segunda-feira, 25 de julho de 2011
Um motivo a mais para viver
Dilmércio Daleffe
Aos 74 anos de idade, Sebastião Fernandes de Morais pode se considerar um vitorioso. Nascido em 37, ele venceu todos os prognósticos de expectativas de vida já levantadas no Brasil. Em 1950 o índice era de 48 anos. Em 2006, passou para 74. Hoje, ele faz parte de uma parcela da população – acima dos 60 anos - estimada em 20 milhões. Como o país está amadurecendo, a mesma camada dobrará em 2030, atingindo a casa dos 40 milhões de pessoas, segundo dados fornecidos pela 11ª Regional de Saúde. No entanto isso não quer dizer que a turma mais antiga parou de morrer, não. Significa que a população brasileira está mais responsável. Enquanto os mais jovens brecaram a “indústria” de bebês, os mais velhos passaram a se cuidar melhor. Não é errado dizer que os nossos anciões têm mais prazer em viver hoje, do que há 60 anos.
Sebastião chegou a Luiziana ainda em 49, quando o local se chamava Gleba Muquilão. Tinha apenas 12 anos quando começou a ajudar o pai na roça. Eram tempos muito difíceis e tudo se resumia a mato. Pra chegar até lá tiveram que abrir clareiras. Senão o Jipe não ia. Sem estradas, hospitais, mercados e nada mais, a diminuta população sempre dava um jeito em se estabelecer. “Não tínhamos acesso a saúde, quem diria então a remédios. Talvez seja por isso que o povo morria mais cedo”, acredita ele. Em meio a um lugar distante de tudo, o “jeitinho” brasileiro já se fazia presente. Então, quando alguém adoecia, lá vinham as cascas de árvores e folhas santas. Era chá pra tudo quanto era doença. E funcionava. Exemplo disso é que ele está vivo e com muita saúde.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que Luiziana contava em 2010 com 917 idosos. Certamente é muito maior que na década de 70 – não existem dados cadastrados pelo IBGE porque não se tratava de um município na época. Mas em Campo Mourão, em 70 eram 2,3 mil idosos. Atualmente, são mais de 11 mil. Irmão de Sebastião, Jorge Fernandes de Morais anda todo faceiro no topo dos seus 83 anos de vida. Ele veio de Siqueira Campos, Norte pioneiro do Paraná, também na década de 40, quando se estabeleceu definitivamente em Campo Mourão. A exemplo do irmão, Jorge também abriu caminho entre o mato para chegar até a região. Enquanto via a cidade crescer, também sentia a necessidade em tratamentos de saúde. “Não tinha quase nada para se tratar. Além disso as pessoas sofriam mais. Tudo era difícil”, lembra. Em 1991, os idosos representavam 6,8 da população brasileira. Em 2006, o índice subiu para 9,5%.
Sebastião e Jorge vieram de uma família composta por dez irmãos, sendo três já mortos. Juntos eles apanharam bastante para chegar aos dias de hoje. Lembram que gás naquele tempo não existia. Comida mesmo era à base da lenha, no bom e velho fogão. Energia elétrica, jamais. A luz dentro dos casebres era na base do querosene e das antigas lamparinas. Compras no mercado era obra de ficção científica. E remédios, como já mencionado, se resumiam aos chás caseiros. Sebastião lembra da vez em que um irmão apareceu em casa com uma picada de cobra no calcanhar. Doía muito e inventaram de chamar um benzedor da região que, segundo eles, deu jeito. É, o irmão continua vivo.
Os irmãos lembram que muitos amigos e conhecidos de tempos atrás morreram sem saber as causas. Faleciam ainda jovens sem nenhuma doença aparente. “Não tinha como a gente saber do que eles morriam. Não existiam médicos por perto”, disse Sebastião. Além disso, a população não se cuidava. A alimentação era a mais simples possível, embora sem a presença, ainda, de agrotóxicos. A água também era pura, direto da mina, sem nenhuma contaminação. Mesmo assim, a expectativa de vida do brasileiro, pelo menos na década de 50, se resumia aos 48 anos de idade. Uma afronta as leis da vida, reflexo de um país ainda atordoado pela pobreza.
Fábrica de bebês
Jorge é o mais velho dos irmãos e teve seis filhos. Sebastião possui apenas quatro. “Minha mulher teve um problema, não podendo ter mais filhos. Não fosse isso teríamos meia dúzia, facilmente”, brinca. Juntos, eles são o reflexo de um passado não muito distante, quando a população tinha seis filhos, em média. Dados indicam que em 1970, a taxa de fecundidade era exatamente de seis filhos por casal. Já em 2005, o índice despencou para apenas 1,82. Acredita-se que atualmente o número está ainda menor. Só para se ter idéia do que isso representa: em Luiziana, em 1985, nasceram 1513 crianças. Em 2010, o número desmoronou para apenas 128, segundo dados da 11ª Regional de Saúde. Só pra não esquecer, cada um dos quatro filhos de Sebastião possui dois filhos.
Nos dias atuais, cada um dos irmãos leva a vida do seu jeito, embora bem mais tranqüila que antigamente, afinal o gás apareceu, a luz clareou, a cura para inúmeras doenças surgiram e o supermercado, finalmente, é uma realidade. Sebastião está aposentado, parou de trabalhar na lavoura já há algum tempo e continua residindo em Luiziana. Adora cultivar a horta nos fundos da casa. Aprendeu a se gostar mais depois de um probleminha de saúde. Há três anos vem fazendo caminhadas ao lado da esposa, Elízia. Juntos, eles andam uma hora por dia. Jorge largou o cigarro há mais de 30 anos, perdeu peso e também passou a andar. Teve um pequeno problema no coração, mas se recupera muito bem. A família costuma dizer que ele é uma pessoa “zen”, daquelas as quais não esquentam a cabeça com nada. Também aposentado, passa o dia em casa, sempre em busca de algo para fazer, desde que não mexa na louça suja da esposa, a sempre perfeccionista Dona Clarinda. A eterna companheira. Segundo ela, ele não lava bem. Já Sebastião, ai dele se não ajudar Dona Elízia nas tarefas de casa. Ontem teve que lavar a calçada e a louça. Coisas de casal.
Tribuna do Interior - 24/07/11
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