segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Mané Garrincha, Pelé e outras histórias do futebol
Dilmércio Daleffe
Ele foi jogador profissional nas décadas de 60 e 70, época de ouro do futebol brasileiro. Jogou como titular do Vasco e, por sorte do destino, teve o prazer de conviver com o gênio Mané Garrincha. Foi por pouco tempo, num período já no fim da carreira do craque, quando se recuperava de uma lesão. Mesmo assim, guardou para sempre as histórias daquele senhor de pernas tortas. Hoje, aos 64 anos, Alvaro Monteiro de Matos deixou o esporte e o mantém vivo apenas da TV. Nem mesmo nas peladas do fim de semana atua mais. É um cara de sorte. Poderia estar como outros amigos seus, também ex-jogadores, esmolando ajuda dos mais influentes. Mas não. Alvaro está bem. Carrega as lembranças de jogos inesquecíveis quando marcou os grandes como Gerson, Jairzinho e o Rei Pelé.
Pode-se dizer que receber Alvaro para um bate papo foi um imenso prazer. Afinal, trata-se de um ex-combatente dos campos repleto de boas histórias por contar. Já grisalho, mora atualmente em Guarapuava. É pai, avô e atualmente leva uma vida tranqüila à frente de uma revenda de aquecedores a gás. Certamente, se dependesse dos salários daquele tempo, estaria necessitando ajuda dos amigos. Muitos ex-jogadores estão apenas sobrevivendo. Não se prepararam. Moram de favor na casa dos outros. Há alguns dias, foi até Curitiba rever o companheiro de Vasco, Joel Santana. Só foi recebido depois de deixar bem claro que não queria pedir nada. Infelizmente, jogadores que se deram bem recebem inúmeros pedidos de ajuda de outros, que se ferraram na vida. Assim é o belo espetáculo do futebol brasileiro.
Alvaro nasceu na Bahia e ainda cedo chegou ao Rio de Janeiro onde conquistou a vaga de titular do Vasco da Gama. Apesar de não ser alto, era zagueiro. Uma espécie de Gamarra – aquele zagueiro paraguaio inteligente e que não fazia faltas. Jogava elegantemente. Por isso passou a ser o capitão da equipe e também o cobrador oficial de penalidades. Alvaro era o cara. Tinha 20 anos quando olhou para o lado e viu aquele senhor de pernas tortas vestindo a mesma camisa. Era o ano de 66, um período que Garrincha já pensava em parar. Havia deixado o Botafogo e passou a se recuperar de uma lesão em São Januário. Enquanto se tratava, vestia a camisa do Vasco em partidas amistosas por todo o país. Um dinheirinho que o ajudava a se manter. Certas vezes, de tão humilde, Mané recebia o "bicho" - gratificação pelas vitórias - e o doava por inteiro aos roupeiros do clube.
Já em 67, o Grêmio Oeste – antigo clube de Guarapuava – emprestou alguns jogadores do Vasco para um amistoso contra o Cascavel. Nesta partida Garrincha veio ao Paraná e, ao lado de Alvaro, atuou mal e foi vaiado. A direção do clube até pagou um bom hotel ao gênio da bola, mas ele quis ficar numa república junto aos demais jogadores. Durante a noite, Garrincha sumiu. Conta Alvaro que desapareceu na boemia da cidade. Bebeu todas e foi trazido pelos companheiros bastante mal ao alojamento, lá pelas 5 da manhã. Como ninguém é de ferro, Mané foi ao campo, mas jogou horrivelmente, sendo vaiado pelos torcedores. “Lembro que ele deu um trabalho danado naquela noite”, recorda Alvaro. Alguns dias depois, o amistoso entre as duas equipes se repetiu, mas agora na cidade de Cascavel. Garrincha jogou desta vez para o Cascavel. Só que a equipe da “Serpente” havia sido mais esperta e cuidou para que não saísse do hotel à noite. Como resultado, Mané arrebentou, deixando os torcedores perplexos com sua atuação.
Pelé
Foi nesta presença ao Paraná quando Alvaro conheceu Guarapuava e encontrou a mulher de sua vida. Está casado até hoje. “Saí da Bahia, do calor do Rio e vim parar no frio de Guarapuava”, diz. Enquanto jogador, além do Vasco, atuou no Vitória do Espírito Santo, no Grêmio Oeste de Guarapuava, no Colorado e no Ferroviário de Curitiba e no Comercial de Campo Grande. Aliás, foi numa atuação com o Comercial, em 1973, quando Alvaro teve a satisfação de marcar o Rei do Futebol, o grande Pelé. O jogo foi na capital do Mato Grosso do Sul, e o Santos perdeu por 1 a zero. Emocionado, Alvaro resumiu Edson Arantes do Nascimento simplesmente como “espetacular”. “Era diferenciado dos demais. Sabia o que ia fazer antes da bola chegar aos seus pés. Além de tudo, era bastante forte”, disse.
Com o tempo, Alvaro aprendeu a curtir a vida. Não dispensa um bom churrasco – principalmente na casa do genro, que é pra ele sofrer com a bagunça das visitas -, um bom restaurante e, mais recentemente, um excelente vinho. Toda segunda se reúne com os amigos numa noite gastronômica. Leva a vida com prazer. Mas antes disso, encerrou sua trajetória no futebol na década passada. Foi treinador e depois dirigente do Batel de Guarapuava. Levou a equipe à primeira divisão do estado. Mas ele cansou, parou com tudo e decidiu viver a vida.
Dor de barriga
Jogando na década de 70 pelo antigo Colorado – hoje Paraná Clube – Alvaro passou quase 30 dias numa turnê por países africanos. Era uma época esquisita quando jogadores brasileiros tinham que cortar os cabelos – os black powers – para entrar no continente africano. Em Gana, ele jamais esquecerá do dia em que cantava o hino nacional, quando uma dor de barriga começou a incomodá-lo. Olhou para trás, mas os portões dos vestiários já haviam sido trancados. Ninguém mais tinha acesso a eles. Era uma precaução dos organizadores para evitar confusões por parte da torcida. Como já estava inscrito na partida, teve que começar jogando. Mas a dor aumentou e ele não pode fazer mais nada. Na saída de bola, os africanos lançaram a bola em sua direção. Quando abriu a perna... já era tarde demais. O que tentava segurar, acabou saindo.
De nada adiantou os gestos em que pedia ao treinador para trocá-lo. "Eu gritava pra ele, tô cagado. Mas não adiantava", lembra. O professor queria ganhar o jogo e ele continuou em campo. Estava completamente cagado. Correu, chutou, caiu sem nunca ter se limpado. As assaduras ele jamais esquecerá. Mas o pior aconteceu no intervalo do jogo. Aliviado, pensou logo em correr aos vestiários para se lavar. Mas quem disse que os banheiros foram abertos? Sentou-se no banco dos reservas, junto aos outros companheiros. Mas sentindo o cheiro, todos saíram. Fizeram a reunião em meio ao campo. Alvaro ficou lá, sozinho, cagado e sem nada poder fazer. Acredite, mas Alvaro foi obrigado a voltar ao segundo tempo. O treinador não quis nem saber. Histórias do futebol.
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