quinta-feira, 14 de julho de 2011

A desilusão bate a porta de um professor



Dilmércio Daleffe

A vida do professor José Carlos Paraguaio nunca foi fácil. Pobre, negro e com os pais analfabetos, teve que trabalhar desde os nove anos de idade em uma garapeira, nas ruas de Peabiru. Também foi sorveteiro e, já aos 16, depois da morte do pai, se transformou em servente de pedreiro para colaborar com as despesas da casa. Ainda na construção civil foi promovido a pedreiro, função desempenhada até meados dos anos 90. Hoje, aos 54 anos de idade, ele se afastou dos tijolos para construir uma sólida carreira nos bancos da educação. Depois da faculdade, fez pós graduação, mestrado e doutorado. Paraguaio agora é doutor em Ciências da Educação. No entanto, vive um drama: a Fecilcam não quer reconhecê-lo.

Paraguaio, apesar do nome é um brasileiro legítimo. Os pais, já falecidos, vieram de Minas Gerais e se fixaram em Peabiru. Lá viveram da lavoura e, mais tarde, pararam na cidade. Pode até parecer contraditório, mas toda a paixão educacional exalada pelo professor foi movida pelos próprios pais, analfabetos. “Sempre meu pai me orientou a estudar. Mesmo sem saber ler e nem escrever, era uma pessoa extremamente refinada. Tinha bons modos na mesa e conversava de igual para igual com colegas mais esclarecidos”, lembra Paraguaio.

O professor jamais foi rico. Nem pretensões para isso ele teve. Mas como todo bom brasileiro sempre almejou uma vida com qualidade a sua família, nada mais que isso. E foi com a educação, acreditando na dignidade de sua profissão, que buscou incrementar rendimentos maiores. Ou seja, terminando o mestrado e o doutorado, os professores ganham mais. Mas não é isso que vem acontecendo com ele.


Percurso

Durante toda a sua vida, Paraguaio jamais parou os estudos. Ele trabalhava e estudava ao mesmo tempo. Já aos 27 anos, lecionava em escolas rurais de Peabiru. Foi também nesta época, em 83, que iniciou o curso de Pedagogia na Fecilcam. Formou-se em 86. Depois disso fez mais um ano de habilitação para o magistério em uma faculdade de Mandaguari. Concluiu a pós-graduação em Filosofia também na Fecilcam. Em 90 começou a lecionar na faculdade, mas só em 91 foi efetivado após prestar concurso. Terminou o mestrado em 2004 em Ciências da Educação no Paraguai. Foi lá também, em 2007, na Universidad Politécnica y Artística del Paraguai – Assunción (UPAP) que concluiu o seu doutorado. E foi aí que o problema todo começou.

O transtorno

Depois de ter finalizado o mestrado, em 2004, Paraguaio voltou a Campo Mourão. Somente em 2005, após o Congresso Nacional aprovar uma lei reconhecendo o acordo de Admissão de Títulos e Graus Universitários no Mercosul (Argentina, Paraguai, Brasil e Uruguai), o professor protocolou seu título de mestrado na Fecilcam. Antes disso, seu título conquistado no Paraguai não tinha valor no Brasil. No entanto, segundo ele, o diretor da instituição, Antônio Carlos Aleixo, não se posicionava a respeito. Bastava aprovar ou reprovar.

A demora pelo reconhecimento, que também geraria maiores rendimentos ao professor, acabou o abalando psicologicamente. Visivelmente abatido, os alunos o questionaram. Foi então que eles decidiram se manifestar a direção da Fecilcam, pedindo uma posição sobre o assunto. O título de Mestre foi negado. Paraguaio então entrou com mandato de segurança contra a faculdade, que foi obrigada – em janeiro de 2006 - a reconhecer o mestrado e, consequentemente, a pagar retroativamente o professor.
A luta não parou aí. Um ano depois, Paraguaio finalizou o seu doutorado, também no Paraguai e fez o mesmo trâmite. Mais uma vez protocolou a progressão de Doutor na Fecilcam. Novamente, foi negado. Ele entrou na justiça mais uma vez e acabou ganhando a causa. Acontece que a direção da faculdade recorreu e os vencimentos como Mestre e Doutor foram cancelados em março de 2009. “Tive o reconhecimento de Doutor por apenas cinco meses. Até hoje, aguardo a decisão da justiça”, comenta.


Vivendo de sonhos frustrados

“Pensando em um rendimento mensal melhor, fizemos dívidas. Hoje, até os estudos de meus três filhos estão comprometidos”, afirma José Carlos Paraguaio. Ele conta que desde o reconhecimento de seu mestrado passou a oferecer melhores condições de vida a sua família, principalmente, aos filhos. Um deles continua a fazer inglês, não parou, mas as mensalidades deixaram de serem pagas por falta de condições. O mais velho só continua a faculdade de engenharia de produção na Fecilcam porque o curso é gratuito. “Fomos privados de muita coisa e quem está sendo sacrificado são meus filhos”, diz.

O que mais deixa Paraguaio indignado é olhar para trás e lembrar de todo o sofrimento que teve para concluir os títulos no Paraguai. Ele lembra que, mesmo sem condições, viajava duas vezes ao mês até Salto Del Guairá para estudar. Saía com o velho Chevette até Goioerê e, de lá, ia de carona com outros professores até o país vizinho. “Para pagar a defesa da tese um colega me deu o dinheiro, porque eu não tinha. Até mesmo os custos da viagem de Goioerê para o Paraguai meus amigos não cobraram. Foi muito difícil aceitar aquela situação”, disse. O processo continua em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

“Não serei coadjuvante de um equívoco”

“Como sou ordenador de despesas, se eu cometer um ato irregular, ou concordar com um, tenho que responder administrativa e judicialmente”, afirmou Antônio Carlos Aleixo, Diretor da Fecilcam. De acordo com ele, tanto a faculdade como a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) determinam que para reconhecer título adquirido no exterior há necessidade de convalidação numa instituição nacional. Aleixo explica que existe um acordo entre os países do mercosul e que, se não for bem interpretado, faz crer que o reconhecimento é automático.

Segundo Aleixo, trata-se de um acordo de 2005, cujo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva o reconheceu através de um decreto. “Vários professores do Brasil, da nossa região, Cascavel, Mato Grosso, estão interpretando o acordo do jeito deles. Não desejo entrar no mérito da qualidade dos cursos. Legalmente, nossa assessoria jurídica, à época, orientou para não reconhecer. Não reconheci”, afirmou.

Ele também explicou que o professor estava recebendo como doutor, mas a Procuradoria Geral do Estado, em Campo Mourão, passou a fazer a defesa do Estado e o Tribunal de Justiça cassou o título, uma vez que existem inúmeros pareceres para o não-reconhecimento. “O professor tem atribuído a mim a responsabilidade. Mas ele sabia que esses cursos não eram seguros”, lembrou Aleixo. Ele disse que já se colocou à disposição do professor para inseri-lo em um curso de mestrado no Brasil. “Paraguaio se negou”, disse. Aleixo finaliza dizendo que o acordo foi mal interpretado. “Não serei coadjuvante de um equívoco”, disse.

Um comentário:

  1. Olá!

    Fui aluno do professor Paraguaio e o tenho em grande consideração. É lamentável que ele esteja sofrendo tal desgaste.

    Um abraço

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