segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Frente a frente com a morte

Quando a vida chega ao fim, o agente funerário entra em cena. Quando menos se espera, você estará frente a frente com Adierson. Não há outra saída.


Dilmércio Daleffe

Adierson dos Santos já foi operador de áudio em uma rádio. Trabalhou na locação de mesas de sinuca e como auxiliar administrativo. Ele poderia ter sido qualquer coisa. Afinal, é esperto, inteligente e se expressa com facilidade. Na gíria, ele é o cara. No entanto, decidiu atuar num ramo de mercado incomum às pessoas. Diariamente com um terno preto e, frente a frente com a morte, ele optou por ser um agente funerário. Durante os 12 anos de profissão, teve que enfrentar as angústias da vida. Com forte personalidade, se encorajou e preparou o corpo do próprio filho, morto aos três meses de vida.

Aos 39 anos de idade, Adierson tem no sobrenome a colaboração de todos os “Santos” para exercer a profissão. Não é nada fácil estar diante da morte. Ele explica que a atividade apareceu como oportunidade na época em que atuava no setor administrativo do cemitério de Maringá. Conhecia empresas funerárias e ganhou o trabalho de uma delas. Não parou mais. Hoje, atua na capela do Prever, em Campo Mourão. “Um agente funerário tem que ter acima de tudo, respeito e ética. Afinal, trata-se de um corpo, uma pessoa que foi importante para alguém”, diz.

Na verdade, o trabalho consiste em remover o corpo até o laboratório da empresa. Ele pode estar num hospital, no Instituto Médico Legal ou em uma residência. A partir daí, acontece o atendimento aos familiares. Enquanto isso, o corpo passa por um tratamento conhecido como “Tanatopraxia” que, num resumo geral significa a conservação propriamente dita. Ou seja, todo o sangue do cadáver é retirado. Em seu lugar é injetado um líquido à base de formol cujo objetivo é fixar os tecidos. Até o momento do sepultamento, o corpo terá uma boa aparência, se é que podemos dizer isso. Ainda é realizada uma higienização completa, depois a vestimenta, a necromaquiagem e, por fim, a ornamentação com flores. Em alguns casos, há a necessidade na reparação facial do morto. Todo o processo gira em torno de duas horas e meia, em média. Nos Estados Unidos o processo dura 24 horas.

Adierson se preparou muito para a função. Fez três cursos e, atualmente, é um dos melhores profissionais da região. É ele, inclusive, que realiza o atendimento com os familiares. Possivelmente, a maioria dos mourãoenses ainda vai estar frente a frente com ele. Não existe outra saída. É inevitável. Além de saber o que fazer, principalmente dentro do laboratório, é necessário ao agente funerário ter respeito e dignidade com o corpo. Na empresa, segundo Adierson, há um insistente treinamento sobre a questão. “Falamos aos nossos funcionários que brincadeiras não devem existir. Além disso, eles devem evitar comentários fora do trabalho”, explica.


Por todos estes motivos, a profissão não é fácil. Adierson diz que ver é uma coisa, mas realizar o processo em si, é bem diferente. Para ele, a função já se tornou habitual. “Eu mesmo já fui bastante frio. Hoje penso diferente”, disse. Não é de hoje que conhecidos seus acabam na mesa do laboratório. Mas há nove anos, teve que resolver um problema com a sua consciência. Ele se deparou com a morte do próprio filho, um recém nascido de apenas três meses de vida. Morto ainda no hospital, foi ele mesmo quem decidiu preparar o corpo. “Acho que hoje, não faria de novo. Naquele momento achei que deveria fazer”, afirma. Ao contrário do que muita gente acha, Adierson tem coração, e dos grandes. A frieza com que lida no seu dia a dia é apenas um ritual da atividade. Um mal necessário.

Defunto preso

Durante os últimos 12 anos, Adierson viu de tudo, um pouco. Ele lembra que ainda em Maringá presenciou a “prisão” de um cadáver. Diz que o corpo já estava preparado e sendo velado pelos familiares, quando policiais chegaram reivindicando o defunto. Eles explicaram que tinham que levá-lo ao Instituto Médico Legal para uma necropsia. Tratava-se de um homem desaparecido do interior de São Paulo há anos. Lá, ele havia deixado filhos e esposa, sem nunca mais ter dado notícias. Em Maringá, constitui outra família. “Não sei o fim da história. Mas foi estranho”, comenta.

Ele também lembra da história de um professor. Depois de ter morrido, foi preparado e velado pela família. No entanto, ao invés de ser sepultado, como tradicionalmente acontece, teve o corpo encaminhado à faculdade de medicina. Ainda vivo, ele teria manifestado aos filhos a vontade em servir como estudo aos acadêmicos. Histórias à parte, a verdade é que todos terão o mesmo fim: na fria mesa inoxidável, toda vazada, do fúnebre e silencioso laboratório. Até lá

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