segunda-feira, 19 de setembro de 2011
O silêncio de Raimundo
Dilmércio Daleffe
Desde os dez anos de idade, Raimundo já pegava na enxada. Lá na roça, em meio ao milharal, começava a calejar as pequenas mãos de criança. Nunca mais parou. Hoje, passados 52 anos, ele continua a enfrentar a árdua rotina do trabalho. Não conhece domingo, nem feriado. Às vezes não poupa nem a saúde. Raimundo sofre de labirintite. Frequentemente cai em meio a rua. Sempre se machuca. Ele é do tipo caladão, na sua. Até ontem, havia passado a vida quieto, sem nunca reclamar. Acreditava que tudo era obra do destino. Agora quebrou o silêncio e decidiu falar. Acredita que vive num país ruim, onde poucos têm chance. “Estou cansado de trabalhar. Mas preciso. Minha aposentadoria está difícil de sair”, diz. Ele é somente mais um entre tantos, sufocado pela falta de gentileza nacional.
Raimundo fala pouco, de preferência, só o que precisa. Ele é boa gente, daqueles que da pra ver na cara a honestidade. Batalhou a vida toda e hoje quase nada tem. Por causa da idade, 62, não consegue registro em carteira. “Ninguém quer pegar gente de idade”, lembra. Então o jeito foi improvisar com um carrinho pra coletar recicláveis. Há algum tempo vem acordando todos os dias, bem cedinho, em busca do material. Papel, ferro e lata são os alvos. Profissão digna pra quem foi excluído do mercado de trabalho. Mas ao mesmo tempo, segundo ele, humilhante a quem tem idade pra se aposentar.
A atividade faz com que deixe a humilde casinha de madeira desbotada de manhã e volte somente à tarde. Imagine uma coleta diária pra conseguir acumular apenas R$150 ao mês. “Nada vale nada”, afirma. Raimundo se refere aos valores pagos pelo quilo dos materiais. O quilo do papel vale R$0,20, da lata R$0,10 e do ferro R$0,15. Ele tem razão. Tudo junto, não tem valor algum. Num país cuja malandragem domina, pode-se chamar os preços de “sacanagem”, mesmo.
Mas quando surge um bico pra fazer cerca em algum sítio, ele não pensa duas vezes. Um trabalho que da prazer, principalmente, por estar na zona rural. É que as boas lembranças de sua vida o remetem aos ares do campo. Histórias de criança, de seus pais, da inocência de tempos que não voltam mais. Atualmente, nada falta a ele e a esposa, que está aposentada. Quando a grana não chega ao fim do mês, dá-se um jeito com os fiados.
Depois de passar a vida toda trabalhando, ele mantém apenas um sonho: se aposentar. As mãos calejadas já não suportam mais tanto sacrifício. Ele mesmo não acredita que ainda tenha que trabalhar mais algum tempo para isso. “O país não tem mais jeito. Tem que dar condição pro povo trabalhar e viver”, disse. Devoto de Nossa Senhora Aparecida, ele já passou de tudo um pouco. Mas fome, jamais. “De fome a gente não morre. Do resto Deus cuida”, garante. Raimundo Oliveira Bahls tem três filhas, todas casadas. Faz tempo que não as vê. Natural de Mamborê, continua em Mamborê, à espera de tempos melhores.
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