quarta-feira, 23 de maio de 2012

Em busca de um “médico” que opere a Saúde pública


Dilmércio Daleffe
Remédios a disposição. Estrutura a contento. Médicos. Se os principais pilares determinantes a um bom atendimento estão sólidos em Campo Mourão, então porque a eterna reclamação sobre a Saúde na cidade? Este é possivelmente o maior desafio a ser enfrentado pelo próximo prefeito, ou prefeita. Seja quem for. Durante uma semana, buscamos informações sobre as verdadeiras condições do sistema público de Saúde. Embora seja alvo de inúmeras críticas, a estrutura é comprovadamente saudável. No entanto é bom salientar que de nada adianta um bom prefeito se não existirem recursos, dinheiro para tratar os doentes. Por este pressuposto o leque de soluções imediatas já escapa às mãos municipais. É preciso lembrar que grande parte dos problemas surge através do Sistema Único de Saúde – SUS – o maior plano de saúde do mundo. Ele funciona, mas paga mal. Desestimula a medicina em todo o território brasileiro, principalmente, em cidadezinhas do interior, onde médicos transformaram-se em pedras preciosas. Difíceis de se achar.
Ex-secretário de Saúde em Campo Mourão, o médico Moacir Porciúncula diz que a cidade vem mantendo uma boa estrutura de atendimento, desde a gestão Rubens Bueno, ainda em 1992. Como profissional da área, ele diz que sempre existiram remédios, condições de trabalho e, acima de tudo, bons médicos. Mas também admite que os recursos via SUS são insatisfatórios, tantos aos profissionais, como a hospitais e municípios. “Muitas vezes a prefeitura tem que tirar dinheiro do bolso porque somente o SUS não cobre as despesas”, afirma Porciúncula. A comprovação vem de fatos. Na década de 80, o Hospital e Maternidade Anchieta fechou as portas. Não suportou viver de recursos do governo. Já em 2000, o Hospital São José seguiu o mesmo caminho. Atualmente, Campo Mourão mantém apenas a Central Hospitalar – que atende SUS e particular – Policlínica – apenas particular – e Santa Casa – também SUS e particular. Hoje, uma cesariana normal é paga pelo SUS por R$545. Destes, somente R$150 são destinados ao médico e anestesista. O restante fica ao hospital. Pior ainda é o preço de uma consulta pediátrica: R$2,04.   
Fúria no 24 horas
Deixando o SUS de lado, então qual o principal motivo das reclamações da população? A resposta vem da atual secretária de Saúde do município, Márcia Tureck. Segundo ela, a questão está diretamente ligada ao mau atendimento, incluindo aí médicos, recepcionistas, além de outros profissionais. Ela não generaliza, mas admite que existe sim má vontade por parte de alguns. “Fazemos reuniões regularmente, mas a situação não muda”, disse. O principal alvo da fúria dos eleitores está no 24 horas. É ali, num prédio razoavelmente pequeno, onde muita gente reclama das consultas. A unidade serve como uma espécie de primeiro atendimento, quando se verificam os casos mais graves. No entanto, ainda é constatada a presença de pessoas que, na verdade, não precisariam ali estar. Ou seja, gente achando que está doente. Para comprovar esta realidade basta checar os dados do Ciscomcam – o Consórcio Intermunicipal de Saúde dos Municípios da região de Campo Mourão. Os números indicam que em 30% das consultas agendadas em 2011 os “doentes” jamais apareceram.
Cortador de cana, Edson Pereira Lima, 41 anos, buscou atendimento contra dores de cabeça e gripe no 24 horas na última semana. Ele chegou ao local por volta das 11 horas da manhã e foi atendido apenas ao meio dia. Mesmo assim foi medicado, saindo inclusive com remédios gratuitos. “Apesar da demora, saí satisfeito”, disse. No entanto, há ainda pessoas bastante insatisfeitas, principalmente, em relação ao atendimento. O aposentado Galdino Lopes de Almeida, 67 anos, estava inconformado com uma recepcionista do postinho do Jardim Modelo. Segundo ele, após passar por uma cirurgia, ele retornou a consulta já marcada para o último dia 15 de maio. Não foi atendido. “Ela fez pouco caso de mim. Pegou meus documentos, mas não fui atendido. Não estou contente com o atendimento”, disse. De acordo com o aposentado, existe má vontade na Saúde. Aos 55 anos, José Lima Bonfim procurou o 24 horas e foi atendido rapidamente. Estava com dores na perna. “Recebi uma injeção e remédios. O médico foi prestativo. Não tenho do que reclamar”, afirmou.  
Mas o mau atendimento no 24 horas então é reflexo dos baixos rendimentos pagos pelo município? Muita gente pode achar que sim. Mas não é o que os cofres públicos indicam. De acordo com Márcio Alencar, Diretor Geral da Secretaria de Saúde de Campo Mourão, o município gasta, por baixo, cerca de R$150 mil mensais com salários dos profissionais da medicina. Por um mero plantão de seis horas paga-se quase R$700. Em todo o ano passado, o município investiu 19,63% de sua receita em Saúde. Ou seja, foram pouco mais de R$16 milhões. Para 2012, o índice está planejado em 21%, numa estimativa de investimentos de mais de R$19 milhões - o índice mínimo obrigatório é de 15%.
Procura-se especialistas: paga-se bem
As queixas da população também são inúmeras quanto à demora em determinados agendamentos para exames. Em alguns casos, pessoas levam até seis meses para serem atendidas. Isso se explica pela falta de médicos em certas áreas. Ou seja, faltam especialistas na cidade. Márcia Tureck confirma dificuldades em neurologia, cardiologia e otorrinolaringologia. “Mesmo assim, caso haja urgência em alguns desses casos, o município arca com consultas particulares”, diz. Mesmo abrindo concurso para a contratação de mais pediatras, a prefeitura não recebeu inscrições. Dificuldades à vista para mais uma especialidade em 2013. Num resumo geral, não está havendo uma rápida renovação de profissionais na cidade. Os atuais estão envelhecendo. Os novos preferem centros maiores. São inúmeros os médicos mourãoenses recém formados que migraram para outras cidades.
O garçom Carlos Salles, 62 anos, ironiza a demora de sua consulta. Buscando um médico especialista em urologia, ele procurou ajuda no postinho do Jardim Paulista, em março de 2011. Ou seja, há um ano e dois meses. Como a demora prolongou-se demais, Carlos decidiu pagar uma consulta particular, R$140. Embora já tenha realizado a consulta, ele continua a esperar pelo dia em que será chamado. “Sempre que posso vou ao postinho pra ver se já marcaram. Mas até hoje, isso jamais aconteceu”, diz ele rindo. O objetivo agora, segundo ele, é prosseguir com novos exames. Tragicamente, num resumo de sua história, a saúde pública foi negada a Carlos.     
Outro problema identificado em Campo Mourão é a ausência de uma unidade de Hemodinâmica, ou seja, uma ala especializada para atender enfartados. Em 2005 um hospital particular investiu grana alta em equipamentos de última geração. Tudo estava montado à espera de um credenciamento do governo que jamais chegou. As informações eram de que Maringá e Cascavel já supriam a demanda da região. Mas qual enfartado suporta aguardar uma viagem? Há tempo suficiente para a vida esperar? Na ausência desta unidade, o município passou a levar enfartados até Arapongas – 170 Km. Não se ousou, até hoje, computar o número de doentes que morreram em meio à estrada.
Atualmente são 11 unidades de saúde espalhadas pela cidade, além do 24 horas. Fora isso ainda existem 16 equipes do Programa Saúde na Família – PSF – que percorrem bairros e a zona rural. Um médico do “postinho” recebe R$2,3 mil. A secretaria mantém seis ambulâncias. Na verdade o mínimo necessário seriam oito. Dentre os gastos da pasta também soma-se a compra de inúmeros remédios e materiais hospitalares através de licitações. De acordo com Alencar, somente em 2011 foram investidos pouco mais de R$856 mil.
Soluções à vista, ou a prazo?
O médico Moacir Porciúncula também adverte que a falta de qualidade de profissionais atualmente se deve a quantidade de cursos de medicina abertos no país. “Alguns deles não se preocupam com a verdadeira medicina. Soltam no mercado médicos despreparados, sem qualificação”, afirma. Outro problema é o desestímulo dos bons médicos quanto ao SUS. Ele explica que a escassez de profissionais no interior se deve exclusivamente aos baixos rendimentos da tabela do governo. A saída, segundo Porciúncula, seria o SUS criar um plano de carreira, melhorando o pagamento e garantindo no futuro uma boa aposentadoria, assim como promotores e juízes. “Dê estímulo e terá resultado”, lembra.
Quanto ao 24 horas, o médico está convencido que deveria contar com uma estrutura hospitalar de apoio. Isto é, garantir à unidade vagas emergenciais em hospitais a casos de alta complexidade, mesmo que se tenha que pagar por isso. No entanto, conforme levantamento realizado junto ao município, a proposta seria difícil, uma vez que as Unidades de Terapia Intensivas (UTIs)da cidade vivem lotadas. São acidentados de motos e vítimas da violência urbana que acabam tirando a vaga de doentes crônicos. “São pessoas que poderiam evitar tais acidentes, mas que acabam dificultando ainda mais a Saúde pública”, disse Márcia Tureck.      
Mas se em determinados pontos a Saúde mourãoense deixa a desejar, em outros há motivos de orgulho. O que dizer da ala oncológica da Santa Casa? Porciúncula diz ser difícil encontrar unidades com atendimento melhor que lá. “Vemos a satisfação nos pacientes. São tratados com carinho. Dá gosto ver”, ressalta. Exemplo igual se mostra no Instituto do Rim. Lá, segundo ele, além de um corpo clínico de qualidade, a direção busca alternativas para melhorar a vida dos pacientes. Um programa chega a levar até professores para ensinar pacientes a ler e escrever durante as sessões de hemodiálise. A nefrologia agradece. “Se quisermos ser uma cidade pólo, referência na saúde, temos que melhorar e brigar por aquilo que não temos”, afirmou o ex-secretário.  

Prefeitura e Santa Casa: conflito ou integração?
O presidente da Santa Casa de Campo Mourão, Elmo Linhares, está convencido de que o novo prefeito tenha que ser um grande parceiro da instituição. Um amigo que lute e trave batalhas ao lado do hospital. Que compreenda a necessidade da união. De acordo com ele, o futuro governante deve entender que município e Santa Casa trabalham juntos num único caminho: atender quem realmente necessita. “Prefeitura e Santa Casa não visam lucros. Atuam da mesma forma e no mesmo sentido para garantir uma qualidade de saúde às pessoas”, afirma.
Elmo está a frente da entidade por vocação. Já declarou guerra algumas vezes, assim como ganhou e também perdeu batalhas. Mas tudo pela filantropia, pela paixão em dedicar tempo ao próximo. O posto de presidente sempre moveu emoções. Exemplo disso foi um dos idealizadores do hospital, o empresário Dilmar Daleffe. Guerreou diversas vezes até ser vencido pela falta da mesma parceria lembrada por Elmo.
Hoje, o hospital é referência na região. Serve como regional e municipal ao mesmo tempo. Somente em 2010 realizou mais de 156 mil atendimentos. Apenas 20% deles foram particulares.  Em 2011, a unidade fez 1,4 mil partos, sendo 800 apenas em pacientes de Campo Mourão. Deles, mais de 86% foram através do SUS. Atualmente o município contribui com recursos de R$110 mil mensais.
Depois de uma longa jornada para a sua construção, a Santa Casa hoje mantém um pronto socorro, uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neo natal e pediátrica, além de uma UTI para adultos. São 150 leitos, sendo 120 apenas para o SUS. Com a inauguração de uma nova ala, ainda em obras, a instituição contará com 250 leitos, sendo 200 para o SUS. Fora isso, Elmo respira aliviado, uma vez que, para este ano, aguarda recursos federais da ordem de R$2 milhões. A hemodinâmica também está nos planos da entidade. A batalha para consolidar a ala já teve início. “Não é possível encaminhar doentes até Arapongas se podemos tratá-los aqui”, diz. Segundo ele, 50% de todo dinheiro gasto na saúde em outras cidades poderia permanecer em Campo Mourão.   
Mas nem tudo é só alegria. O hospital encontra dificuldades em algumas especialidades, como na pediatria. Fora isso, luta para conquistar credenciamentos em ortopedia, neurologia, vascular e bariátrica. Atualmente cerca de 100 médicos compõem o quadro da Santa Casa. Para combater qualquer possibilidade de mau atendimento de seus profissionais, Elmo mantém um programa de busca contínua pela excelência. “Temos que atender bem. Hoje, 90% dos nossos 400 colaboradores já está vocacionado, preparado para bem atender”, diz. Além disso, os plantões da Santa Casa estão valorizados. Segundo ele, por um plantão de 12 horas paga-se ao médico um salário mínimo, mais a produção.
Eterno motivo para dores de cabeça aos prefeitos, Elmo acredita que o 24 horas é um equívoco, uma vez que não é resolutivo e ainda oneroso aos cofres públicos. Ele defende a tese de que a Santa Casa poderia fazer o seu papel. “Seria mais barato ao município se o atendimento fosse direto por aqui”, afirma. No entanto, para que isso ocorra deve existir, novamente, a integração entre prefeitura e Santa Casa.    
Contudo, Elmo ressalta que o direcionamento do hospital ao bom atendimento e a luta contínua pela qualidade, se deve, em muito, a aplicação e fiscalização de seus colaboradores. “Eu mesmo ando quase um quilômetro por dia dentro dos corredores do hospital. Fico em cima para descobrir possíveis falhas”, diz. De acordo com ele, o próximo prefeito também deveria fazer o mesmo, verificando de perto como andam as unidades do município. Apenas mais um desafio, uma mera sugestão ou uma obrigação? 

   Números
150 mil gastos mensalmente com salários a médicos no 24 horas 
19 milhões a serem investidos na Saúde em 2012
21% da receita municipal investida na Saúde em 2012
30% de ausência nas agendas do Ciscomcam em 2011           
170 Km é o percurso de enfartados até Arapongas
12 são as unidades de saúde da prefeitura
6 ambulâncias pertencem ao município   

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