quarta-feira, 18 de julho de 2012

Samuel sobreviveu às sarjetas


Dilmércio Daleffe
Há nove anos, Samuel Soares de Moura levava uma vida normal, sem muitas tempestades. Tinha mulher, quatro filhos e emprego. Não era nenhum anjo e gostava de beber, como ele mesmo diz, socialmente. No entanto, ainda sem saber os verdadeiros motivos, da noite pro dia perdeu tudo. A esposa o abandonou. A vaga de servente na construção civil se foi. Para piorar, a mãe morreu. O álcool então passou a acompanhá-lo. Adotou as ruas como sua casa e o paraíso de antes, transformou-se no inferno de sua vida. Samuel virou mendigo nas avenidas de Campo Mourão. Dormia ao relento e se alimentava quando lembrava. Entregue ao alcoolismo, buscou o consolo das sarjetas. Só não morreu porque alguém o salvou.   
Nascido em Campo Mourão, Samuel tem hoje 41 anos. Veio de uma família simples, de trabalhadores modestos. Eram cinco irmãos. Trabalhou na roça, foi balconista e, inclusive, ajudou pessoas enquanto monitor do albergue da cidade. Mas quis o destino que ele também precisasse ser ajudado. E foi assim, num dia de verão, quando Adão, um pastor, o estendeu a mão. Samuel estava perdido pelas ruas, embriagado, em busca de mais uma dose. Os dois então conversaram. Samuel decidiu “ajudar-se” na casa de apoio do pastor. Hoje, faz seis meses que parou de beber. Transformou-se num membro da igreja e arrependeu-se do passado.    
Samuel ainda lembra dos dias de terror. Bebia diariamente, desde as seis horas da manhã. Parava apenas quando desmaiava. Sem comer, ficava fraco. Quase não levantava. O relaxo moral, também era refletido fisicamente. Barba e unhas por fazer, quase não tomava banho. Pra quê? Perguntava-se. Humilhado com freqüência, pedia comida pelas esquinas. Basicamente, não tinha mais noção da realidade. Queria e desejava apenas beber. Sempre mais uma dose.
Num dia como tantos outros, ainda atordoado pela bebida, atravessou a rua sem perceber. Foi colhido por um veículo. Teve ossos expostos nos dois braços, além de cortes em grande parte do corpo, inclusive na cabeça. Por pouco não morreu. Soube do acidente apenas noutro dia, quando acordou no hospital. O álcool estava matando Samuel. Ele até sabia. Não tinha esperanças em mais nada, muito menos em Deus.
Com o tempo fez amizade com seis pessoas da rua. Duas delas já morreram vítimas de cirrose. Todas se ajudavam mutuamente, desde a sede pelo vício, até no frio das noites. Mesmo no inferno encontra-se gratidão. Dormiam sob marquises de construções, dividiam a mesma cachaça e cobriam-se com o mesmo cobertor. Juntos passavam fome e amarguravam os desejos de uma vida ao avesso. Uma ternura difícil de entender, mas de imensa nobreza entre viciados. Todo sofrimento enfrentado ainda não foi capaz de matar o futuro de Samuel. “Deus me acompanhou por todos estes momentos e eu não sabia”, afirmou. Ele agora o encontrou. Samuel está de volta à vida.     
   

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