Dilmércio Daleffe
Dilmércio Daleffe
Numa casinha velha de madeira, cujas frestas acomodam o frio dos últimos dias, residem Edson e Lurdes. Moram na Vila Guarujá, precário bairro de Campo Mourão, na companhia de seus dois filhos, de 11 e 7 anos de idade. Assim como todo bom brasileiro, matam um leão por dia. Edson está desempregado há um ano. Sempre trabalhou na construção civil, mas de um tempo para cá, as dificuldades apareceram e, com elas, a escassez dos alimentos. Esta semana, a família mantinha apenas uma pequena quantia de óleo, pouco arroz e quase nada de feijão. O desespero era visível. Lurdes não trabalha, cuida apenas do menino mais novo. A renda passou a ser somente dos bicos do marido e do Bolsa Família, R$100 ao mês. “Só me preocupo com os dois meninos. Eles não tem culpa pela falta de comida em casa”, diz a mãe.
A situação da família infelizmente não é rara. Segundo relatório do Cadastro Único do Governo Federal, somente em Campo Mourão são 2,3 mil famílias que vivem com renda per capita abaixo de R$70 por mês. Ou seja, pessoas sem emprego formal, vivendo apenas de bicos e da ajuda de programas sociais. Num resumo geral, trata-se de cidadãos sem qualificação para melhores oportunidades de emprego. Como reflexo, foram jogados às sarjetas dos subempregos. Ficaram esquecidos. Estão condenados a submeterem-se a trabalhos braçais, biscates do dia a dia sem nenhuma garantia futura.
No entanto, afirmar que em Campo Mourão pessoas passam fome seria um absurdo? Talvez sim. Embora existam dados oficiais indicando a existência de miserabilidade, o fato é que o brasileiro aprendeu a se virar. Mesmo passando por necessidades, há ainda a ajuda de igrejas, entidades, clubes sociais, governos federal, estadual e municipal, além é claro, de uma figura muito importante neste contexto: o vizinho. Nas horas em que um ser humano se aperta, não existe um só mourãoense de coração frio. A verdade é que todos se ajudam. É fato e não dado.
De acordo com dados do Programa Mesa Brasil, do Sesc, atualmente 26 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados ao ano no país. É comida que falta de um lado, e que sobra ao lixo por outro. Um dado alarmante provando a irracionalidade que impera no Brasil. Segundo o geógrafo e escritor Melhem Adas, a pobreza é mesmo a causa da fome. “A pobreza é uma criação humana. É resultado do tipo de sociedade que construímos e ajudamos a manter com todas as suas contradições”, afirma ele no livro “A Fome”.
Edson e Lurdes sempre foram pobres e, definitivamente, impedidos de melhores oportunidades devido à falta de escolaridade. Quase não estudaram. Hoje, vivem em péssimas condições num barraco cheio de frestas. Possuem apenas uma cama. Os filhos dormem num colchão na sala. Não possuem geladeira e, por isso, não podem ter alimentos como carnes na casa. O filho de 11 anos está fora da escola. Os pais não têm dinheiro para comprar material e uniforme. “Estamos passando a pior fase da nossa vida”, afirma o pai.
Aos 43 anos de idade, Angelita Aparecida Ferreira também vive fases difíceis. Junto ao marido, possuem três filhos e, vez em quando, a renda não é suficiente para manter a alimentação adequada. José, o companheiro também está no mercado informal. Vive de bicos. Mas, juntos, recebem o Bolsa Família e mais a ajuda de uma cesta de comida através do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). “Quando vejo que a comida não vai dar surge um sentimento ruim, um desânimo”, diz ela. Ontem, o almoço e a janta resumiram-se a arroz e feijão, e mais nada. Também escritor, Josué de Castro disse que a fome não é um fenômeno natural. Mas sim um produto artificial de conjunturas econômicas defeituosas. Trata-se apenas e tão somente de uma criação humana. Como já descrito, a pobreza é mesmo a grande culpada pela fome.
Município faz sua parte
Para tratar da vulnerabilidade de algumas famílias de Campo Mourão, o CRAS distribui cerca de 300 cestas básicas ao mês. Não é solução, apenas um alívio. São alimentos comprados com recursos municipais que objetivam amenizar o drama de pessoas que passam apuradas em determinados meses do ano. A comida é doada apenas depois de um cadastro e, consequentemente, de uma visita ao solicitante. Além disso, segundo informou a assistente social Rosângela Bérgamo Martins, as cestas não são entregues continuamente. “É apenas uma ajuda. As pessoas tem que saber que elas devem conseguir manter-se com recursos próprios”, explicou. É como aquele ditado que diz que deve-se ensinar a pescar e não somente entregar o peixe. Os alimentos são comprados pela prefeitura. Dados indicam que cada cesta básica tem custo de R$51. Ao ano estima-se gastos de pouco mais de R$180 mil.
Rosângela é uma espécie de anjo da guarda de famílias a mercê da fome. Ela e outras assistentes sociais percorrem o município em busca daqueles vulneráveis quanto a escassez da comida. Dedicada ao trabalho, ela acredita que também não se possa afirmar que existam famílias que passem fome na cidade. “Se existem, elas ainda não nos procuraram”, disse. Além disso, segundo ela, a fome também vem sendo saciada através de inúmeras entidades da cidade. “Hoje muita gente vem colaborando para a entrega de alimentos a famílias carentes”, disse. (DD)
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