segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Natalino será um palhaço para sempre

Aos 69 anos de idade, Natalino Moreira leva uma vida tranqüila dentro do Lar dos Velhinhos de Campo Mourão. Como o palhaço “Biro-Biro”, ele levou alegria a milhares de pessoas durante vários anos. Mas, mesmo com toda a felicidade do mundo, acabou esquecendo de pensar nele próprio. Seguiu no caminho do álcool e acabou abandonado pela família.


Dilmércio Daleffe

Natalino Moreira é uma das pessoas mais felizes do mundo. Durante muito tempo atuou como palhaço de circo. Era o palhaço “Biro-Biro”. Sua missão consistia em semear alegria entre as crianças. Fazia rir, brincava com todos e quase sempre tirava gargalhadas da platéia. Mantinha uma vida diferente. Aflorava e desafiava os sentimentos humanos. Hoje, asilado no Lar dos Velhinhos de Campo Mourão, ele encontra nos pequenos detalhes motivos de sobra para continuar sorrindo. Ele é espetacular. Sorridente todo o dia, faz piada de tudo e, ainda, se diverte com a rotina da instituição. Sem ele, o local não seria tão alegre. Nos últimos dias tem dito que está meio amarelo. Está comendo ovo demais. No entanto, apesar das gargalhadas, Natalino esconde uma história triste, de alcoolismo e abandono. Foi recolhido das ruas de São Paulo depois de se entregar ao álcool. Um irmão o salvou. A alegria do palhaço não morreu.

Aos 69 anos de idade, Natalino Moreira é um senhor que “sofre” de alegria. Em três anos de asilo, nunca ninguém o viu triste pelos cantos. “Estou aqui há um tempão e nunca recebi meu salário. Vou botar o Lar no pau”, brinca ele. Em quase toda a entrevista as piadas foram inevitáveis. Difícil até saber quando falava a verdade. Natalino nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Cândido Mota, no ano de 42. Veio ao mundo exatamente no dia 25 de dezembro – Natal - por isso o nome. Conta que os pais eram da roça. Mais tarde foram morar na cidade. O pai, Benedito, transformou-se em bilheteiro da loteria federal. Já a mãe, Catharina, era apenas dona de casa.

Ainda na sua infância, viu a família montar uma companhia de circo – o Circo Teatral Compadre Moreira. Passaram juntos a percorrer o país com as apresentações. Numa das paradas, em Uraí – Norte do Paraná -, Natalino foi comer um pastel num barzinho de um português e acabou apaixonando-se pela filha dele. O nome era Maria. Natalino roubou a mocinha e, juntos, fugiram para Londrina. Com o tempo os dois casaram e tiveram duas filhas. Trabalharam na companhia e, anos depois, cansados da atividade, foram morar em São Paulo. Lá, Natalino trabalhou como pintor. Também foi zelador de um edifício chamado Iracema. Possui muitas lembranças daquele tempo.

Mas parte de suas memórias não estão mais vivas. Foi uma etapa triste de sua caminhada. Uma época em que, segundo seu sobrinho, Antônio Carlos Arantes, prefere esquecer, fazer de conta que nunca aconteceu. Natalino bebia muito e se entregou ao álcool. Se distanciou da mulher e das duas filhas. Acabou na rua, como um andarilho. Nas avenidas da capital paulista, ele era apenas mais um “doente”. Não tomava banho e vivia sob as marquises e praças da cidade. Sempre em busca de um gole a mais, uma outra dose.

Um dos sete irmãos, que morava em Campo Mourão, decidiu ir atrás de Natalino. Não queria que o irmão acabasse na rua. Descobriu seu paradeiro e o trouxe para cá. Sem poder deixá-lo em casa, buscou ajuda do Lar dos Velhinhos Frederico Ozanan. Desde 16 de julho de 2008, Natalino foi aceito na instituição. Está lá até hoje. Distante do álcool transformou-se em uma verdadeira personalidade local. É a alegria em pessoa. Motivo de satisfação aos outros internos. Afinal, quem não deseja ficar ao lado dele?

Embora a alegria transborde frequentemente, Natalino jamais recebeu a visita das filhas ou da esposa. Ele parece fantasiar sua vida. Diz que está de férias. Mas insiste em dizer que tem paixão em semear a alegria entre as pessoas. Também tem aversão a banhos. A turma do Lar é que sofre. “Eu não gosto de tomar banho porque economizo água pra fazer o feijão”, brinca mais uma vez. Além da alegria, um velho crachá do metrô de São Paulo também insiste em acompanhá-lo, nunca saiu de seu pescoço. Mas enquanto se diverte com tudo, mantém esquecido um lado negro capaz de inibir sua felicidade. Tomara que continue assim. O palhaço não morreu.

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