segunda-feira, 28 de maio de 2012

Vida cigana




Dilmércio Daleffe

Eles têm braços, pernas e cabeça. Falam, escutam e vêem. Pensam, discutem e têm bom senso. Em resumo, são iguais a todo mundo. O que os diferencia da sociedade organizada é apenas o modo como vivem. Somente isso. Talvez seja este o principal motivo porque os ciganos são estigmatizados. Há séculos, pelo menos no Brasil, vivem sob lonas, andando de cidade em cidade. Nômades em busca de novos caminhos. Vivendo de um jeito alternativo, passaram a sofrer com o preconceito. Que o diga Neiva Esteves. Aos 16 anos de idade, carrega no sangue a verdadeira origem cigana. E tem orgulho disso. Recém chegada a Campo Mourão, sentiu de perto a discriminação. Dentro de um supermercado, teve que perguntar ao vigilante porque a seguia. “Percebi que o guarda estava cuidando de mim. Tive que dizer a ele que jamais roubei algo de alguém. Foi preconceito mesmo”, afirmou.  

Neiva é uma bela e jovem ciganinha. Percorre o Brasil ao lado dos pais e dos dois irmãos. Sob a lona surrada, vive contente e bem maquiada junto à precariedade. A mãe Rita Esteves Simionato também é bastante nova. Aos 35 anos de idade considera-se parte de uma fatia cigana cuja riqueza jamais prosperou. “Estou cansada de tanto sofrimento. Estou desistindo desta vida nômade”, diz. Segundo ela, o objetivo é encontrar uma casa, onde possa abrigar a família e viver no conforto. Rita nasceu de uma família cigana na cidade de Barracão, no Paraná. Cresceu entre os costumes de seu povo, sempre na dificuldade e no sofrimento. Nunca teve bens, nem anéis valiosos ou tesouros escondidos em caixotes. Ela é apenas uma cigana, cuja cultura ainda revela-se misteriosa a sociedade. 


Rita recebeu a reportagem para uma conversa gostosa sob a lona. Estava angustiada, temerosa com a chuva que se formava no céu. Apresentou a família e já começou a desmistificar as lendas que cultuam o preconceito a seu povo. Ela julga-se uma cigana moderna, pobre e sem o poder em ler mãos. Mais que uma cigana, é uma mãe. E por isso pretende mudar de vida. Com o céu nublado, explicou que as condições do tempo prejudicam a vida da família. “Tudo fica molhado. Não da pra dormir. Enfrentamos o barro e ficamos com os pés sujos”, diz. Por não querer mais ver o sofrimento dos filhos, decidiu parar de andar. Quer uma casa.

Como não lêem mãos, a família sobrevive de pequenas vendas. Ontem, o marido de Rita, Osvaldo, havia saído para vender frigideiras. É a única renda. A grana garante comida à mesa e combustível para seguir viagem. Mas tudo está difícil e os alimentos estão escassos. “Se a população puder nos trazer uma cesta básica ficaremos felizes”, lembra a mãe. Rita sustenta três filhos, Neiva, de 16, Guilherme, de 13, e Dara, de apenas 11 anos. Neiva é a única a saber ler e escrever. Guilherme e Dara ainda não aprenderam. Os três jamais adentraram a uma escola. Sabem que elas existem, mas as desconhecem. Rita explica que uma velha cigana de Curitiba colabora com a alfabetização de sua gente. Neiva já passou por lá. Nem mesmo a mãe é alfabetizada. Mesmo assim, todos falam o romane, uma língua só deles, sem escrita, apenas falada.

Embora Rita queira desistir da vida nômade, Neiva orgulha-se dos costumes e diz seguir em frente. “Não consigo ficar numa casa. As paredes me sufocam. Quero a liberdade, sem paredes”, revela. Como já dito, a menina tem o sangue cigano nas veias. Encara qualquer situação sem preocupar-se. Parece já ter nascido forte, como é costume de seu povo.

Sob a lona, quase tudo é precário, com exceção do amor entre seus membros. São unidos demais. É nítido. Em Campo Mourão acamparam num terreno baldio próximo a sede da Coamo. Como lá não existe água encanada, se viram emprestando do posto de combustível. Tomam banho sentados em uma cadeira a base da canequinha. Nada de luxo. As necessidades fisiológicas são realizadas numa privada construída por um vizinho. Já a energia elétrica existe. Como de costume, vão até a Copel e pedem uma carga temporária por 15 dias. Durante à noite se dão por satisfeitos em não ficar no escuro e, é claro, ver uma televisão.

Mas a família reúne poucos pertences. E não poderia ser diferente, afinal, carregam tudo sobre a velha D-20. Dentro do veículo vão eles. Na carroceria e no teto vai o resto. Um fogão, algumas cadeiras, colchões, roupas, as armações de ferro da lona e, até, um galo e três galinhas. De acordo com a família, ficarão na cidade somente até esta semana. É que Rita torceu o pé e foi medicada. Ela deve retornar ao hospital para retirar a faixa amanhã. Embora não tenham destino certo, desejam ir até Guaíra, ou quem sabe até onde a gasolina der e, ainda, se o carro não quebrar. Vida de cigano é também uma grande aventura.          

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