segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A infância perdida de Lucinéia

Antes mesmo de saber o que era errado, foi submetida aos pecados carnais. Vendida pela própria avó, ainda aos nove anos de idade, era obrigada a deitar-se com pedófilos. Aos treze anos teve o primeiro filho. Aos 17 já tinha três. Hoje, com 35 anos, teve nove. Na fúria de seu destino, viu o filho afundar-se no crack. Pegou hanseníase, viu demônios, mas acabou sendo salva por Deus. Lucinéia Aparecida da Conceição está viva e seguindo o caminho do bem.


Dilmércio Daleffe

Lucinéia jamais teve infância. Entregue a avó ainda recém nascida, vivenciou o inferno antes mesmo da morte. Obrigada a prostituir-se aos nove anos de idade, era submetida a programas sexuais com clientes pedófilos. Era vendida o dia todo pela própria família. A mulher que a herdou da filha era sombria, queria apenas dinheiro. Traiu o amor da neta pela sacanagem, orgia e depravação. A menina deixou as bonequinhas de lado para “brincar” com homens, todos doentes, que até então jamais havia visto. Os demônios que assombravam a avó eram fortes, o suficiente para fazer com que a menina dormisse e acordasse bêbada. Era mantida alcoolizada durante grande parte da infância. Até parece estória de novela, mas o fato aconteceu há 26 anos, na periferia de Campo Mourão. Lucinéia hoje possui 35 anos. Teve nove filhos, mantém seqüelas de uma hanseníase e, depois de superar toda uma vida de sofrimentos, descobriu que Deus existe.

O vento, o ar puro, as brincadeiras, a infância pararam aos nove anos. Foi aí que Lucinéia Aparecida da Conceição aprendeu jogos de adultos. Foi arremessada à cova dos leões pela própria avó, um ser já morto e enterrado. Encontrou-se com os próprios demônios. Era obrigada a deitar-se embriagada na companhia de pedófilos. Todos sujos, sem compaixão, despidos de caráter e sedentos pelo sexo infantil. Aos 13 anos já podia ser considerada como uma experiente mulher da vida. Aos 17 já era mãe de três. A jornada hostil ensinou a ter nojo de tudo. Não gostava do ser humano. Desprezava a todos. As pessoas não lhe faziam bem.


Conseguiu sair da prostituição e nunca mais ousou beber. Teve três maridos. “Nenhum valia nada”, disse ela. Dos nove filhos, quatro morreram. Mantém três em sua casa. Outros dois estão com a ex-sogra. Lucinéia é definitivamente uma mulher sofrida, uma vítima das circunstâncias patéticas do subdesenvolvimento social brasileiro. Nunca conheceu o pai. A mãe só conheceu depois dos nove anos. Mantém um convívio pacífico ainda hoje. Aprendeu a perdoar os erros. Nem a avó quer o mal. Veio de uma família bastante pobre. São sete irmãos. Mesmo em meio à decadência moral de sua infância, conseguiu ir até a sexta-série. Sabe ler e escrever. E já está bom para quem apenas borda para ganhar um dinheirinho. Casada pela quarta vez, diz ter encontrado um bom companheiro. Ele está no mercado informal. Não tem renda fixa. Mas juntos conseguem sustentar os três filhos. É somente mais um exemplo de tantas outras famílias do Brasil.


Há 15 anos, Lucinéia começou a ter dores na perna. Foi a um médico que diagnosticou uma trombose. Feridas começaram e, com elas, um mau cheiro insuportável. Numa outra consulta, veio a descoberta: era hanseníase, a terrível doença antigamente chamada de lepra. A cura foi alcançada, mas não a tempo de evitar seqüelas. Hoje, ela mantém alguns dedos atrofiados. As pernas mostram as cicatrizes de antigas feridas. Lucinéia tomou remédio e começou a curar-se. No entanto, segundo ela, a cura mesmo aconteceu somente quando descobriu a presença de Deus em sua vida. “Foi ele quem me salvou”, garante.

Se a vida já era cheia de surpresas e angústias, o destino prepararia mais uma desgraça. O filho mais velho afundou-se no crack. O pouco existente na casa modesta começou a desaparecer. Panelas com alimentos eram levadas para a compra da droga. O menino roubou até os sapatos da mãe, a ponto da mesma ir a igreja descalça para pedir ajuda. “Não tinha mais nada que pudesse fazer para salvar meu filho”, disse. Sem saber a quem mais recorrer, descobriu a casa de um pastor no Lar Paraná. Durante dois meses o garoto permaneceu no local. Ele queria ajuda e conseguiu. Passados quase oito meses, o menino deixou a droga e está trabalhando com carteira registrada. “Não tem nada impossível para Deus”, disse. Atualmente, Lucinéia anda em paz consigo mesma e agradece o pastor Adão por toda ajuda recebida.


Mas os verdadeiros problemas da cidade continuam pelas suas esquinas. Lucinéias continuam prostituídas, drogas se espalhando entre crianças, pedófilos persuadindo menores. O mal não acaba.

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