Ele queria ser apenas um veterinário. Adorava animais e queria ver a recuperação da mãe, Marli, viciada em álcool. Menino de 12 anos, Luiz viu coisas demais para uma criança. Aturou as barbaridades de sua genitora, sendo forçado a roubar e assistir o sexo da mãe com outros parceiros. Parou num orfanato. Adotado pela própria irmã, acabou morto depois de ter o corpo queimado no incêndio de sua casa. Luiz nasceu para sofrer. Era um anjo, só não tinha as asas.
Dilmércio Daleffe
Rua Porto Alegre, Vila Rio Grande, Campo Mourão. Uma rua tranqüila, sem movimento de carros. Aos fundos, uma mata. Tanto de dia, como de noite, uma calma absurda. Ali, entre os números 415 e 401, existia uma casinha de madeira azul. Desbotada pelo tempo, ela abrigava dois irmãos, Viviane, de 24 anos, e Luiz, de 12. O imóvel era pequeno, apenas quatro peças. Mas o suficiente para duas pessoas que se amavam. Juntos, os dois passaram pelos mesmos dramas e tragédias. Mal conheceram o pai e, ao mesmo tempo, viram a mãe perder-se no álcool. As conseqüências logo surgiram. Acabaram em orfanatos, cada um, a seu tempo. Fora do abrigo, Viviane conseguiu emprego e conquistou a adoção do irmão. Com muito esforço, montou a casinha. Mas na noite do dia 23 de novembro, todos os sonhos da guerreira Viviane foram destruídos. Um incêndio queimou a casa. Ela e o irmão dormiam e não viram o fogo. Vizinhos adentraram ao imóvel e salvaram a moça. O pequeno Luiz também saiu vivo, mas acabou morrendo diante das queimaduras. Segundo testemunhas, teve 90% do corpo queimado.
Luiz Fernando dos Santos era um anjo, só não tinha as asas. Talvez por este motivo tenha retornado ao paraíso antes do tempo. Ele morreu como um inocente. Uma vítima da fatalidade, de um provável curto circuito, de um acaso do destino. Dormia quando o fogo o pegou de surpresa. Teve quase todo o corpinho franzino queimado. Uma vizinha, desesperada na tentativa em ajudá-lo, viu a camiseta colada ao corpo. A arrancou. Junto veio toda a sua pele. Luiz foi levado à uma casa até a chegada do socorro. Vizinhos colocaram um ventilador para amenizar seu sofrimento. Mas ele não parava de andar. Gritava e chorava. Dizia que precisava de ajuda. Ia morrer. Não queria ficar sozinho e estava com medo. Horas mais tarde, morreu.
O menino sempre teve uma vida difícil. Nasceu de um ventre dependente de álcool e morreu sofrendo de queimaduras. As gentilezas da vida, definitivamente, jamais lhes foram apresentadas. Parece até que o menino nasceu para sofrer. Cresceu vendo a mãe beber. Ela era alcoólatra. Segundo relatos de Viviane, a mãe, Marli, bebia até três litros de cachaça por dia. As conseqüências de seus atos foram extremamente desastrosas ao filho Luiz. Ainda criança, ele era obrigado a assistir as relações sexuais da própria mãe. Também teria sido abusado sexualmente. Enquanto ficava na rua com Marli, era obrigado a roubar.
O alcoolismo da mãe fez com que ela perdesse a guarda da filha mais velha, Viviane, que foi entregue a um lar em Campo Mourão ainda aos dois anos de idade. A filha do meio, Fabiane, ficou com a avó. Já Luiz ficou com a genitora até os sete anos em Cascavel. Passou maus bocados vendo as barbaridades da mãe. Sem aceitar ajuda de outros familiares, a mãe passava noites e noites na rua. Luiz ia junto. Não tinha onde ficar. Um dia ela também perdeu o menino. A justiça determinou que fosse a um orfanato. Veio então para Campo Mourão. Distante da mãe e das irmãs, Luiz jamais conheceu o pai. Ele estava sozinho.
Fora do abrigo e já sob as asas da irmã, Luiz passou a ter um sentimento que, até então ouvia dizer que era a tal felicidade. Tinha finalmente um lar. Brincava, sorria e era bastante descontraído. Mesmo tendo uma infância destruída pela doença da mãe, gostava de desenhar e não era tímido. Passou a estudar a tarde no Colégio Estadual. Queria ser veterinário. Adorava animais. Tinha dois cãezinhos na casa. Morreu sem saber da morte de seus dois companheirinhos, esfacelados pelo fogo. Pelas manhãs freqüentava o centro de integração. À noite aguardava a irmã chegar do trabalho. Ela atuava como agente da dengue na prefeitura de Campo Mourão. Mais recentemente, passou a tomar um forte medicamento controlado. Foi encostada do trabalho. Evangélicos, os dois dormiam cedo. Possivelmente, devido ao remédio, Viviane não conseguiu acordar com o incêndio.
Ela e o irmão foram retirados da casa com a ajuda heróica de dois vizinhos. Um deles é Dione Peterlene, um jovem de apenas 24 anos que voltava de uma partida de futebol à noite. Vizinho de Viviane, ele chegou e avistou as chamas no interior da casa. Sabendo que os irmãos dormiam cedo, não pensou duas vezes e arrombou a porta. Retirou os dois, mas não a tempo de evitar as queimaduras de Luiz.
Apesar do drama da mãe, Luiz e Viviane adoravam Marli. Eles a viram pela última vez em 2010, quando a trouxeram até Campo Mourão. Ambos tinham o desejo em ajudá-la. Mas ela não parava de beber. Durante os 30 dias em que ela permaneceu com os dois, deixou os três litros de álcool para tomar apenas uma única dose diária. “Eu dava R$0,50 todo dia pra que ela comprasse uma dose. Foi um avanço. Achamos que ia melhorar. Mas ela preferiu ir embora”, lembra Viviane. A moça agora está sendo ajudada por membros da Igreja Batista, mais especificamente, pela família do reverendo Dickerson. De acordo com ela, o passo agora é recomeçar sua vida. Para isso necessita ter uma nova casa.
Na última semana, a mãe foi informada sobre a morte do filho. Ela queria estar por perto, mas a doença do álcool a debilitou completamente. Aos 43 anos de idade, está em uma cama sem conseguir andar. Tem cirrose. A tragédia de Luiz, de Viviane, e de Fabiane, é somente uma conseqüência da “condenação” de sua mãe. Luiz morreu cedo, como um inocente, sem pecados. Apontar culpados agora não o trarão de volta.
Para ajudar Viviane basta ligar para o número 3523-7384, com Arlete.
Dilmércio... Parabéns pelo blog! Excelente trabalho fotográfico (como tinha de ser, né?) e ótima qualidade do texto! Interessante e crítico, aliás, já virei seguidor! Eu também escrevo minhas idéias num blog maluco... convido-o a dar uma olhada. http://www.anacronismocronico.blogspot.com/
ResponderExcluirAté!