Maristela: túmulo pronto aguarda restos mortais da filha
Dilmércio Daleffe
Depois de chorarem diante da brutalidade do assassinato das jovens Iara Pacheco de Oliveira e Dimitria Laura Vieira, as famílias agora adoecem pelo constrangimento e humilhação em não poder enterrá-las. Descobertas numa fossa aos fundos do Colégio Estadual Vinicius de Moraes, em Campo Mourão, no último ano, as duas ossadas já foram enviadas à perícia, em Curitiba. Mesmo assim, os familiares não entendem o porquê de tanta demora. Maristela Pacheco, mãe de Iara, já até construiu o túmulo da filha. No entanto, a lentidão dos exames só aumenta sua angústia. “Não agüento mais tanto tempo. Sinto que estou morrendo. Quero apenas sepultá-la e acabar com este sofrimento”, afirma. No próximo mês, a descoberta da polícia completa um ano.
O drama vivido por dona Maristela teve início em janeiro de 2010, quando a filha saiu de casa com míseros R$50 para comprar pão. Ela nunca mais voltou. Depois disso, descobriu que restos mortais da melhor amiga da filha, Dimitria, que também estava desaparecida, haviam sido encontrados no colégio onde estudava. Dias depois veio a confirmação: outra ossada, desta vez, com pertences de Iara, também foi achada. A partir daí o mundo de Maristela partiu-se ao meio. A mulher que sempre lutou pelo bem estar da família, desmoronou.
Maristela tem hoje 52 anos. Ainda é nova, mas o fato a envelheceu décadas. Trata-se de uma mulher que a vida não poupou das dificuldades. Enfrentou diversos obstáculos culminando agora com o drama em não conseguir sepultar a filha. Nascida em Roncador, em 59, perdeu a mãe no próprio parto. O pai ela jamais conheceu. Foi criada pela parteira, que também morreu anos depois de seu nascimento. Trabalhou como bóia fria para sustentar a família e não teve tempo de estudar. Até hoje, é analfabeta. Casou-se, mas o marido, na época taxista, foi assassinado em Cascavel. Mais recentemente, perdeu parte da visão, reflexo do diabetes. Descobriu quase ao mesmo tempo o início de hanseníase e um câncer de pele. Definitivamente, a vida não foi gentil para dona Maristela.
Mas parece que o sofrimento ainda não acabou. Morando em uma casinha pequena, sem luxo, no antigo projeto mutirão, orgulha-se das paredes sem tinta. “Tá meio feia, mas foi construída com muito esforço. Aquela calçada ali ó, fui eu mesma quem construí”, mostra ela. Maristela agora vive com a neta de 16 anos. A garota veio para afastar sua depressão. “Já pus a corda em meu pescoço, mas desisti. Estou morrendo aos poucos. Quero viver a tempo de enterrar minha filha junto ao pai dela”, disse. Juntas, as duas passam o mês com R$550, o suficiente para apenas sobreviverem.
Dona Maristela disse que, se a renda tivesse dois zeros a mais, a perícia de Curitiba já havia saído há muito tempo. No mínimo respeitado o prazo dado pelo Instituto Médico Legal (IML), de Campo Mourão. “Eles disseram que eu ia poder enterrar a Iara com 60, no máximo 90 dias. Já faz quase um ano”, lembrou. Devido ao prognóstico, ela se adiantou, emprestou dinheiro do banco e construiu o túmulo da filha. Esta semana ela se encorajou e visitou o local. Nem no Dia de Finados foi ao cemitério. Mesmo sem o corpo da filha, ela se ajoelhou, acendeu duas pequenas velas, orou e chorou.
Dimitria
Marieta Ferreira mostra no rosto as marcas do sofrimento. Aos 58 anos de idade, ela também aguarda a conclusão dos exames da criminalística de Curitiba para enterrar a neta, Dimitria. Ela tinha apenas 16 anos quando desapareceu, ainda em 2008. Além da tragédia da perda, agora o drama da demora. “Não tenho nem palavras. Não está sendo fácil. Precisamos somente fazer o sepultamento para que ela descanse em paz”, afirma.
O caso da aposentada é um pouco pior. Se ela ainda vive a angústia da perda da neta através das mãos sujas de “Ivan”, encontra noutro neto de quase três aninhos, a alegria em viver. Pasmem, o netinho é filho do mesmo “Ivan”, fruto de um relacionamento com a filha de Marieta. Ou seja, ao mesmo tempo em que o suposto assassino tirou uma neta, lhe deu outro. Trata-se de uma tragédia do destino não mencionada nem mesmo nos melhores roteiros de cinema. “Me agarro em Deus todos os dias para que me de forças. A situação é difícil”, diz.
Marieta tem muitas semelhanças com Maristela, a começar com o nome, ambos se parecem. Ela também perdeu o marido há quase oito anos. Há 16 anos, uma de suas filhas, mãe de Dimitria também morreu. Ambas levam uma vida simples, com muitas dificuldades, são aposentadas e, juntas, lutam para conseguir realizar o enterro das meninas que “Ivan” levou. Elas são as órfãs de um assassino impiedoso. Um matador tão frio que queimou um dos corpos e jogou as cinzas na horta em que crianças da escola se alimentavam. Mas até quando vão ter que esperar?
De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, a demora para saber se os ossos são mesmo das duas garotas se deve a deterioração do material. Os restos mortais teriam sido, primeiramente, queimados, depois submersos em uma fossa. Aliado a tudo isso ainda soma-se o fator umidade. Diante do quadro, séries de baterias já foram realizadas, mas nada que obtivesse êxito. Nenhuma previsão foi dada sobre o caso.
Entenda o caso
Em agosto de 2010, duas ossadas foram descobertas numa fossa aos fundos do Colégio Estadual Vinicius de Moraes. Há indícios de que as vítimas foram esquartejadas antes de serem jogadas na fossa. As suspeitas recaíram sobre o zelador da unidade, Raimundo Gregório da Silva, 52 anos, mais conhecido como “Ivan”. Já na polícia, ele confessou os dois crimes. Quando Dimitria desapareceu, ela teria avisado a avó que iria viajar a Arapongas em companhia de Silva, a quem se dizia amiga. Procurado pela avó, Silva explicou que a garota havia fugido com o namorado para São Paulo (SP).
Tempos depois, a avó, familiares e amigos da estudante receberam mensagens de celular, supostamente enviadas por Dimitria. Informada dos recados, a polícia deu o caso por encerrado. Após analisar o inquérito, a polícia civil percebeu alguns pontos que não casavam e resolveu investigar novamente o zelador. Chamado para depor, Silva afirmou que considerava a estudante como uma filha e que constantemente a presenteava com roupas e calçados. Silva disse ao delegado que também recebia mensagens de Dimitria. No entanto, horas após o zelador ser liberado da delegacia, o pai de Dimitria recebeu uma mensagem de celular, supostamente enviada pela filha, avisando que ela estava na Itália e pedindo para que a queixa contra o zelador fosse retirada.
Avisada do fato, a polícia orientou o pai a retornar a mensagem, pedindo para que Dimitria respondesse três perguntas que só ela conhecia as respostas. A mensagem foi respondida, mas sem as respostas solicitadas. Só então os policiais perceberam que a resposta havia partido de um telefone situado no código de área 44. A Justiça expediu ordem de busca e apreensão na casa do zelador. Durante as buscas, a polícia encontrou o celular usado para enviar as mensagens e fotos de adolescentes nuas. Silva desapareceu, mas foi preso em Sarandi. Depois de encontrar roupas e documentos de Dimitria escondidos dentro do forro do colégio, a Polícia Civil acabou localizando uma fossa desativada ao lado da casa ocupada por Silva. Depois de retirar a terra e quebrar a tampa, que estava concretada, a polícia encontrou restos de duas ossadas.
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