Ele estava praticamente morto, sem saída. Alcoólatra, morando na rua e viciado em crack, não conseguia ver o futuro. Sentado numa cadeira num boteco de Campo Mourão, seu pensamento estava longe. Mas quando acordou, percebeu uma mão estendida. Era o seu salvador. Deixou o próprio inferno e seguiu rumo a sua felicidade. Ele está salvo e voltou à vida.
Dilmércio Daleffe
Nos últimos dez anos, ele esqueceu-se de viver. Trocou a mulher e o filho pelo álcool e, rumou asfalto afora como andarilho. Deixou a barba crescer, roubou e viveu no mais alto grau da decadência humana ao comer restos em sacos de lixo. Foi humilhado, tratado como animal até parar na cadeia. Ficou seis meses pagando pela fúria da malandragem. Em liberdade, descobriu que o álcool era mais forte que ele. Foi apresentado ao crack e enterrou-se de vez em seu próprio inferno. Sentado em uma cadeira num boteco de Campo Mourão, ele não tinha a mais ninguém para pedir socorro. Estava no fundo do poço. Mas chegou um homem e o salvou.
Seu apelido é “Gordo”. Não quis ter o nome revelado. Aos 36 anos de idade, já passou de tudo um pouco. Sua trajetória pode ser resumida em três etapas, a começar em 2001. Ou seja, teve três vidas. A primeira quando ainda estava casado em Boa Esperança. Da união teve um filhinho, hoje com 14 anos. Tinha uma rotina comum. Era operador de máquinas agrícolas. Trabalhava, tomava umas com os amigos e voltava para casa. Mas a freqüência nos bares começou a aumentar. As brigas com a mulher, também. Um dia, foi obrigado a sair do lar. Tentou voltar, mas a companheira já havia se cansado. Esta era a vida antes de 2001.
A partir daí, “Gordo” ficou desnorteado, sem rumo. Como já vinha bebendo, acreditou que o caminho seria sair da cidade. Buscar novas oportunidades. E assim o fez. Pegou a estrada a pé e deixou a vida o levar, de bar em bar. Percorreu todo o estado durante dez anos. Virou andarilho, daqueles que não se preocupam em ter onde dormir, com o que comer, mas, apenas com o que beber. Sempre foi trabalhador. Nas cidades por onde passava, fazia bicos, como roçar uma data. A grana servia apenas para comprar uma cachaça. Era o seu combustível. Dormia em praças, sob as marquises de lojas e prédios públicos. Tomava banho em rios, postos de gasolina. A comida ganhava. Quando não, comia restos no lixo. Ele era um verdadeiro invisível, uma pessoa jamais vista pela sociedade. Definitivamente, um “Zé Ninguém”. Se tivesse morrido, estaria na cova rasa dos indigentes. Ninguém se importaria. Esta foi a sua segunda vida.
O.S. são as iniciais de seu nome. Mesmo com um passado de sofrimento bastante recente, prefere pensar apenas no futuro. Ele é natural de uma pequena cidade do Rio Grande do Sul chamada Victor Graeff. Uma colonização alemã, uma cidade bem organizada. Foi criado mais ao Norte, em Passo Fundo. Nas fazendas daquela região, andava ao lado do pai e da mãe. Eram funcionários de grandes agricultores. Teve uma infância rica em aprendizados, todos corretos, sinceros e o mais importante, inocentes. Não conhecia o lado desprezível do ser humano. Aos 17 anos, mudou-se para Mamborê, no Paraná, com a família e a irmã. Os pais continuaram na agricultura. Aos 21 conheceu uma moça de Boa Esperança e foi com ela que se casou.
Sua terceira vida começou a pouco tempo, mais precisamente em agosto deste ano. Alcoólatra e viciado em crack, ele não tinha ninguém a ajudá-lo. Sentado em um boteco de Campo Mourão, pensava na porcaria de sua vida quando um homem estendeu a mão. Ele aceitou na hora. Adão Adriano é um pastor com um abrigo no Lar Paraná destinado a pessoas que necessitam de ajuda. Na verdade, trata-se de um salva vidas. “Gordo” seguiu o pastor e ficou abrigado em sua casa por 40 dias. Foi o suficiente para que repensasse seu destino. Parou com a bebida. Pegou nojo pela droga e toda a malandragem aprendida nas ruas, passou a desprezar. Tornou-se um cara do bem, um homem digno. Em sua terceira vida, ele possui apenas três meses. Acabou de nascer. Os anjos disseram amém.
O.S. já estava desistindo da vida. Antes de salvar-se já havia buscado ajuda em 12 clínicas de recuperação no Paraná – Maringá, Cascavel, Marechal Cândido Rondon, Campo Mourão, Ubiratã e até Curitiba. O jeito largado a que submeteu-se afetava até seus pais. “Nunca vou me esquecer quando meu pai disse que eu não era mais seu filho”, lembrou. Não era sempre, mas quando dava, “Gordo” visitava os pais em Mamborê. O casal pedia, implorava que tomasse um rumo na vida, mas não havia jeito.
Nas ruas, aprendeu ser malandro. Mentia, corrompia as pessoas. Numa única tarde, levantou R$200 apenas pedindo dinheiro. Inventou uma mentira qualquer. Todos acreditaram. A grana foi gasta em álcool. Outra vez chegou ao limite da perversidade e adentrou uma residência para roubar. Acabou preso e pagou seis meses de cadeia. De tanto aprontar, o mal passou a persegui-lo. Estava tomando uma sozinho em Janiópolis, há alguns anos, quando dois elementos armados o colocaram no porta malas de um Gol. Levaram a um matagal. Lá disseram que iriam matá-lo. Pedindo a Deus que não o fizessem, acabou conseguindo fugir. Sua sacanagem era tanta que lembrava da casa de Deus apenas para pedir dinheiro aos padres e pastores. Não importava a religião. Todos ajudavam. Ele saía rindo. Mais uma mentira.
Mas hoje tudo é passado. E ele não gosta de relembrar o que viveu. Prefere crer no futuro. Agora está novamente casado. É servente de pedreiro e leva uma vida correta. Passou a conviver com o filho do primeiro casamento e adotou Deus como seu guia. Também quer ajudar pessoas com problemas como os que teve. Definitivamente, “Gordo” nasceu mais uma vez. Possui apenas três meses de vida, mas parece ter vindo com força total. Deixou o inferno criado por ele mesmo por uma escolha espiritual leve, longe dos demônios. O.S. é somente mais um exemplo de que nem tudo está perdido, de que o mundo ainda não acabou. Ele é a prova de que o homem pode mudar, transformar-se para o mal ou para o bem. Mas descobriu que o bem acaba prevalecendo.
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