terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O universo paralelo de Nilton


Nilton e a mala 007


Dilmércio Daleffe

Rodovia Br-369, quilômetro 375. Ontem, às 16 horas, sob um céu nebuloso e ensolarado, um andarilho das estradas decidiu falar. Calado nos últimos 26 anos, ele não tinha ninguém mais com quem conversar. Aos 57 anos de idade, Nilton Cornélio Bernardes vive num universo só dele. Trata-se de um mundo paralelo onde tudo gira ao seu redor. Em resumo, é o dono e rei do seu próprio pedaço. Foi encontrado carregando uma pasta preta do tipo 007. Cansado, sentou sob a sombra de um barranco e tirou os sapatos. Os dois furados. Os pés estavam machucados. De manhã até à tarde, ele havia andado mais de 70 quilômetros. Definitivamente, Nilton é um cara sofrido.

Ali entre o gramado da BR e o barranco, Nilton sentou-se sobre o cimento da canaleta e falou da vida. Nasceu em São Jorge do Ivaí e depois de algum tempo casou-se com uma mulher que prefere nem mencionar o nome. Da união nasceram quatro filhos. Um deles já morreu. Outras três meninas, segundo ele, estão casadas. Todas bem. Mas quando lembra da ex-companheira, fica irritado, nervoso. Começou a gritar.

Pés moídos depois da caminhada

Nilton sentou-se novamente e, numa calma de dar inveja, relatou que trabalhava na construção civil. “Pedreiro igual eu ta pra nascer”, disse. Mas atualmente, vem se dedicando à cura das pessoas. Diz que consegue livrar o mal de qualquer um. Seja a doença que existir ele alcança a cura. Para isso basta encontrar as ervas necessárias em meio ao mato. “Não precisamos de dinheiro para salvar os doentes. A natureza está aí pra isso”, revela. A reportagem bem que tentou fazer com que abrisse a maleta 007 para mostrar os “medicamentos”, mas ele desconversou e não a abriu.

Nilton é um cara do bem. Fala muito em Deus e cultiva seus próprios espíritos. Afinal, são eles quem o acompanham em sua jornada. Além da maleta preta, carrega consigo outra bolsa com pertences pessoais. Mas o que o preocupa são os sapatos. Velhos e cansados da intensa caminhada, estão furados. Para agüentar ainda mais os quilômetros a seguir, os forrou com um papelão. O chulé é atormentador.

No seu universo paralelo, Nilton acredita ser dono de uma fazenda de mais de seis mil hectares no Mato Grosso. Lá ele cria gado. A propriedade está sendo administrada por um genro. Também diz ser engenheiro. Acreditava que o nome da presidente do Brasil fosse “França”. Ela teria tido, inclusive, uma conversa com ele, em particular é claro. Teria pedido conselhos para administrar o país. Coisas de Nilton.

Na verdade, Nilton é apenas mais um invisível. Um ser humano sem documentos e que jamais será visto pela sociedade. É mais cômodo não ver os problemas marginais. Não vota, não precisa de dinheiro e não vive na correria dos dias de hoje. Está longe do consumo. Isso tudo é bom, por um lado. Mas por outro, é terrível. Dorme ao relento, necessita de ajuda para comer e até para beber. Está sozinho no mundo. Vive na insegurança. O mundinho o qual ele é dono, tem seus prós e também seus contras. Mas foi ele quem o escolheu e assim morrerá sendo rei.

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