uma senhora de 85 anos de idade atravessava a faixa de pedestres na rua Mato Grosso, centro, quando um motorista ignorou as convenções de trânsito e a atropelou. Permaneceu meses sobre a cama. Abril de 2015, véspera de Páscoa. Trajano Fernandes, 70 anos – o Nego Adão, atravessava a Perimetral Tancredo de Almeida Neves quando foi atropelado sobre a faixa de pedestres. Ele não sobreviveu. Maio de 2015, Jardim América. Pedro Pinto da Silva, 74 anos, morreu dias depois de ter sido atropelado. Ele estava de bicicleta quando um motociclista chocou-se contra ele. Mas e daí? Existem culpados para tantas sequelas e mortes no trânsito? Se existem, onde eles estão? Alguém paga por isso? Afinal, quanto vale uma vida? Muitas perguntas e quase nenhuma resposta.

Mas num trânsito caótico, com motoristas demais e bom senso de menos, sobram ironias. Não apenas na área central, mas em toda a cidade, Campo Mourão se equipara a um festival de equívocos. Aqui, as coisas não funcionam, principalmente, porque a maioria não faz a sua parte. De um lado, o município não desenvolve seu papel. Não melhora o sistema urbano de tráfego, insiste em ignorar semáforos e não corrige os principais locais de acidentes. Ou seja, deixa de transformar o dinheiro do contribuinte em melhorias e investimentos. Do outro lado estão motoristas irresponsáveis, com falta de atenção, embriagados e, em muitos casos, sem poder dirigir um carro ou pilotar uma moto. A mistura explosiva de tudo isso só podia resultar em um quadro preocupante: gente ferida, mutilada e morta. Mas quando a situação irá melhorar?

É bem verdade que ninguém em sã consciência se envolve em um acidente por que deseja. Acidentes ocorrem por muitos motivos, mas aqui principalmente por: falta de atenção, ingestão de drogas – álcool, inexistência de sinalização e imprudência. Diante de tantos relatos, apenas uma definição: aqui não existe conscientização de trânsito. Carros e motos correm o quanto querem. Não existem campanhas que desfaçam tamanha imprudência. Todos os dias alguém é vitimado nas ruas. E, em quase todas às vezes, ninguém paga por isso. Onde estão as discussões sobre o tema?

Mas o que seria um simples conserto, um ajuste, aqui, torna-se um problemão. Vamos aos fatos. Dos poucos semáforos existentes na cidade, pode-se afirmar que pelo menos a metade foi colocada pela iniciativa privada. Quando um deles apresenta defeito, demora-se para arrumá-lo. Há vários dias a sinaleira da Perimetral com a Edmundo Mercer ficou sem funcionar. Pior ainda no semáforo da rodoviária que, além de não ficar ligado, ainda foi retirado. Uma simples placa na Capitâo Índio Bandeira levou dias a ser arrumada. No começo deste ano permaneceu torta por pelo menos dois meses. Foi consertada. Mas voltou a virar e agora, foi retirada de vez.    

PM

Em locais não sinalizados, segundo dados da Polícia Militar, é o condutor quem tem obrigação em saber distinguir as vias preferenciais. “Todo condutor habilitado deve saber qual via tem preferência na ausência de sinalização, isso faz parte da formação do condutor. Logo cabe a nós fazer abordagens, bloqueios e blitz para identificar condutores não habilitados”, explica o Tenente Ulisses de Deus Gomes, do 11 Batalhão de Polícia Militar de Campo Mourão. Segundo ele, ainda cabe aos cidadãos formalizarem o pedido de sinalização junto a Diretran. Mais uma vez, uma ironia. Se é um papel das autoridades em avistar problemas, porque então fica a população a tarefa?

Ulisses diz que o trânsito deve ser analisado sob diversos ângulos e não sob um olhar simplista. Segundo a legislação, o Sistema Nacional de Trânsito é atribuído e tem a competência de cada ente que pertence a União, ou seja, estados e municípios. Campo Mourão, por possuir em seu perímetro urbano vias municipais, rodovias estaduais e federais, depende também da ação da união e o estado para sanar alguns problemas.  De uma forma resumida, não adianta a população cobrar melhorias apenas da prefeitura. O trevão do Lar Paraná, por exemplo, assim como problemas na perimetral não são responsabilidades municipais.

De acordo com o tenente, os acidentes acontecem sempre por dois fatores básicos: condição insegura e atos inseguros. No primeiro caso entram aspectos desde conservação de pista, sinalização, fiscalização, chegando até condições climáticas adversas. O segundo caso abrange basicamente o fator humano. “Ou seja, é quando alguém faz ou deixa de fazer algo que acaba gerando um acidente”, diz. Embora não citados e exemplificados, Ulisses garante que trevos e outros locais problemáticos da cidade são discutidos entre a PM e a Diretran, costumeiramente.  Mas onde estão as soluções? Onde estão os investimentos? Porque então discute-se muito se não aparecem as melhorias? A verdade é que a população não quer saber se a responsabilidade aqui ou ali é municipal, estadual ou federal. Quer apenas que as soluções apareçam.

Dois exemplos clássicos de insatisfação popular: Avenida Miguel Luiz Pereira, que liga o trevo do Lar Paraná ao trevo para Curitiba e Cascavel. Ali não existem abrigos para os veículos que queiram retornar, principalmente, em frente ao Posto Tio Patinhas. Inúmeros acidentes são registrados no local. O segundo exemplo é no acesso ao campus do Integrado, na rodovia em frente ao Parque de Exposições. Ali, praticamente ninguém para no acostamento para virar. Nem um único trevo existe. O pátio do próprio posto ali existente serve como parte da rua.

Numa espécie de resumão, Ulisses diz que os motivos de tantos acidentes na cidade abrangem o desrespeito as normas de trânsito por parte dos condutores, o planejamento, conservação e sinalização de trânsito por parte da União, estado e município, e a necessidade de um número maior de fiscais e equipamentos para fiscalização de trânsito. De acordo com o vereador Edson Battilani, a Câmara Municipal aprovou há tempos recursos para que a prefeitura contratasse agentes de trânsito. Mas infelizmente, até hoje, nenhum concurso para isso aconteceu.

]Através de inúmeros contatos com a assessoria de imprensa do município, esta reportagem não obteve retorno da prefeita Regina Bronzel Dubay. Por este simples gesto, não serão repassadas as informações aos leitores de como a cidade poderia ser melhorada.

Números

Existe uma dificuldade em se chegar a um número preciso sobre acidentes, vítimas e mortes no trânsito de Campo Mourão, principalmente, porque os números computados pela PM dão conta dos óbitos ocorridos no local, dentro do perímetro urbano. O problema é que existem aqueles que ocorrem nas rodovias federais e estaduais e, ainda, os óbitos que ocorrem dias ou semanas após o acidente. Estima-se que no município de Campo Mourão ocorra uma média de 12 mortes por ano. “Esse é um dado empírico apenas”, diz o tenente Ulisses. Quanto aos sequelados permanentes, segundo o último dado do DPVAT, existe uma relação direta de dez para um, ou seja, uma proporção de dez sequelados para cada óbito no trânsito.

O trânsito na visão de um vereador
Temos um trânsito caótico, com necessidade de intervenção urgente”, afirma o vereador Edson Battilani. Segundo ele, falta em Campo Mourão uma sinalização adequada em grande parte da cidade. Além disso, necessita-se da implantação de estacionamento rotativo na área central e definição de vias preferenciais no sentido norte sul e vice versa. Ele ainda destaca a aplicação de um sistema binário nas principais avenidas, principalmente, para melhorar a mobilidade.

A lista de soluções apontadas por Battilani não para. “Temos que implantar ciclovias ou ciclo faixas para facilitar o uso da bicicleta, além de instalar semáforos em alguns cruzamentos de maior fluxo de veículos”, diz. Segundo ele, o município não desenvolve o trânsito, simplesmente, por falta de planejamento e de coragem. “O legislativo tem feito constantes cobranças e autorizado os recursos que o município solicita, inclusive a criação de quadro de agentes de trânsito e cargos para a CIRETRAN. Infelizmente, até agora não houve o concurso para os agentes. Porém, os cargos CC, de livre nomeação pela prefeita foram todos preenchidos, infelizmente, com pessoas sem qualificação profissional”, afirma. De acordo com o vereador, há situações em que a remuneração é superior a três mil reais apenas para se pintar faixas nas vias.

Battilani explica que a própria sociedade organizada tem cobrado melhorias no trânsito. A última alteração no trânsito de Campo Mourão, segundo ele, foi feita na administração do prefeito Rubens Bueno. De lá para cá o número de veículos no mínimo triplicou. Ele também destaca que a cidade mantém um departamento voltado ao trânsito, hoje ocupado por Nelson João Casaroli. “A Diretran custa ao município, apenas com cargos em comissão e funções gratificadas, R$ 28.697, 40, mensais. Muito gasto para quase nada até agora”, disse.

Vítima das dores

Marlon Sedoski, hoje com 34 anos, faz parte dos índices de sequelados no trânsito de Campo Mourão. Segundo ele, quebrou todas as articulações do braço esquerdo, trincou as vértebras L1 e L2 e fraturou um dos pés. Permaneceu 70 dias de cama e quase seis meses em cadeira de rodas. “Hoje tenho uma limitação de movimento no braço, com cerca de 30% dos movimentos e força. O que me atrapalha não é isso e sim a dor, que nunca sumiu”, disse. Agora, está prestes a fazer nova cirurgia.

Naquele dia, Marlon seguia de moto pela avenida Jose Custódio e, no cruzamento com a rua Santa Cruz um carro cruzou a preferencial. “Lembro exatamente a velocidade que estava marcando no painel da moto, 37km/h”. Depois disso passou por quatro cirurgias. Agora, precisa fazer uma prótese total de ombro.
Segundo ele, o local era bem sinalizado, mas faltou atenção do motorista. “Podia estar no ponto cego do motorista, quem sabe”, disse. Marlon ainda teve sorte de ter sido ajudado pelo condutor, tanto no dia do acidente, quanto nos custos das primeiras cirurgias. Para ele, o pior de tudo no trânsito da cidade é verificar que o dinheiro público não tem sido aplicado. “Falta sinalização em grande parte do município”, disse. Para o azar de Marlon, no exato momento de seu acidente, ficou deitado a espera de socorro por uma ambulância mais de uma hora. “Isso porque além do meu, ocorreram outros três acidentes”, disse. Quando chegou ao hospital, um mesmo médico já havia operado cinco pacientes, todos vítimas de trânsito na cidade.

Imprudência com álcool

Ele preferiu não ter o nome divulgado. Mas confessa que suas sequelas foram ocasionadas apenas por ele mesmo. Dono de uma moto bebeu e depois se acidentou. Bateu numa caçamba de entulhos, que estava numa das principais avenidas da cidade. Um acidente estúpido que poderia não ter ocorrido, não fosse o álcool. 

Tudo aconteceu dia 22 de setembro do último ano. Com o impacto, um dos joelhos foi amplamente atingido. Fez uma cirurgia em Campo Mourão e depois, recomendado pelo próprio médico a buscar tratamento em Curitiba. Em alguns meses terá que passar por nova cirurgia. “Eu já estou bem. Tô andando até de muleta já”, disse – não entendemos se falou sério ou se foi algum tipo de ironia.

Mal súbito

Um mal súbito sobre a moto levou Ângela Maria Alves Batista a atravessar a pista em frente a um veículo. Pega em cheia, a colisão foi grave. Com a perna mutilada, foi levada até a Santa Casa, onde o médico indicou uma amputação. O acidente aconteceu no dia 15 de outubro de 2013, em frente a um posto de combustíveis, na saída para Maringá.

Técnica de enfermagem, Ângela disse que ali, a colisão não foi culpa de ninguém. “Eu praticamente já estava desmaiada sobre a moto quando atravessei a pista. Não vi nada”, disse. Mesmo não culpando o trânsito da cidade pelo seu acidente, ela acredita que o município precisa de mais investimentos, principalmente com sinaleiras em alguns trevos e ruas.

]Mas se a colisão foi violenta, as notícias, no seu caso, foram positivas. Contrariando a decisão do médico, ela procurou outro profissional, que conseguiu evitar a amputação. “Ele fez uma técnica diferente e conseguiu aumentar o osso fraturado. Com enxertos, minha perna hoje está boa, graças a Deus”, disse.

Atropelado e morto por um menor

Ele era conhecido em toda a cidade por Nego Adão. O próprio apelido já demonstrava a sua singeleza. Um cara comum, não fosse a paixão por gente. Adorava as pessoas. Convivia em perfeita harmonia com todos a sua volta. Um verdadeiro gentleman. Aposentado e com 70 anos de idade, Trajano Fernandes acordou naquele dia 7 de abril para ir a padaria mais uma vez. Ia tomar o rotineiro café da manhã. Mas ao tentar atravessar a Perimetral, foi atropelado sobre a faixa de pedestres. O sinal, segundo testemunhas, ainda estava amarelo. 

Mas isso não foi o suficiente para que dois rapazes de moto – o condutor menor de idade e, portanto, sem habilitação – freassem ou na pior das hipóteses, diminuíssem a velocidade. Atropelaram Nego Adão com tanta violência e velocidade que seu corpo rolou por mais de dez metros. Quebrou as duas pernas, um braço e ainda teve uma batida forte na cabeça. Lutou por quatro dias e perdeu a batalha. As ironias são tantas que acabou sendo internado no mesmo hospital, mesma ala dos dois rapazes. A diferença é que os responsáveis pelo acidente saíram de lá vivos, andando normalmente. E estão presos? Claro que não.

A advogada Márcia Fernandes, 45, é filha de Trajano. Hoje mora em São Paulo, mas acabou tão vítima do trânsito de Campo Mourão quanto o próprio pai. Ela ainda resiste em não acreditar no que aconteceu. “Campo Mourão não possui porte para tanta velocidade. O que acontece aqui tem que parar”, afirma. “Estou pasma com o desrespeito a idosos e crianças neste trânsito”, diz. Ela lembra que o pai era o “norte” da família. Ele era cuidadoso em atravessar as ruas. “O poder público deve voltar seus investimentos às necessidades que o trânsito exige. A população têm que se manifestar, ir às ruas e exigir que os erros sejam corrigidos”, argumenta.

Estudo na gaveta

Um estudo sobre as condições do trânsito de Campo Mourão foi realizado em 2014 a pedido da Câmara de Vereadores. Depois de concluído, o documento foi enviado à prefeitura, a fim de que o município tivesse acesso às observações e, possíveis soluções ao setor. Realizado pela Gasini Consultoria, o levantamento sugere a imediata retirada das rotulas e “raquetes” existentes na área central. Pede reforço da sinalização viária para orientação dos motoristas e, ainda, pretende proibir conversões à esquerda. Solicita também a implantação de uma rede semafórica interligada e, inevitavelmente o aumento da fiscalização, principalmente, visando coibir as infrações cometidas, que atualmente são de fácil verificação.

As dificuldades provocadas pela atual malha viária do município – leia-se buracos -, se reflete não apenas nos deslocamentos dos veículos, mas se reflete também no sistema de transporte coletivo, tendo em vista a dificuldade de transpor algumas vias da área central em função do fluxo existente e da falta de visibilidade em alguns pontos. Observa-se no município falta de sinalização em diversos pontos. A simples implantação de faixas divisórias de fluxo tende a ordenar os movimentos garantindo uma melhor sensação de conforto e comodidade para os usuários. Sugere-se que antes da implantação de um sistema binário, seja implantado inicialmente sistema de estacionamento rotativo.

Entre os principais pontos a serem colocados semáforos estão: Av. Manoel Mendes de Camargo x R. Francisco Albuquerque; R. Araruna x Av. Goioerê; R. Araruna x Av. Capitão Índio Bandeira; Av. Capitão Índio Bandeira x R. São Paulo; Av. Goioerê x Rua São Josafat; Av. Goioerê x Rua Pitanga; Av. Irmãos Pereira x Rua Francisco Albuquerque.

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