segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O cheiro do ralo

Embora os pequenos municípios da região de Campo Mourão venham trocando seus gestores ao longo dos anos, a maioria deles acabou optando por não investir em esgoto. Hoje, menos de 30% da população possui saneamento adequado em casa. Dos 25 municípios, 16 deles não mantém nenhum centímetro de galerias para dejetos. Pior ao meio ambiente. O lençol freático pode estar sendo contaminado, dia a dia. Além disso, milhares de pessoas também estão sujeitas a contraírem doenças através da contaminação da água. Como as causadas por bactérias, vírus, vermes e protozoários. O que é melhor: prevenir ou continuar remediando? Seja qual for o entendimento dos governantes, bem vindo ao terceiro mundo. 


Dilmércio Daleffe
Dos 25 municípios da região de Campo Mourão, ao menos 16 não possuem rede de esgoto. Ou seja, durante os anos de emancipação, os governantes jamais investiram em obras que pudessem contribuir com o meio ambiente e, acima de tudo, com o bem estar da população. Afinal, trata-se de investimentos que não aparecem. Ficam sob a terra e desaparecem aos olhos dos eleitores. Trata-se de um histórico político social brasileiro: prefeitos não gostam de aplicar recursos em esgoto. É caro e ninguém vê. Hoje, pode-se afirmar que dos quase 300 mil habitantes da região, menos de 30% mantém rede de esgoto em casa. Os demais submetem-se a fossas sépticas e, até, com dejetos escorrendo em frente as residências. De uma certa forma, a maior parte da população é mantida de modo primitivo, como reflexo direto das normas que conduzem ao terceiro mundo.
Ela assistia televisão quando a reportagem chegou a sua casa. Ela é uma dona de casa, moradora em um bairro carente de Luiziana e que não quis ser identificada. O local é rudimentar. Trata-se de um barraco, ainda sem piso, cujas frestas das paredes parecem se alargar a cada dia. O problema é que lá não existe esgoto encanado. Aliás, lá e em qualquer outro lugar da cidade. Bem em frente à porta da frente, uma pequena erosão escoa toda água da casa. O cheiro é forte e por isso a moradora prefere não receber visitas. “Tenho vergonha de convidar parentes pra vir aqui”, diz. E a preocupação aumenta quando os netos chegam. Descalços, eles brincam ao lado da água suja. No início do ano, a dona de casa contraiu hepatite. 
Próximo dali reside a aposentada Ana Rosa Pereira, de 93 anos. Ela também mora numa casa modesta, onde a rua também não é asfaltada. Mas diferente do primeiro caso, o esgoto não corre a céu aberto. Há alguns anos ela tirou dinheiro do bolso e fez uma fossa aos fundos da casa. “Foi caro pra fazer. Lembro até hoje do valor”, disse. Além de seu imóvel, o buraco também atende outras duas residências vizinhas. De acordo com o secretário de administração de Luiziana, Edcarlos Médice, embora o município contabilize uma porcentagem zero em rede de esgoto, a situação vem sendo encarada como prioridade para a próxima gestão. “Encaramos o problema como uma meta”, afirmou. Apenas como fato: são 25 anos de emancipação política de Luiziana e nenhum centímetro de investimento até os dias atuais.
Em Barbosa Ferraz a situação é um pouco melhor. Lá, 26% da área urbana já mantém rede de esgoto. Ainda é pouco, mas segundo a prefeitura, novos investimentos estão por chegar. De acordo com Márcio Fukuro, chefe de gabinete, até o final do ano a Sanepar deve iniciar investimentos de mais sete mil metros de esgoto. “Já temos o material. Falta agora licitar a mão de obra”, explicou. Município vizinho a Barbosa, Corumbataí do Sul já construiu 58% de esgoto na zona urbana. O servente Reginaldo Gomes dos Santos está feliz com a sua rua. “Aqui está tudo canalizado. Não vemos esgoto em nenhum lugar”, revelou.    
Consequências da falta de esgoto
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% das doenças que ocorrem nos países em desenvolvimento são ocasionados pela contaminação da água, e que a cada ano, 15 milhões de crianças de zero a cinco anos de idade morrem direta ou indiretamente pela falta ou deficiência dos sistemas de abastecimento de águas e esgotos. Ainda hoje, no Brasil, 55,5% da população não são atendidos por rede de esgoto, sendo 48,9% da área urbana e 84,2% da área rural (segundo relatório IBGE, 2000).



No Brasil, 47,8% dos municípios não têm esgoto, o que afeta diretamente a qualidade das águas de rios, mares e lagoas das cidades brasileiras (segundo relatório do IBGE, 2000). Esse grande número de águas contaminadas ocasionam graves problemas de saúde. Doenças como, por exemplo, as causadas por bactérias, vírus, vermes e protozoários como amebíase, febre tifóide, giardíase, hepatite tipo C e outras. Para o Sistema de Controle Ambiental, poluir é lançar substâncias em quantidade acima da capacidade de autodepuração ou dispersão do meio, ou de qualidade que não possa ser absorvida pela natureza.
Sanepar prevê mais investimentos na região
Sanepar prevê mais investimentos
De acordo com a assessoria da Sanepar, os investimentos da empresa junto aos municípios são feitos de acordo com o contrato firmado com cada um deles. No entanto, as prefeituras também podem buscar recursos, por iniciativa própria, junto ao Ministério das Cidades. Exemplo disso acontece em Altamira do Paraná, que conseguiu junto a Funasa R$ 1,7 milhão para investir na implantação do sistema de esgotamento sanitário.


Para atender outros municípios da região, a Sanepar está desenvolvendo vários projetos, em conjunto com a Funasa, para implantar serviços de coleta e tratamento de esgoto nos municípios de Farol, Mato Rico, Nova Cantu, IV Centenário, Quinta do Sol e Rancho Alegre do Oeste. A Sanepar também tem buscado recursos para atender os municípios paranaenses com população de até 50 mil habitantes. Entre as ações desenvolvidas pela empresa está a criação de uma força-tarefa composta por técnicos e engenheiros para o desenvolvimento de projetos e busca de novas tecnologias.
Este trabalho garantiu, no final do ano passado, recursos no valor de R$ 260 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para serem investidos nestes municípios. Na região de Campo Mourão já estão contemplados Araruna (R$ 4,5 milhões), Campina da Lagoa (R$ 1,4 milhão), Moreira Sales (R$ 1,5 milhão) e Ubiratã (R$ 1,3 milhão). Em 2011 a Sanepar fez a emissão de debêntures no valor de R$ 374 milhões para investir em saneamento em todo o Estado, a maior parte em pequenos municípios.

Números do problema
Altamira do Paraná – sem rede de esgoto
Araruna – 28,8% de rede de esgoto
Barbosa Ferraz – 26,67% de rede de esgoto
Boa Esperança – sem rede de esgoto
Campina da Lagoa – sem rede de esgoto
Campo Mourão – 72,32% de rede de esgoto
Corumbatai do Sul – 58,02% de rede de esgoto
Engenheiro Beltrão – 18,58% de rede de esgoto
Farol – sem rede de esgoto
Fênix – sem rede de esgoto
Goioerê – 48,85%, de rede de esgoto
Iretama – sem rede de esgoto
Janiópolis – sem rede de esgoto
Juranda – sem rede de esgoto
Luiziana – sem rede de esgoto
Mamborê – 71,85% de rede de esgoto
Moreira Sales – sem rede de esgoto
Nova Cantu – sem rede de esgoto
Peabiru – sem rede de esgoto ativa
Quarto Centenário – sem rede de esgoto
Quinta do Sol – sem rede de esgoto
Rancho Alegre do Oeste – sem rede de esgoto
Roncador – sem rede de esgoto
Terra Boa – 21,95% de rede de esgoto
Ubiratã – 26,94% de rede de esgoto

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