sexta-feira, 8 de julho de 2011

Vocação para herói


Dilmércio Daleffe

Quantos meninos sonham ainda em ser bombeiros quando crescerem? Quantos jovens brasileiros se espelham na figura honesta de um bombeiro? Talvez seja no simples desejo em seguir a carreira, o mais puro reflexo da dignidade destes policiais. Afinal, a atividade não deixa ninguém rico. Não se tornam pop stars, não ganham fama de bonitões. Trabalham vocacionados unicamente com o propósito de servir, de serem prestativos, de salvar, ajudar e quem sabe um dia, se transformarem em heróis da vida real. Se até algum tempo imaginava-se profissionais apenas de combate ao fogo, hoje são muito mais que isso. São patrulheiros da vida, de motocicletas moídas nas esquinas da cidade, da imprudência constante nas ruas, da violência desenfreada na porta dos bares. Eles são os anjos da guarda da população. Hoje é o dia nacional do Bombeiro. Celebrem.


Há 30 anos como bombeiro em Campo Mourão, o Sargento Nivaldo Rodrigues, 50, dedicou a vida a corporação. Já viu de tudo na profissão e ainda se orgulha de, mesmo podendo se aposentar, continuar a servir. De fala fácil, veio de Londrina ainda na década de 80 para “montar” o quartel mourãoense. Chegou solteiro. Trabalhava na Vila Urupês, no antigo almoxarifado da prefeitura. Á noite dormia no hotel Santa Maria. Mas de grão em grão, viu a guarnição crescer. Hoje são 28 membros instalados na cidade. Faltam mais 20, mas é o que têm. Paciência. Nivaldo é o mais antigo bombeiro de Campo Mourão e já atuou em todas as frentes possíveis. O quartel está bem montado. A tarefa está cumprida.


Em sua jornada presenciou momentos felizes e tristes. Mas um deles, por coincidência do destino, afetou sua vida. No dia 27 de dezembro de 2007, ás 16 horas, um chamado de socorro foi atendido pelos bombeiros. Um acidente na área central da cidade entre uma moto e um caminhão. Naquele dia, Nivaldo era o chefe do socorro. Ele enviou uma ambulância com três homens ao local da batida. Minutos depois, ele recebe uma ligação de um de seus filhos. “Pai, você já está sabendo do acidente do Danilo com um caminhão”? Danilo era o outro filho, condutor da moto acidentada. Foi ali, naquele instante que o chão sumiu. Todo um filme passou pela cabeça. O medo o tomou. Ao chegar ao local, notou que a situação era grave. A ambulância não estava mais ali. “Se não fosse tão grave, meus companheiros ainda estariam fazendo os primeiros socorros. Mas eles não estavam mais”, disse. Seguiu até o hospital a tempo de ver os companheiros de trabalho retirarem o filho do veículo. Era mesmo grave. Dias depois, Danilo, um menino de apenas 19 anos de idade, morreu. Vida de bombeiro não é fácil. Os dramas da vida também ocorrem com eles. Afinal, são de carne e osso. Sorriem e choram.

Nivaldo lembra de pequenas ocorrências que lhe renderam boas recordações. Há quase 20 anos foi acionado até o Jardim Copacabana, aos fundos de uma residência, onde um cão havia caído em um profundo poço. Nada demais para os outros. Só quem tem um animal em casa para saber a importância no salvamento do seu bicho. E lá foi ele buraco abaixo. Com a ajuda de cordas chegou ao fundo e encontrou o animal bastante cansado, lutando pela vida. Existia água e ele resistiu. Nivaldo subiu com o cachorro nos braços e, logo que tomou liberdade, começou a correr e latir. “Parecia que ele estava me agradecendo. Para a família, foi um grande alívio”, lembra o bombeiro.


O grande Cezar

O “grande” Cezar Galvão de Lima, 41, e apenas 1,62 metro de altura, está há 16 anos atuando como bombeiro em Campo Mourão. Na verdade, ele entrou sem poder. Uma regra não mais existente nos dias de hoje, impedia o ingresso de soldados com menos de 1,65 metro de altura. Acontece que ele passou no concurso, fez todas as provas e exames, mas ninguém, ninguém mesmo, chegou a medir sua altura. “Algum tempo depois, somente com um outro caso como o meu, é que fiquei sabendo desta regra. Mas já era tarde demais. Eu já era bombeiro”, disse. O rapaz reprovado pela altura chegou a perguntar para Cezar quem era o seu advogado.

Diplomado em administração de empresas, ele jamais exerceu a profissão. Escolheu ser bombeiro. A prática é melhor que a burocracia. Na verdade nem ele sabe ao certo porque optou pela atividade. Possivelmente seja pela vocação, escondida na sua consciência. Já experiente, Cezar também ressalva o espírito de equipe dos bombeiros, diferente dos meandros militares. “Aqui todos são iguais numa ocorrência. Na hora, trabalhamos como uma família, sem subordinação. Prezamos unicamente a vida”, disse.

Casado e com dois filhos, Cezar se lembra de um trágico acidente próximo a Mamborê, quando morreram 18 pessoas. Era um caminhão carregado com feijão que bateu contra um ônibus de passageiros. Tinha restos de gente espalhados pela rodovia. Uma cena surreal, mas que também faz parte do cotidiano dos bombeiros. Na profissão nem todas as ocorrências tem final feliz. Porém ele lembra de uma boa história. Há alguns anos, uma jovem obesa – ela pesava cerca de 120 quilos – caiu num poço da cidade de Mamborê. Ao chegar no local, desceram as cordas e com elas, Cezar. Ao encontrá-la, fez os primeiros socorros com a ajuda de um morador local, que o ajudou no resgate. Como os três não podiam ser resgatados ao mesmo tempo, foi um de cada vez. “A vítima foi içada primeiro. Em seguida o civil pediu para sair. Ele estava com medo de ficar por último”, lembra. O bombeiro se orgulha do trabalho. Muitas vezes as pessoas procuram a unidade para agradecer os guerreiros. “Isso é muito gratificante”, diz. Ah, já ia esquecendo: a “gordinha” teve final feliz.


O chefe da turma

Quem administra a luta diária dos bravos bombeiros é o Capitão Leandro Calegari, 15 anos de profissão. Trata-se de um “menino” de 34 anos. O cara é muito novo, mesmo. Medindo as palavras, as usa com cautela, embora saiba o que diga. Veio de Cianorte há quase seis anos. Hoje, se orgulha do quartel e diz que a sua turma está preparada para encarar qualquer desafio, mesmo incêndios em altos edifícios da cidade. Calegari frisa que os soldados fazem hoje um trabalho bastante preventivo, o que vem dificultando o início de incêndios.

Além de combater o fogo, tirar “gatinhos” de árvores e apanhar cobras em terrenos baldios, a figura do bombeiro vai muito além disso. Salvar vidas é o grande desafio. A maioria das ocorrências hoje, está ligada a acidentes no trânsito. Para isso, incansáveis treinamentos ocorrem regularmente para que os membros da equipe consigam prolongar a saúde dos acidentados até o hospital. Não bastasse todo o trabalho, a guarnição de Campo Mourão ainda é responsável por outros 24 municípios da região. “Para estar aqui a pessoa tem que ser vocacionada, ser bastante prestativa, gostar de ajudar”, diz o Capitão. Para entrar nos quadros da profissão basta passar em concursos abertos pelo governo. O salário inicial, no Paraná, gira em torno de R$2,1 mil. Isso hoje. Até meados da década de 90, não passava de dois salários mínimos.

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