terça-feira, 20 de setembro de 2011
Os 15 anos de Carlos Eduardo
Dilmércio Daleffe e Walter Pereira
Ele tinha apenas 15 anos, jogava eximiamente tênis e ainda brincava de videogame. Mas deixou as brincadeiras de lado para atuar, segundo a família, uma única vez como bandido. Numa ação completamente equivocada por ele mesmo, foi morto na última sexta-feira com dois disparos pela polícia. Carlos Eduardo Ferreira Machado morreu à toa, possivelmente motivado pelas drogas e pela experiência de uma terceira pessoa. Era usuário de maconha. Com toda uma vida ainda pela frente, decidiu agir como assaltante. Mesmo com os ensinamentos sobre Deus, amor e trabalho passados pelos seus pais, optou pelo caminho errado. E pagou por isso. A família não recrimina a polícia. São pessoas do bem, direitas e sabem que o filho cometeu algo errado. Mas ao mesmo tempo, ainda não acreditam que perderam Carlos.
O menino vem de uma família de bons trabalhadores, honestos e pobres. Moram numa casa simples, no Lar Paraná. Um imóvel pequeno, ainda sem forro, mas com uma mesa sempre farta de alimentos. O pai, Milton, é funcionário público, vigia de um ginásio de esportes. Aos 54 anos, ainda tem que trabalhar para garantir o sustento da casa, mesmo doente. Mostra os pés bastante inchados e algumas feridas nas pernas. Tem diabetes. Trabalha desde os dez anos de idade quando atuava como engraxate na rodoviária de Ubiratã. Ensinou tudo ao filho, mas ele não o ouviu o suficiente.
Sirlei é a mãe. Tem 45 anos e começou a trabalhar ainda menina na roça. Ela perdeu um de seus quatro tesouros, o caçula – tem outras duas filhas e um outro filho. Além de dona de casa, é funcionária de um pequeno restaurante, onde é cozinheira. A angústia em seu rosto é visível. Afinal, qual a pior perda do que a morte de um filho? Sirlei possui uma voz angelical, suave, fala baixinho. Evangélica, conversava sobre maconha com Carlos. Pedia que parasse e que fosse a igreja com ela. Ele jamais aceitou o convite, dizia que não havia perdido nada lá. Mesmo assim, não era um filho do mal. Pelo contrário. Mantinha um bom relacionamento com os pais e os irmãos. Brincava com a mãe. “Ele sempre me chamava de véia. Era muito brincalhão, mas nunca nos confrontou”, disse. Apesar de ser um usuário confesso de maconha, jamais roubou algo de sua casa. Os pais sempre davam um dinheirinho, R$5, às vezes R$10.
Carlos cresceu como um menino normal, comum a tantos outros de sua classe social. Era alegre e até pouco antes de morrer, brincava na chuva em companhia do sobrinho de oito anos. Aos 11 anos, passou a trabalhar como boleiro de uma academia de tênis na cidade, quando permaneceu até os 14. Era como uma espécie de ajudante geral do local. Mas com o esporte a sua frente, começou a treinar e se deu bem. Ficou bom com a raquete, chegando inclusive a faturar um troféu num campeonato. Se continuasse, poderia ter chances profissionais no esporte. Ainda nesta época, o menino estudava no Colégio Paulo Sexto. Não era nenhum “nerd”, mas passava de ano. O erro, segundo a família, foi mudar de escola. No Dom Bosco, já aos 13 anos de idade, conheceu quem não devia, sendo logo apresentado a maconha. Não parou mais.
Os pais começaram a desconfiar que algo não estava certo. Carlos chegava com os olhos vermelhos e sempre com muita fome. Reprovou a quinta série e iniciou alguns desentendimentos na escola. Logo foram até o Conselho Tutelar para uma conversa com a psicóloga. Lá tiveram informações suficientes para saber como lidar com o filho. Dias depois, todos da casa já sabiam que estava usando a droga. Sirlei começou a encontrar pontas de cigarro de maconha no quarto. Ela estava apavorada com a situação e insistia com o filho para que deixasse o hábito. Mas não adiantava. “Ele achava que era normal”, disse a mãe.
No final de 2010 se desentendeu com o zelador do colégio. Ele havia utilizado um extintor de incêndio, ocasionando prejuízos a unidade. Os pais o transferiram novamente para a antiga escola. Fora os desentendimentos com outros meninos e o consumo de maconha, Carlos nunca teve passagens pela polícia. Segundo os pais, ele também jamais se meteu em assaltos ou furtos até então. “Foi uma grande surpresa para nós. Não acreditamos até agora no que ele fez”, disse o pai muito emocionado.
Carlos era um menino franzino, mas alto para sua idade. Tinha 1,70 de altura e completou 15 anos no dia 28 de maio. Gostava de televisão, mas preferia o computador e o videogame. Ouvia rap, curtia o tênis e era palmeirense. Ninguém é perfeito. Vaidoso, tomava dois banhos ao dia e, ainda, se dava ao luxo de passar creme hidratante no corpo. Só saía perfumado e já mantinha algumas namoradinhas pela cidade. Com o vício, a irmã passou a segui-lo. Muitas vezes tinha que chamá-lo de volta para casa, principalmente, quando via que não estava com boas companhias. Um de seus hobbys era desenhar carros.
A ação
Sirlei, sempre devota a Deus, pedia: “Se fosse pra ele virar bandido, preferia que Deus tirasse sua vida”. Como uma espécie de predestinação, ou premonição, as preces da mãe foram ouvidas. Segundo a família, foi a primeira e única ação criminosa de Carlos. Ele levou dois tiros, um na barriga e outro no peito. Caiu morto. Segundos antes, apontava a arma ao peito do comerciante Moacir Tadeu Coelho. No entanto, quando viu os policiais adentrarem ao local, virou o revólver em direção aos PMS. Bandido que é bandido sabe que apontar a arma para polícia não se faz. Possivelmente, pela ingenuidade do garoto, ele morreu de graça, sem nunca ter sido um marginal, ou ser um novato, um aprendiz. A família não condena a atitude da polícia. Sabe que Carlos fez o que não devia. Mais que isso. Os pais tem certeza de que o filho foi motivado por alguém, uma terceira pessoa. De acordo com Sirlei, Carlos não conhecia Paulo, o outro assaltante morto.
A reportagem da TRIBUNA teve acesso a uma testemunha que presenciou o momento em que esta terceira pessoa foi até a casa de Paulo para apanhá-lo na sexta-feira, cerca de 30 minutos antes da ação. Era um Monza escuro. A pessoa já estava acompanhada de Carlos. Paulo ainda dormia quando foi acordado. Enquanto se arrumava, o motorista do Monza tirou um revólver e começou a ensinar o menino a manuseá-lo. Pelos relatos, o menino jamais havia visto uma arma. Foi um presente que o apresentou a morte. Paulo teria saído de casa com um pão na boca, tamanha pressa que apresentava. Horas mais tarde, o rádio anunciava a morte dos dois. Paulo possuía uma extensa ficha criminal. Segundo a polícia, Carlos tinha apenas dois boletins de ocorrência. Um sobre o caso do extintor, outro por porte de maconha, como usuário.
A mãe de Carlos garantiu que jamais encontrou uma arma dentro de casa. “Com medo dele se meter em confusões, eu sempre revirava seu quarto em busca de droga. Ele nunca teve arma. Nem droga trazia”, afirmou. A última vez que Carlos foi visto pela família foi na quinta-feira, na hora do almoço. Ele comeu e disse que ia dar uma volta. Não voltou nem para dormir. Sirlei não teve paz naquela noite. Estava angustiada, sentia que algo não estava bem, afinal, o filho não costumava dormir fora. Carlos foi encontrado pela família somente na tarde de sexta, numa das gavetas do Instituto Médico Legal. A história dele, de seus 15 anos, estava encerrada. Viveu pouco, escolheu o caminho errado e se aventurou com gente que não estava acostumado. Poderia ter optado pelo bem, mas foi vencido pelo mal.
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