terça-feira, 15 de maio de 2012

Ilma vivia sem luz e sem piedade

Ilma trabalhou durante toda a vida como cozinheira. Já teve casa própria e uma família feliz. Mas até ontem, estava jogada às sarjetas da sociedade, numa tapera inóspita, sem energia elétrica, sem banheiro, sem piedade, sem nada.


Dilmércio Daleffe

Ilma Chikatti da Silva não é mais jovem. Aos 63 anos vivia até ontem com o companheiro José em uma tapera no Jardim Batel, periferia de Campo Mourão. Um dia já teve casa própria, um bom emprego e uma família feliz. Época de alegrias, quando reunia todas as quatro filhas e o marido à mesa. Mas a vida passou, o tempo se foi e ela, acabou numa situação parecida à ficção. Seu drama era surreal. Tinha vergonha da situação em que se encontrava. Vivia num local desumano, num terreno que não era seu. Morava de favor. Há quatro anos não sabia o que era energia elétrica, nem banheiro e muito menos piedade. Por esta razão, vivia jogada ao escanteio pela sociedade. Não passava fome porque vizinhos e uma cesta básica fornecida pelo município a socorriam. Desenganada pelos médicos, há cinco anos, pensou já estar morta. Mas continua firme, pagando por um castigo que, definitivamente, jamais mereceu.

As rugas do tempo podem dizer o quanto Ilma já sofreu. Nascida em Blumenau, chegou a Campo Mourão ainda aos 17 anos na companhia dos pais. Casou cedo e teve quatro meninas. Foi cozinheira, trabalhando na casa de famílias tradicionais da cidade. Mas isso há bastante tempo. Hoje, permanecem apenas as lembranças. Nem mais emprego ela tem. Está doente, com a respiração arrastada. Falta ar. Precisa de ajuda para não padecer. Seu companheiro, José, também não está bem. Segundo Ilma, ele mantém problemas mentais, sem contar o alcoolismo. “Se deixar ele bebe até três litros de cachaça por dia. Ele não tem mais recuperação”, diz. “Zezé”, como é conhecido, já foi um homem trabalhador. Mas depois que o filho foi assassinado, a vida desandou.

A vida pregou uma grande peça a dona Ilma. Sentada sobre uma cadeira velha de plástico, quebrada, ela chorou. Lembrou do dia em que o médico contou seus dias antes de ser operada. “Me fez pensar que não sobreviveria. Mas estou aqui”, disse. Sua vida sempre foi angustiante. Antes de ficar doente, teve que vender a casa para o tratamento. O dinheiro se foi. O sofrimento não. Passou a pagar aluguel até o dia em que a grana acabou. Sem teto, encontrou um terreno onde a proprietária a deixou ficar. Junto com José arrumou algumas tábuas e telhas para ali construir o barraco. Antes disso permaneceu por uma semana morando sob uma árvore. Ao relento, ainda orava e acreditava em Deus. Nunca o abandonou.

A tapera existia já há quatro anos. Era lá onde os sonhos da mulher descansavam. Frestas das paredes não impediam a entrada de frio e chuva. O telhado era improvisado. O chão batido piorava qualquer situação de moradia. Sem banheiro, ela fez um buraco no quintal. Condição desumana. Tomar banho só no balde. O casal esquentava água no fogão a lenha, do lado externo, e fazia a higiene da maneira que podia. Sem energia elétrica, não possuía chuveiro, lâmpadas ou TV. As novelas que tanto gosta ficaram no tempo. Há quatro anos ela não vê televisão. Mas isso não é nenhuma ficção, como muita gente gostaria que fosse. Era apenas a realidade de mais um ser humano. Uma condição próxima a todos.

Uma das filhas de Ilma mora em Maringá. Outras três em Paranaguá. São pessoas simples como ela, mas em condições melhores. “Eles me mandam ajuda de vez em quando”, disse. Mas como uma mãe guerreira, não gosta de pedir socorro. “Tenho vergonha da minha situação. Por isso não deixo que eles venham me visitar”, revela. Segundo ela, as filhas nem imaginam como a mãe sobrevivia.

Mas nem tudo é sofrimento. Vez em quando anjos atravessam o caminho dela. Um deles chama-se Rosângela Bérgamo Martins, uma simples assistente social da prefeitura que decidiu agir. Vendo as precárias condições de vida, passou assisti-la com cestas básicas provenientes do município. E tem ajudado. Antes de conhecerem-se, faltava comida à mesa de Dona Ilma. “Há algum tempo não tinha comida todo dia, não. Mas a Rose não deixou faltar mais”, lembra. No dia da entrevista o almoço teve arroz, feijão e lingüiça. A falta de renda também não é mais problema. Há poucos dias, ela recebeu a boa notícia de que conquistou a sonhada aposentadoria.

Crente em Deus, Ilma precisava de ajuda. Definitivamente, ela não mantinha condições de saúde para encarar um lugar insalubre como aquele. Necessitava de um lar com cara de casa. Para quem trabalhou durante toda a vida, merecia ter a dignidade de tomar um banho quente, deitar-se sobre uma cama limpa e poder assistir a uma novela que tanto aguardava. Ilma não é diferente de ninguém. Ela é somente um espelho. Um reflexo das atitudes de toda uma sociedade que se diz civilizada.

Ilma ganhou um novo lar

A degradação humana em que se encontrava dona Ilma e o companheiro José, sensibilizou demais a reportagem da TRIBUNA. Tanto é que, mesmo antes da matéria ser publicada, o jornal entrou em contato com a assessoria do prefeito Nelson Tureck. O drama da mulher foi descrito, chegando ao ponto do próprio governante querer conhecê-la.

E assim aconteceu. Na última quinta-feira, acompanhado de seus assessores e de assistentes sociais, Tureck também comoveu-se com a situação de Ilma. O município prometeu-lhe uma casa. Secretário municipal da Ação Social do município, Samuel Kozelinski, garantiu ontem a promessa. Dona Ilma e o companheiro foram encaminhados a uma casa modesta, mas em alvenaria, no Jardim Santa Nilce. Um imóvel construído numa parceria entre Rotary e prefeitura. Um lar que permitirá, agora, condições dignas de vida ao casal. A tapera ficará apenas na lembrança. Ilma também ganhou um aparelho de TV para assistir as novelas que tanto gosta. Terá energia elétrica e, com isso, poderá tomar um banho quente depois de quatro anos dependendo do balde. Além disso, terá um banheiro só dela, dentro da casa, com direito a descarga.

Já, dentro da nova residência, Ilma chorou e agradeceu. Mas, mesmo com uma nova moradia, ela ainda depende de muitas coisas, como móveis, geladeira, fogão, sofá e até colchão. Doações são bem vindas. A ficha certamente só cairá depois que o prefeito cumprir sua segunda promessa, de sentar-se à mesa dela para comer seu arroz e feijão. “Assim que se mudar, vou lá comer arroz e feijão com você”, prometeu Tureck. Ilma aceitou o desafio. Disse que logo após arrumar a bagunça fará o “banquete”. Finalmente, após arrumar seus poucos pertences, Ilma está pronta a uma nova vida. Ela recarregou seu coração com esperanças e está decidida a viver bem, para o bem, como sempre caminhou.

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