segunda-feira, 30 de maio de 2011

Medo e violência na Rua da Paz



Dilmércio Daleffe
A noite cai mais uma vez e os moradores da Rua da Paz, no conjunto Mendes, começam a rezar. São moradores humildes, sem luxo. Trabalhadores com uma rotina normal. Acordam cedo, diariamente, na luta pelo bem estar de suas famílias. É somente isso, não pedem nada mais. O nome da rua é bem sugestivo, tranqüilo, gostoso de pronunciar. No entanto, somente no último ano, a via bem que poderia ter sido chamada de “Rua da Guerra”. Foram dois assassinatos ali, num trecho de pouco mais de 300 metros, não mais que 50 casinhas populares. Hoje, o nome “Paz” está ameaçado e o orgulho dos seus residentes em dizer que ali moram, ficou para trás. Foi enterrado junto às perfurações dos dois cadáveres. Com medo, nenhum dos entrevistados a seguir quis ser identificado. Trata-se de uma questão lógica de sobrevivência, pura e simples.

O fardo pesado e ainda sujo de sangue dos crimes comove a rua. As dezenas de crianças que ali brincavam todos os dias, já convivem, de certa maneira, com o clima angustiante dos fatos. Elas são inocentes, pouco sabem das coisas, mas refletem a vida local. Na verdade representam a esperança em dias melhores, numa doutrina ainda irreal, ou melhor, surreal, de paz propriamente dita.

Hoje, 11 de abril, completa um ano da morte do jovem Gilberto Alexandre Santana. Ele morreu aos 29 anos de idade vítima da violência de uma arma furiosa, sedenta por sangue. Ela era carregada por um homem ainda desconhecido, mas com raiva, ira e vingança. O rapaz ainda chegou com vida ao hospital no dia 7 de março, mas sua luta não foi capaz de superar a morte, vindo a falecer 34 dias depois. Ele recebeu os disparos em outra rua, mas por ironia do destino, foi ali em que veio a cair. Desmoronou como uma fruta podre do pé, ao lado do portão de uma dona de casa. Com o sangue brotando e os olhos pedindo clemência pela vida, ele recebeu ajuda dos moradores. Mas não adiantou.




Ainda hoje, a dona de casa não consegue esquecer a cena. Assustada, ela não permite mais as brincadeiras dos quatro filhos na rua. “Aqui está longe de ser a Rua da Paz”, diz. O pavor da realidade é tanto que nem mesmo as palavras saíam para descrever a própria rua. Aposentada, outra mulher explicou que a via, neste ano, está mais calma. “Até o ano passado era a rua mais violenta do bairro. Agora está melhor”, disse. Ela não esconde o receio em falar, mas confessa que o local é outro depois das prisões de algumas pessoas. Violência à parte, a aposentada resume a rua em bons trabalhadores, humildes, mas hospitaleiros. Dias desses os moradores se reuniram para arrecadar alimentos a um senhor de idade com trombose. Cada um deu o que podia e, assim, o ajudaram. “A política da boa vizinhança prevalece. Os arruaceiros não são da rua”, garante.

Quando a noite cai, os pavores de uma outra mulher aparecem. Ela mora exatamente entre o local das duas mortes registradas em 2010. Não bastassem os dois homicídios, ela ainda quase foi vítima de bala perdida. “Dois homens entraram no tiro. Quando vi, uma bala passou fazendo barulho perto de mim”, lembrou. Ela também não dorme depois que o filho de 18 anos sai à noite para ver os amigos. No entanto, mesmo assim, diz que a rua está tendo seus dias de “paz”. “Em 2010 a rua era apavorante. Dava medo. Mas agora, a situação está melhor”. De acordo com ela, a vida vem voltando ao normal depois da morte e das prisões de alguns indivíduos. Mas só isso não basta. Brigas motivadas pelo álcool são freqüentes. Os gritos também assustam. Somente cães vadios, sem donos, continuam a se esfregar uns aos outros durante a noite.

No dia 30 de novembro de 2010, o adolescente Marcelo da Conceição, de apenas 17 anos de idade, foi executado com três tiros em plena luz do dia, também na Rua da Paz. O crime chocou os moradores que ainda se perguntam porque. Além dele, outros cinco homens também foram cruelmente executados na mesma rua. Os crimes aconteceram antes de 2010. Somados, os sete homicídios contrastam a tranqüilidade da via, durante o dia, e o medo dos moradores à noite. Definitivamente, a vida mudou na Rua da Paz.

Diarista três vezes por semana, outra mulher disse que não permite a brincadeira dos dois filhos, de 4 e 12 anos, na rua. Ela disse que até hoje estão assustados com os fatos do passado. Atualmente, a rua continua sendo palco de perigo. Motoristas insistem em beber nos bares ali próximos e sair com seus carros e motos em disparada. Perigo ao volante. Embriaguês constante. Vítimas da imprudência não tão distantes. Além disso, continuam as brigas, algazarras e discussões. “Todos os dias penso em me mudar. Quando não estou em casa me preocupo demais com meus filhos”, diz. Mesmo o menino de 12 anos já sabe o que se passa na rua. As crianças conversam entre si. E se não se falam, vêem as coisas na internet. A infância também foi globalizada.




Trabalhadora, uma mulher disse que um dos filhos pequenos viu a cena, quando uma das vítimas caiu baleada na rua. O ferido chegou a pedir ajuda ao menino. Depois disso, a criança passou por um estado de pânico, chegando a ficar 15 dias na casa de um parente. “Ele não queria voltar para casa, uma vez que o homem caiu aqui em frente e até conversou com ele”, disse a mãe. Ela garante que todos os residentes ali, têm medo. Quem disser que não, está mentindo.

O drama dos moradores da Rua da Paz ainda persiste. Embora alguns digam que o local está mais tranqüilo, é possível identificar medo em seus olhos. Talvez porque os elementos presos, narrados por eles, voltem ao local em breve. Talvez porque tenham o frustrante pressentimento de que outro cadáver esteja a caminho. Ou talvez, pelo simples fato da esperança no verdadeiro sentimento da paz, não mais existir.

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