segunda-feira, 30 de maio de 2011

Os engraxates

Dilmércio Daleffe
Os tempos já não são mais os mesmos. Quem um dia imaginaria que o presidente americano seria negro. Que Osama Bin Laden fosse encontrado. Que o PT governasse o país. Máquinas de escrever e vinis – Long Plays – fossem “sepultados”. Que uma rede de computadores ligasse o mundo. Que os engraxates de Campo Mourão praticamente desapareceriam. Isso mesmo. Pra quem não se lembra, há pouco mais de 10 anos, a área central da cidade era tomada por meninos com suas caixinhas dependuradas sobre o ombro. Hoje, resumem-se em apenas dois. Um deles ainda é importado de Iretama.

Já foi o tempo do romantismo, quando as pessoas tinham tempo para, sentadas nos bancos da praça, parar um pouco e engraxar os sapatos. Era uma época em que a prosa e a boa conversa imperava. Hoje, tudo é correria. Os tempos de ouro não voltam mais. No entanto, a profissão ainda perdura. Praticamente anda de muletas. Wesley Borges e Adenilson de Amorim Barbosa são os dois únicos sobreviventes deste escasso mercado de trabalho, pelo menos em Campo Mourão.

O Profissional




Adenilson, aos 33 anos, é conhecido como “Profissional”. Trabalha de terno e gravata todos os dias, quando deixa Iretama pela manhã para atuar em Campo Mourão. Trata-se de um engraxate show. Com crachá no peito, ele se orgulha em ter alvará da profissão, tendo o direito de adentrar em estabelecimentos públicos da cidade. “Fiz cursos e aprendi muitas coisas”, diz. O sujeito é realmente profissional. Ele tem até algumas regras: não pegar nada dos outros; respeitar os mais velhos; andar bem vestido; se identificar; e nunca desistir da profissão. “Decidi que é isso que quero da minha vida”, afirma.

“Profissional” é solteiro e trabalha como engraxate desde os 10 anos de idade. Segundo ele, vai morrer atuando na atividade. Como Iretama é pequena, já, há sete anos, vem para Campo Mourão ganhar sua grana. De acordo com ele, em média, faz 10 engraxadas ao dia, rendendo cerca de R$30. “Aqui todo mundo já me conhece. Trabalho até dentro do Fórum”, disse. Ele explica que um bom engraxate não espera o cliente. Vai atrás. Por isso o seu sucesso. Para voltar para casa, quase sempre consegue uma carona, afinal, trata-se do “Profissional”.

O religioso



Aos 21 anos, Wesley é outra figura no centro da cidade. Com sua caixinha, ele fica na praça da matriz, aguardando os clientes. Religioso, carrega um crucifixo no peito e outro amarrado em uma das mãos. Também atua com gravata e roupa social. Conta ele que aprendeu a profissão ainda aos nove anos de idade, quando ainda vendia sabão caseiro pelas ruas da cidade. Logo, passou a exercer a atividade até os 13 anos. Depois disso foi morar em São Paulo, passando a trabalhar como garçom.

Ao retornar a Campo Mourão, recentemente, não encontrou emprego, sendo forçado a voltar à antiga profissão. “Trabalho com muito carinho. Gosto do que faço”, diz. Com o dinheiro arrecadado, come e paga um quarto de hotel. Mas quando a grana não dá, estende a coberta no chão e dorme por aí. Já a comida, isso nunca falta. “Às vezes peço. Não é feio. Quando a pessoa é inteligente, sofre menos”, explica. Wesley cobra R$3 por par de sapato. Ganha entre R$15 e R$30 por dia. Ele diz que está bom. As dificuldades da vida acontecem porque decidiu sair de casa ainda aos 15 anos. Hoje, é ele e Deus.

O cara diz que a profissão o ensinou muitas coisas, a começar pela humildade. “Desta atividade, ou de outras, como num carrinho de sorvete, sai um grande homem. Aqui aprendemos dar valor ao trabalho”, garante. Ele acredita que o desaparecimento dos engraxates se deve, em grande parte, a proibição de menores trabalharem. “Não devia ser assim. O menino que não aprende a trabalhar desde cedo, acaba fazendo coisa errada”. Desta maneira, Wesley e Adenilson vão tocando a vida. Enquanto existirem sapatos, lá estarão os dois.

Profissão em extinção

Engraxate é o homem responsável pelo polimento e limpeza de sapatos. A tradição remete ao ano de 1806, o nascimento do ofício de engraxate, quando um operário poliu em sinal de respeito às botas de um general francês e foi recompensado com uma moeda de ouro por isto. Durante a Segunda Guerra Mundial apareceram os “sciusciàs”, garotos que para ganhar qualquer coisa lustravam as botas dos militares, além de terem cópias de jornais, goma de mascar e doces.

Ao término da guerra desapareceram o sciusciàs e também os engraxates de Nápoles, no início dos anos cinqüenta eles eram apenas mil. Hoje em dia, caminhando pelas ruas napolitanas, ocasionalmente, pode-se encontrar algum.Após a imigração italiana aparece, por volta de 1877, na cidade de São Paulo, os primeiros engraxates. No início eram poucos, de 10 a 14 anos, todos italianos e percorriam as ruas, das 6 horas da manhã até a noite, com uma pequena caixa de madeira com suas latas, escovas e outros objetos. As cadeiras de engraxate foram inventadas por Morris N. Kohn em 1890. O engraxate hoje em dia é uma profissão em via de extinção.

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