segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O preço das mãos nazistas

Depois de 55 anos, após ter nascido de um parto complicado, quando perdeu parte da orelha e a mãe quase morreu, Zilda Fantin agora quer uma reparação do governo alemão. Vai lutar na justiça por danos morais. Pela infância traumática, humilhações e bullying sofridos, ela quer provar que o nazista, Josef Mengele, o “Anjo da Morte” dos campos de concentração, esteve em Mamborê na década de 50. Teria se passado por um médico conhecido como Josef Kanat, o mesmo que mutilou dezenas de pessoas na cidade.

Dilmércio Daleffe



Às vésperas de completar 55 anos de idade, a dona de casa Zilda Fantin repensa o passado e reflete sobre os diversos constrangimentos já enfrentados na vida. Foram muitos obstáculos, barreiras vencidas e uma humilhação constante, não superada até hoje. Ela foi uma das vítimas de um médico alemão que passou por Mamborê, ainda na década de 50. Um tal Josef Kanat, mas que na verdade, segundo ela e outras dezenas de pessoas da época, se tratava do nazista Josef Mengele. O carrasco alemão que mutilou e matou milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Pelo mal causado a ela e a família, Zilda agora vai entrar na justiça. Deseja e vai lutar por uma indenização contra o governo alemão. Quer receber por danos morais, pelas humilhações sofridas durante toda sua infância.

Zilda nasceu em 1956, mas não pelas mãos, e sim através do fórceps – instrumento utilizado na medicina obstetrícia para auxiliar a retirada de um feto - manuseado pelo suposto nazista, quando ele atuou em Mamborê. Daquele trágico parto, restaram as conseqüências. Zilda perdeu parte da orelha. Iris, a sua mãe, teve o útero e outras partes do corpo dilacerados pela técnica rudimentar. O pai de Zilda assistiu ao parto. Assustado com os gritos da esposa, elevou a voz a Kanat, mas foi logo repreendido ao ser apontado por uma Beretta – pistola italiana comumente utilizada pelos alemães. De acordo com relatos, o suposto médico carregava a arma na cintura, mesmo durante as operações.

“Por causa da minha orelha sofri muitas humilhações durante a infância. Era o chamado bulling de hoje”, explica Zilda. Segundo ela, a possível reparação é também pela mãe, que passou quase quatro anos se recuperando pelos danos causados no parto. “Acredito que tenho este direito e vou lutar por ele”, diz. Na última semana, ela contratou uma advogada que já deu início aos procedimentos legais da ação.



Nas últimas décadas muito se falou sobre o tal Kanat em Mamborê. No entanto, até agora, ninguém havia constatado a sua verdadeira passagem pela cidade. Muita gente o conheceu, mas fotos não existem. A reportagem da TRIBUNA teve acesso exclusivo sobre os primeiros relatos de óbitos da cidade. No livro número um do Cartório de Registro Civil de Mamborê, mais precisamente na folha número 48, consta uma morte assinada pelo médico Josef Kanat. Trata-se de uma jovem de apenas 19 anos de idade, Sieglind Erica Pierburg, morta por hemorragia. Pode ser um dos poucos, se não for o único, registro oficial de Kanat na cidade.

Zilda conta que a jovem em questão era a namorada de Kanat, vinda do estado de São Paulo, também sem quase nada falar português. Ela teria sido forçada a submeter-se a um aborto. O médico teria a matado em plena mesa de cirurgia. O corpo foi sepultado no cemitério de Mamborê, numa cova rasa e sem identificação. Os restos mortais da jovem não estão mais no local, desapareceram. Para verificar se Kanat era mesmo médico, a TRIBUNA fez uma pesquisa junto ao Conselho Regional de Medicina do Paraná. De acordo com informações, o primeiro registro de um médico pelo órgão no estado aconteceu em 1958. Portanto, dois anos depois que ele apareceu em Mamborê. Mesmo assim, se não fosse o suposto nazista, porque seu nome não apareceria mais tarde na relação de médicos radicados no estado? Trata-se de mais um mistério que intriga a população de Mamborê até hoje.

Para evidenciar as mãos criminosas de Kanat pela cidade não faltam vítimas. Aos 92 anos de idade, Antônio Lino guarda no corpo as marcas de uma operação traumática. Sem nenhuma espécie de anestesia, ele se deitou na cama para que o alemão retirasse o apêndice. Foi com uma faca comum. “Ainda lembro das dores. Assim que terminou mandou que fosse embora, andando”, afirma o aposentado. Seo Antônio mora hoje na Casa Lar, um abrigo para senhores e senhoras sem família da cidade. Ele não se mostra nem um pouco contente em relembrar do rosto do suposto nazista, o qual deixou um buraco em sua barriga.


Zilda ainda se emociona em lembrar os pesadelos pelos quais sua mãe, Íris, passou. Foram horas de angústia durante o parto. “Ela sempre falou sobre aquele dia, nunca conseguiu superar”, disse. Íris era também a companheira inseparável de Zilda. As duas moravam juntas. Mas a mãe morreu em 2009 vítima de um câncer. Desde então, a filha vive sozinha em uma casa na área central de Mamborê. A saudade é tanta que ela até já fez o próprio túmulo, ao lado dos seus pais. “Está tudo pronto. Quando chegar minha vez, estarei ao lado dos meus queridos pais. Espero que demore um pouco”, brinca ela.

Quem foi Mengele?

Josef Mengele foi um médico alemão que atuou também durante o regime nazista. O apelido de Mengele era Beppo, mas ele era conhecido como Todesengel, "O Anjo da Morte", no campo de concentração. Mengele foi oficial médico chefe da principal enfermaria do campo de Birkenau, que era parte do complexo Auschwitz-Birkenau. No fim da Segunda Guerra, Josef Mengele fugiu da Alemanha passando por alguns países, até encontrar acolhida na Argentina, onde permaneceu algum tempo. No Brasil, pouco se fala de sua passagem pelo Paraná. De acordo com relatos, ele teria morado no interior de São Paulo. Em suas experiências com seres humanos em Auschwitz, injetou tinta azul em olhos de crianças, uniu as veias de gêmeos, deixou pessoas em tanques de água gelada para testar suas resistências, amputou membros de prisioneiros e coletou milhares de órgãos em seu laboratório

2 comentários:

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  2. Bom, a historia realmente eh muito interessante, cheio coincidencias e historias tristes e veridicas. Mas a impressao que passa eh que as pessoas querem que seja o Mengele e gostam de manter essa historia, ate mesmo por ser uma cidade pequena e assim gostam de manter este suspense e essa historia viva. Bem, nao sou historiador e sim quimico. Contudo, fui ate o google e pesquisei a assinatura de Joseph Mengele e aqui encontrei a assinatura de Kanat. Ai em principio podemos desconfiar de algo, mas mesmo como leigo em assinaturas, posso concluir que nao sao a mesma pessoa.
    Mas admiro e gosto da historia...
    Grande Abraco,
    Mauricio de Carvalho

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