sexta-feira, 1 de julho de 2011

Tristes histórias de um albergue


Dilmércio Daleffe

Com a chegada do frio intenso, aumenta a procura no albergue José do Patrocínio, em Campo Mourão. São cerca de 20 a 30 pessoas abrigadas diariamente. Elas carregam consigo histórias tristes, de abandono, alcoolismo, incompreensão pela vida. São seres humanos isolados, quase sempre sem compaixão pelos familiares. Em muitos casos, os albergados escondem a verdade deles mesmos. Têm medo de aflorar seus medos e dividir o alto peso da cruz que carregam. Chegam a ser invisíveis aos olhos do mundo.

Laércio de Oliveira é um senhor de 54 anos de idade. Não é velho, mas os estragos que vem proporcionando a si próprio, através do álcool, envelheceram seu rosto. Ele foi encontrado dormindo na rua, ao relento em plena noite fria, apenas com uma coberta fina. Mesmo tendo o amparo de familiares, segundo informa o pessoal do abrigo, ele prefere se diagnosticar como “sozinho”. Já foi cobrador de empresas, morou em Curitiba por 15 anos e, ao voltar a Campo Mourão, ganhou a vida vendendo frutas e hortaliças de casa em casa, em uma bicicleta cargueira.


Hoje, confessa que não agüenta mais beber. “Parece que eu não gosto mais de mim”, afirma. Deitado numa cama limpa, com cobertores aos montes e comida quente três vezes ao dia, ele está salvo do frio. Mas isso não basta. Laércio está muito doente. Com uma imensa ferida no pé, ele mal consegue se levantar. Ontem, o pessoal do abrigo é quem lhe deu banho. “Parece que o pé dele já está podre. Não sou médico, mas pelo que vi, é caso de amputação”, diz Jeferson Aparecido Alves, um voluntário que vem trabalhando para o albergue. Foi ele quem fez a limpeza da ferida.

Seo Laércio só poderá permanecer no albergue por mais um dia, assim é a norma. Depois disso nem ele sabe para onde irá. Ele parece estar numa espécie de alucinação, pois não tem noção do que fazer. “Não sei o que fazer. Não tenho escolha nenhuma. Talvez a melhor saída seria ser internado no asilo. Não sei mais cuidar de mim”, disse. De acordo com Moacir Moreira do Amaral, monitor do albergue, o pessoal da prefeitura ficou de pegar o albergado, ontem, para levá-lo até o hospital.

A manutenção do abrigo é feita por várias entidades da cidade, entre elas os Rotarys, o Lions, Igreja Católica e Igrejas Evangélicas. Além delas, o município participa com recursos de quase R$2 mil ao mês, informa José Américo dos Santos, presidente do albergue. Todos os valores são usados para as refeições, limpeza, lavanderia, água e luz. Não fosse o carinho dos dois únicos monitores do abrigo, Moacir e Jeferson, o local não seria tão cuidado como está.


O mistério de Waldomiro

“Fui muito bem recebido aqui. Tinha comida e cama quentinha o tempo todo. Nem vi o frio de ontem”, afirma Waldomiro Ferreira. Aos 82 anos de idade, ele conta uma história digna dos roteiros de cinema. Morador de Coxim, no Mato Grosso do Sul, diz que conheceu um sujeito na porta de sua casa se dizendo ser de Campo Mourão. Pedindo ajuda, o cara mostrou uma recente cirurgia, do peito até a virilha. Com pena, seo Waldomiro o colocou para dentro da residência. Lá permaneceu por seis meses. O sujeito dizia precisar ficar em Coxim até que a operação cicatrizasse bem. “Como ele não tinha dinheiro nem onde ficar, o deixei comigo. Sou humano e acreditei nele”, disse.

Waldomiro mora sozinho desde 1995, depois que a mulher e os quatro filhos morreram num acidente de carro. Após abrigar o sujeito, o suposto mourãoense decidiu voltar ao Paraná e, com ele, trazer o aposentado. De ônibus, ao chegar em Goioerê, Waldomiro acordou. Na poltrona vizinha não havia mais o, até então, amigo. Ele havia ido embora, fugido. Desapareceu ainda com a carteira e todos os documentos do matogrossense.

O coletivo seguiu até Campo Mourão. Sem saber o que fazer, Waldomiro foi levado até o albergue José do Patrocínio, onde contou toda a história. Após 18 dias na cidade, ontem ele recebeu o dinheiro de sua aposentadoria, comprou a passagem e foi embora. Pernambucano de Exu, ele deixou o estado ainda no colo dos pais, para ser criado em meio aos seringais do Acre. Por isso gosta de contar histórias. Antes de ir, deixou um mistério: segundo o aposentado, no dia 28 de julho voltará a Campo Mourão para trazer uma surpresa. Ninguém sabe do que se trata. Mais do que isso, ele não quis dizer o que significam as três letras impressas em sua jaqueta J.J.S. “Esta é a assinatura que levo por toda a minha vida. Em julho vocês saberão o que elas querem dizer”, disse.

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