Ele só queria transformar-se num médico e acabou adotando o Brasil como sua casa. Hoje, Napoleon Maclovio Sandy Saavedra é um legítimo mourãoense. Deixou para trás o frio da Cordilheira dos Andes para respirar a poeira vermelha da região.
Dilmércio Daleffe
Napoleón Maclovio Sandy Saavedra, mais conhecido como o Doutor “Napoleão”, nasceu em Capinota, na Bolívia em 1940. Na infância, falava a língua quéchua, um idioma dos Andes, dos índios bolivianos. Mas, mesmo descendendo da agricultura, buscou para ele caminhos distantes da cordilheira. Quis ir mais além. Desafiou o pai e tornou-se médico no Rio de Janeiro. Sua caminhada foi sofrida. Pela estrada lágrimas e muito suor foram derramados. Mas ele venceu e, um dia, por ocasião do destino, encontrou Campo Mourão, de onde nunca mais ousou sair. Napoleón hoje é, possivelmente, o imigrante mais conhecido da cidade. Como ele mesmo disse, é um mourãoense latino pela lei natural da vida e brasileiro pela lei dos brancos civilizados.
Na infância, Napoleon era um menino franzino. Cresceu com a avó ao lado de outros quatro irmãos – Cinda, Wilfredo, Ana Maria e Martha - numa região predominantemente agrícola. Um lugar cultuado pela magia e mistérios da Cordilheira dos Andes. Um local frio, mas caloroso entre seus habitantes. Teve uma educação aprimorada, cujos professores eram intelectuais e, acima de tudo, esquerdistas. Amadureceu com preceitos bolivarianos. Aprendeu a ter sentimentos nacionalistas, sendo um adolescente contestador, sempre. Seu pai, Steban, era um líder campesino, chegando inclusive, a participar do processo de reforma agrária do país. Deixou os filhos com a mãe para trabalhar em grandes propriedades nos Andes. Napoleon viveu com a avó, Petrona, até seus oito anos de idade.
Já adolescente, Napoleon rumou para a universidade San Simón, em Cochabamba, também na Bolívia. Queria fazer engenharia civil. Mas ainda no cursinho preparatório, notou que aqueles cálculos não eram para ele. Abandonou. Foi então que passou a estudar arquitetura. Mas a tentativa também não vingou, desistindo um ano depois de ter iniciado. Em seu retorno a Capinota, foi influenciado pela mãe e por um médico. Neste momento já sabia o seu destino: a medicina.
Na universidade passou a defender interesses da esquerda e de sua raça. “Sempre defendi minha raça. Luto por ela até hoje”, diz. Tanto é que em jogos entre Brasil e Bolívia, a torcida é sempre à camisa verde. No entanto, um ano depois de ter começado a faculdade, já em 1962, abandonou o curso por problemas restritos à política. Passou a ser perseguido e achou por bem buscar novos caminhos.
Alguns meses depois Napoleón procurou bolsas em universidades de outros países, como nas antigas União Soviética e Tchecoslováquia. Mas foi no Jornal La Nación, o maior periódico boliviano, quando encontrou o que queria. Descobriu uma universidade do Rio de Janeiro que oferecia bolsas de estudo para estudantes latino-americanos. E ele não desperdiçou a chance. Arrumou as malas e, num telegrama, avisou o pai sobre a nova empreitada. Dom Steban não gostou da idéia. Numa outra conversa disse ao filho que não tinha dinheiro para ajudá-lo, mas que lhe daria o que pudesse. E, naquela prosa, uma frase marcou Napoleon. “Ele me disse para que eu não voltasse à Bolívia sem ser um profissional. Se eu voltasse sem ser médico iria ter vergonha de mim”, recorda. Dinheiro não era problema, afinal Napoleon sempre se virou.
Napoleon então pegou o trem e chegou ao Brasil em 1963. Mal sabia que aquela maria fumaça o transformaria mais tarde num legítimo mourãosene. No Rio de Janeiro comeu o pão que o diabo amassou. Sem condições econômicas passou a morar em hospitais. Fez amigos brasileiros que sempre o ajudaram. Descobriu, apesar das dificuldades, que o carioca é solidário. Mesmo assim não sabe dizer quantas vezes caiu por choro longe da terra natal.
Durante os anos em que permaneceu no Rio de Janeiro, Napoleon, ou “gringo”, como passou a ser chamado, conheceu um mourãoense: o também médico Arnaldo Mauro. Coincidentemente, algum tempo depois, já em 1970, Napoleon visitou a região através de um amigo seu. Como companhia de viagem, veio até Mariluz, passando também por Boa Esperança, Goioerê e, finalmente, Campo Mourão. Nas andanças, adorou a cidade. “Vi uma pequena comunidade bem organizada. Eram poucas ruas de asfalto, mas com gente bem vestida e um ar agradável. Gostei muito”, disse.
No mesmo ano, Arnaldo Mauro despediu-se do amigo, dizendo que estava voltando a Campo Mourão. Numa brincadeira, Napoleon disse que, se houvesse emprego na cidade, que ligasse a ele. E o destino se confirmou. Uma carta chegou as suas mãos falando sobre uma proposta de emprego em Campo Mourão. E ele aceitou. “Sou muito grato a família Mauro, família Joaquim Teodoro de Oliveira e Dr. Munir Karan”, revela. Sua chegada se deu em 1972. Trabalhava no antigo Hospital São José e morava num dos apartamentos do Hotel Santa Maria. Ficou por seis meses, até receber nova proposta, agora, para trabalhar em Boa Esperança.
Lá, cuidou sozinho de um hospital. Trabalhou muito, passando a investir também em terras. “Devo a minha vida e felicidade a Boa Esperança”, revelou. Permaneceu naquela cidade até meados de 1980, quando retornou a Campo Mourão. Foi aqui onde o médico casou, em 1987, com a engenheira Eumara, tendo dois filhos, Napoleão, 25 anos estudante de medicina, e a médica Natacha, 23 anos. Napoleon também trouxe sua outra filha, boliviana, a fisioterapeuta Shirley. Dela, nasceu o neto mourãoense, Diego, que também estuda medicina. Além de toda uma família mourãoense, Napoleon ainda colaborou para a vinda de dois irmãos bolivianos à cidade, o médico Wilfredo (Dr. Willy) e a anestesista Ana Maria.
Nas idas e vindas da vida, Napoleon aprendeu a amar Campo Mourão. Claro que ainda ama a terra natal, Capinota. No entanto, por várias vezes já pensou em deixar a cidade. Mas acabou descobrindo que só se é rei num único local. Atualmente, o médico continua a dedicar-se a medicina. É um dos sócios do Hospital Policlínica. Além disso, não deixou a agricultura. Possui terras agriculturáveis, mantendo um elo muito grande com o seu passado e, principalmente, com sua infância. Napoleon transformou-se num andino mourãoense. Seja bem vindo “gringo”.
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