segunda-feira, 30 de maio de 2011

Coincidências de um provável crime



Dilmércio Daleffe
Josmar Serápio Ferreira, um jovem de 40 anos de idade, residente em Pinhão, no Paraná, vem travando uma batalha pessoal desde 2007, quando teve seu caminhão Mercedes Benz, placas GXA-8341, roubado na estrada entre Campo Mourão e Pitanga. É uma história longa e surpreendente. Na verdade pode tratar-se de um rol fantástico de coincidências ou simplesmente de uma trama bem montada envolvendo uma quadrilha especializada em roubo de cargas e caminhões. As ações podem ter a colaboração de membros corruptos da polícia e até da política. Uma combinação perfeita para o crime organizado no país. Mas como tudo que começa um dia acaba, o esquema está próximo de ser elucidado. Nos próximos dias, somente após a realização de uma nova perícia no veículo apreendido, a polícia civil de Guarapuava deve ter a chave para indiciar várias pessoas suspeitas por integrar o suposto grupo.

Desde o sumiço do seu caminhão Josmar não parou por nem um segundo. Ele estranhou as duas versões dadas pelo motorista do veículo, no dia do roubo. Para o escrivão de polícia de Pitanga, o condutor disse que homens dentro de um Gol prata deram voz de assalto com o carro ainda em movimento, obrigando-o a parar. Para ele, o motorista disse que os homens, numa cena de filme americano, encostaram o Gol atrás do caminhão – também com o carro em movimento -, andaram sobre o capu até alcançar a traseira do Mercedes. As diferenças nas versões levantaram suspeitas. Paulo, o condutor no dia do crime, é um dos suspeitos da trama. No boletim de ocorrências (BO), ele informou que foi amarrado a uma árvore, ficando preso até o dia seguinte, quando o mesmo Gol voltou para apanhar um dos bandidos. Como ele sabia que se tratava do mesmo carro, uma vez que ficou isolado no mato, ninguém sabe.

Desconfiado, Josmar decidiu investigar por conta própria. Tudo o que levantava, repassava à polícia de Guarapuava. Grande parte das informações conseguidas por ele está colaborando para o êxito da equipe do compenetrado delegado adjunto Alysson Henrique de Souza, de Guarapuava. Um cara bravo, mas pelo que se vê, competente. Esta semana, ele conversou com a equipe da TRIBUNA e, num tom de cautela, disse que somente após uma nova perícia no caminhão é que os fatos devem ser comprovados definitivamente.

A luta de Josmar é intensa porque já, há três anos, o caminhão que diz ser dono, está no pátio da 14ª Sub Divisão Policial de Guarapuava, parado, deteriorando. Ele não é rico, mantinha o caminhão para ganhar dinheiro transportando farelo de soja entre Campo Mourão e Guarapuava. Era o único utilitário que tinha. Conseguiu comprá-lo num leilão. Depois disso passou quase dois anos reformando-o. Ele acredita que sua busca terminou. Mas na verdade, a burocracia institucional do país não é bem assim. Vamos explicar. O veículo, diante todos os fatos levantados até o momento, pode ser o dele. Mas acontece que o cavalo está com outra placa, outra numeração de chassi. Ou seja, apesar de muitos detalhes físicos da cabine pertencer ao seu caminhão, um outro utilitário roubado pode ter sido “esquentado” sobre a estrutura. É meio difícil de entender, afinal, o crime organizado dificulta as coisas até para a compreensão dos honestos. A placa do verdadeiro caminhão de Josmar é GXA-8341. Agora, o veículo leva as placas MAO-1233, de Moreira Sales (PR).

As placas atuais indicam ser um caminhão que pertencia à empresa Coral Comércio de Metais Ltda, de Lages (SC). O veículo foi roubado em Macatuba (SP) no ano de 2000. Como nunca mais foi visto, a seguradora acabou pagando o prejuízo ao dono. A grande surpresa ocorreu em 2006, em Foz do Iguaçu. Lá, no dia 28 de julho daquele ano, um documento assinado pela própria polícia (o documento pode ter sido falsificado), informa que o utilitário – Mercedes Benz/ LS, ano 99, branco -, foi encontrado no Paraguai e, consequentemente, recuperado. Neste mesmo dia um homem apresentado como Carlos Alfredo Lago se identificou como o dono e, supostamente, retirou o caminhão. Dias depois, o veículo apareceu no Sistema Infoseg como regular. Não era mais roubado. Em investigação da própria polícia, o tal Carlos não foi encontrado. Na verdade, acredita-se que o caminhão jamais foi encontrado. O documento pode ter sido confeccionado apenas para limpar as placas do Infoseg – um banco de dados criminais da segurança pública nacional com acesso exclusivo à própria Polícia Civil e também da justiça.




À procura do caminhão roubado

Em sua perseverança, Josmar recebeu a informação de um amigo que o seu caminhão foi visto em Paranaguá, mas já com a placa MAO-1233, em 2007. “Esse meu amigo conhecia o veículo e chegou a conversar com o motorista. Foi aí que descobri que já pertencia a um tal de Daniel Pacor, de Moreira Sales”, disse. Pacor já foi vice-prefeito do município e hoje, nada mais é que o presidente da Câmara Legislativa da cidade. Josmar novamente informou a polícia de Guarapuava sobre o seu paradeiro. Ao saber dos fatos, Pacor então pediu uma perícia no caminhão. Os peritos realizaram a vistoria, mas garantiram que o caminhão estava em situação regular. Dias depois, o caminhão foi apreendido pela Polícia Rodoviária Estadual. O mesmo Paulo, que coincidentemente dirigia o veículo no dia do roubo, encontrou o utilitário perto de Guarapuava e chamou a polícia. Desde o dia da sua retenção, está parado no pátio da 14ª SDP.

Os advogados de Josmar então solicitaram outra perícia, em 2009, a fim de encontrar detalhes que só o seu proprietário sabia. Desta vez, a vistoria encontrou inúmeras semelhanças descritas. Agora, três anos depois, o delegado de Guarapuava aguarda a realização de uma nova perícia para dizer se o caminhão é mesmo o de Josmar. Ele explicou que foram detectadas “omissões” na primeira perícia. “Para entregar o veículo ao dono temos que ter todas as certezas. Por isso a necessidade de novos peritos”, disse. De acordo com ele, uma vez constatado, o caminhão será entregue imediatamente a Josmar.

Mas o problema não termina aqui. Daniel Pacor alega que, quando comprou o caminhão, não sabia que ele estava com estes problemas, muito menos com suspeitas de que pode ser produto de roubo. “Paguei R$ 130 mil e não posso perdê-lo”, disse. Pacor explicou que também está solicitando a posse do veículo, uma vez que o comprou de um homem de Santa Maria, na região de Cascavel.

Enquanto nada se resolve, Josmar aguarda a última e definitiva perícia. Em breve, os fatos serão esclarecidos e, os culpados, indiciados. O problema é que este é somente um dos tantos casos que acontecem diariamente no país. Durante o tempo da leitura desta matéria, mais um caminhão foi roubado. Um outro “Josmar” também está sendo passado para trás.



Coincidências suspeitas

Em 2009, Marcos Sidnei Ferro, 41 anos de idade, foi preso pela polícia de Maringá em posse de um Gol furtado em Londrina. No interior do veículo foram encontradas oito chaves michas, além de outras ferramentas utilizadas para roubar automóveis. Ele estava sendo procurado pelos policiais dois meses antes, quando câmeras instaladas na parte externa do Hospital Santa Rita e no pátio do Centro Universitário de Maringá o flagraram furtando dois Gols e um Santana. Cada ação não durou mais que um minuto.

Preso, ele abriu o jogo e acabou delatando um dos comparsas que também aparecia nas filmagens: Alízio Gilberto Serafim de Souza, 46 anos. Ele também foi preso dias antes, com um carro roubado. Atualmente, ele continua detido em Maringá. Mas qual relação isso tem com o caso de Josmar? Alízio tem seu nome no registro de aquisição do mesmo caminhão comprado por Daniel Pacor, segundo cópia do Departamento de Trânsito do Paraná – Detran.

Dados indicam que o caminhão Mercedes Benz placas MAO-1233 – o mesmo roubado em 2000 – foi de Alízio antes de ser repassado a Pacor, sendo transferido ao estado do Mato Grosso em 11 de abril de 2007. O histórico indica que Pacor adquiriu o caminhão no mesmo ano, sendo transferido ao Paraná na data de 24 de agosto de 2007. O que estranha ainda mais é que consta outra aquisição de Pacor ao mesmo veículo, só que agora, em dezembro de 2007. Ou seja, ele comprou o caminhão duas vezes, em agosto e depois em dezembro.

No mesmo histórico, antes de pertencer a Alízio, o caminhão estava em nome de Tarsis Pinheiro Fernandes, cujo emplacamento teria ocorrido em São Bernardo do Campo, São Paulo. Curioso é que Tarsis sempre morou em Moreira Sales, coincidentemente, mesma cidade de Pacor. Então a pergunta? Porque o caminhão aparece em seu nome emplacado no estado de São Paulo?

Para descobrir isso, a equipe da TRIBUNA encontrou o endereço de Tarsis e foi até lá. Numa casinha simples, na comunidade de Barra Bonita, zona rural de Moreira Sales, mais precisamente, no Sítio São Francisco, Tarsis vive com a esposa. Sem luxo nem regalias, os dois são trabalhadores, ele numa indústria de feijão, ela no comércio. Certamente a renda dos dois, juntos, inviabilizaria a compra de um caminhão, ainda mais no valor de R$130 mil, descrito pelo próprio Pacor. A reportagem conversou com a esposa. Ela informou não saber sobre o caminhão. Mas garantiu que o companheiro trabalha há nove anos na mesma empresa da cidade, descartando a possibilidade dele ter morado em São Paulo – onde o caminhão foi emplacado em seu nome. A TRIBUNA aguardou Tarsis por quatro horas, mas ele não apareceu para falar sobre o caso.

Outra coincidência é o fato de Carlos Alfredo Lago, o mesmo indivíduo que diz ter retirado o caminhão roubado em Foz do Iguaçu, estar respondendo processo – nº 013865-0/ 2003, em Ponte Serrada, Santa Catarina – por falsificação de documentos. Na época, em 2000, ele teria falsificado uma certidão de nascimento para obter uma nova carteira de identidade, alegando que seus documentos haviam sido extraviados.

Outra coincidência foi a prisão do policial Ademir Muniz da Silva. Ele foi preso na Operação Trinca Ferro, realizada pelo Gaeco no início deste ano, por desvio de cargas e confecção de Boletins de Ocorrência (BO). Residente em Pitanga, foi ele também quem fez o BO do suposto roubo do caminhão de Josmar, ainda em 2007. Coincidências ou não, a polícia irá dizer em breve.

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