segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Luiz é como um espelho do Brasil


Luiz é um personagem das ruas do Paraná. Leva uma vida miserável mas ainda assim revela atitudes de extrema nobreza, como dividir o café que ele mesmo preparou. Ele é tão somente um espelho, um reflexo do Brasil.

Dilmércio Daleffe

Ninguém é uma ilha. Mas no caso de Luiz Carlos da Rosa, sim, ele é um ilhado. Uma vítima do sistema econômico do país. Um filho mal tratado. Um indivíduo que vive só, sem muita conversa, andando de esquina a esquina à procura de um canto para se esconder. Viver é somente um passatempo. É um sobrevivente da sarjeta, das calçadas sombrias, da chuva e do frio. Ele não tem ninguém, é somente mais um passageiro da vida sofrida. Das angústias e dramas dos moradores de rua. Vive como um refugiado, evitando pessoas.


Luiz foi encontrado pelas ruas de Guarapuava numa manhã de quatro graus de temperatura. Estava todo molhado e com frio. Havia chovido durante a noite anterior. Algumas poucas roupas pendurou em uma cerca de arames para secar. Outras peças ainda úmidas, as vestia. Com o pouco sol, preparou uma pequena fogueira. Ao mesmo tempo em que se aquecia, preparava o chimarrão e o café. Não queria conversa. Sorriso muito menos. Detalhista, fez o café com o máximo zelo. Quis dividir o precioso líquido. Já o mate, secou sozinho.

Uma bicicleta completamente destruída é seu ponto de apoio. Os pneus têm fita isolante. Tentam esconder os buracos da câmara de ar. O seu quadro serve para carregar a única mochila. São trapos de roupa, a parafernália do café da manhã e o rádio surrado. Suas manhãs são sempre assim. Uma fogueira, o rádio, o café e o chimarrão. É um ritual de quem acha que tem tudo. Tudo para quem nada tem. Ainda assim faz questão em dividir o café. Esconde na cara assustadora, atitudes gentis.

Não sabe ao certo quantos anos possui. Acha que tem 46. Nos últimos tempos perdeu o gosto pela elegância. Mesmo sendo um cara gentil, deixou de ser vaidoso. Tem uma longa barba e a falta de higiene é precariamente visível. Mãos encardidas revelam os calos de uma vida inteira. Conta ele que mora na rua desde 1986, quando um incêndio destruiu tudo o que tinha. Morava de favor na casa de um tio. Era dono de uma geladeira, uma cama, um sofá e algumas panelas. Nunca teve família. O fogo levou tudo, até o próprio teto. Desde então, é personagem das ruas. Vive numa espécie de prisão perpétua, em busca de algo que ainda não descobriu o que é.

Seus dias não requerem dinheiro. Ganha comida e quando não, faz serviços gerais. Os trocados para carpir uma data são utilizados na compra por comida, do café e do mate. Vez em quando nas pilhas do radinho. Ele tem saudades dos irmãos, todos já falecidos. Filhos jamais teve. Não acredita em dias melhores, até porque, não sabe o que isso quer dizer. Luiz é um condenado sem nunca ter cometido crime algum. Paga o preço por estar em um país doente, onde a corrupção impera e a maioria das pessoas não tem os direitos que merecem. Luiz é apenas um espelho, um homem feito com pedaços de vidro. Ele reflete a realidade do Brasil, poucos com muito, muitos com pouco.

Mas ele tem um sonho. Mesmo distante, gostaria de ter sua casinha. Um cantinho só seu onde fosse o dono do próprio mundo. Lá, colocaria seus poucos pertences. Arrumaria uma estante para o velho rádio e, na cozinha, prepararia um banquete com o chimarrão e o inseparável café. Mas isso tudo é utopia para quem vive na rua. Uma ilusão. Um sonho como ganhar uma mega-sena acumulada. Mas sonhar é bom. Não se paga por isso. Enquanto ele pensa, o mundo caminha. Brasília corrompe, os homens trapaceiam e os personagens de rua... Bem, esses continuam a passar frio, fome e vontade. Luiz reflete os dias brasileiros. Ninguém fará nada por ele, como sempre.

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