terça-feira, 8 de novembro de 2011

Reis, o herói sem dinheiro

Ele só queria vender seus picolés em paz. Mas dois gatunos atravessaram seu caminho e se deram mal. Um foi preso e outro perdeu a bicicleta. Antônio Luis dos Reis virou herói, mas voltou pra casa sem grana.


Dilmércio Daleffe

Ele não é banqueiro, nem empresário e muito menos fazendeiro. Ao contrário dos abonados, anda sempre duro, com os bolsos vazios. Vez em quando tem as calças repletas de moedas, reflexo dos trocados que a profissão exige. Aos 60 anos de idade, Antônio Luis dos Reis é apenas um sorveteiro. Um mero trabalhador do mercado informal já assaltado duas vezes. Recebe de R$20 a R$30 por dia carregando o carrinho de sorvetes pelas ruas de Campo Mourão. Mas, no último sábado, deixou de ser um vendedor de picolés como tantos outros da cidade. Ele fez algo inusitado. Ao ser roubado por dois meliantes, agarrou um deles e entrou em luta corporal. Perdeu o dinheiro, mas ficou com a bicicleta de um dos gaiatos.

Reis pode ser considerado como uma espécie de herói. Afinal, tirou de circulação um ladrão capaz de roubar até mesmo idosos. Mesmo com 35 anos a mais que o gatuno, não teve medo e partiu sobre ele. O sorveteiro conta que vendia picolés no bairro Maria Barleta. Era um final de sábado comum a tantos outros, quando dois jovens morenos, com idade média de 25 anos, o pararam pedindo dois sorvetes. Compraram e pagaram. Reis continuou seu destino e, alguns metros depois, foi novamente interpelado por um deles, só que agora, de bicicleta. “O rapaz pediu mais um picolé. Quando fui dar o troco, ele arrancou todo o dinheiro da minha mão”, explicou. Sem medo, partiu pra cima do ladrão segurando-o pela camiseta. Os dois foram ao chão e a luta teve início. Numa manobra corporal, o meliante tirou a camiseta e conseguiu escapar. Levou toda a grana, cerca de R$20. O dinheiro era quase nada, mas certamente o lucro de um dia inteiro do sorveteiro. Somente aquele dia Reis havia andado quase 15 quilômetros.


Esta é a segunda vez que Reis é assaltado em Campo Mourão. Segundo ele, a situação não anda nada boa pelas ruas da cidade. Ainda em 2010, vendia algodão doce quando outro elemento passou a mão na sua grana. Mesmo assim, diz que não irá mudar. Continuará pobre, mas honesto. “Não gosto de ladrão. Na minha família não temos ladrões”, diz. Reis mora com a irmã, Merita, num ranchinho de favela na Vila São Francisco de Assis. Na verdade é um casebre mais precário que habitualmente se vê por aí. Sem forro, apertado e com a fiação à vista, é um local quase inóspito. Mas a situação vai melhorar. Os dois juntaram a grana do sorvete e do algodão doce – ela também vende – e estão fazendo outra casa maior. Mesmo sem janelas e portas, Reis está dormindo no imóvel. É que ele mal cabe no casebre da irmã. E se entrar um ladrão à noite, ele estará preparado. “Como já disse, não gosto de ladrão. Se um deles entrar aqui, tem enxada e pá”, brinca.

Reis vem de uma família de 14 irmãos – 10 homens e quatro mulheres – todos nascidos e criados em Minas Gerais. Os pais vieram ao Paraná ainda na década de 60 em busca de dinheiro e novas oportunidades. “Diziam que aqui juntavam dinheiro com rodo”, diz Merita, olhando ironicamente para o casebre. O pai vendeu a propriedade da família em Minas e comprou outra na região de Campo Mourão, em Quinta do Sol. Com o tempo, cada um dos filhos foi criando o próprio destino e, aos poucos, desaparecendo. Dos 14 irmãos, restam apenas seis. Oito já morreram. De todos eles, apenas Reis é quem teve um pouco de estudo. Fez até a quinta série, o suficiente para ler e escrever. Nem Merita foi alfabetizada.

Casou por três vezes e se separou outras duas. A última mulher morreu há quatro anos, quando morava em Cascavel. Nunca teve filhos. É estéril. Ao longo dos anos, Reis trabalhou de tudo um pouco. Atuou como cobrador em diversas empresas de ônibus do estado. Foi lubrificador, lavador de automóveis e saqueiro. A vida, definitivamente, não foi nada gentil a ele. Sempre muito trabalho e pouca rentabilidade. Mas agora, aos 60 anos, ele diz estar cansado. Há dois anos vem trabalhando como sorveteiro pelas ruas da cidade. É uma jornada difícil, com muita caminhada e no máximo R$30 ao dia. Profissão digna, mas dura pra quem tem mais de 50. O herói agora precisa de ajuda. Além de doente – toma diariamente um medicamento para evitar convulsões – necessita de materiais de construção para concluir a casinha com Merita. A casa já está em pé, com telhado e tudo. Também já tem parte do piso. Mas irá precisar de outras coisas. Além disso, necessita de ajuda para aposentar-se. A colaboração pode ser feita a partir do contato com Merita (9855-9737).


Após lutar com um dos bandidos e o mesmo ter fugido com a grana – cerca de R$20 - o outro elemento dirigiu-se até o sorveteiro na tentativa de resgatar a bicicleta. Reis encarou o segundo meliante e não permitiu que a pegasse. “Disse a ele que se quisesse pegar, um de nós iria morrer. Ele então ficou com medo”, afirmou. Minutos depois a polícia chegou e levou o comparsa. Um ladrão a menos nas ruas. Um herói a mais na cidade. Cansado e ainda abalado psicologicamente, ele foi até a delegacia e prestou queixa da situação. Num gesto de solidariedade, também teve ajuda de um terceiro, que o levou até a sorveteria que trabalhava. No entanto, disse ter voltado para casa sem a grana do dia. “Trabalhei e andei aquele dia todo, mas não levei quase nada. Perdi o dinheiro pra um ladrão”, disse.

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