terça-feira, 10 de julho de 2012

Ademar vive entre as cinzas


 
Dilmércio Daleffe

A vida definitivamente não foi generosa com Ademar Alves Martins. Aos 57 anos e com fortes dores na coluna, não fosse a bengala, não andaria. Está encostado pela previdência, ganhando um salário ao mês. Junto a sua companheira, Doralice, de 55 anos, têm dois filhos pequenos, Leandro e Leonel, de 13 e 11 anos. Diante à precariedade, comida não falta. Mas também não sobra. Para piorar, não tem casa. A família mora sob um teto improvisado, onde um dia foi a Campo Peixe, uma empresa já desativada, mas num terreno público. Adentraram ao local numa espécie de invasão. Sem ter onde morar fizeram dali sua casa, seu lar. Mas o cenário é surreal. Não parece verdade. Ademar, a mulher e as duas crianças vivem entre as cinzas de um prédio já incendiado. Um imóvel certamente condenado, com as paredes ainda escuras do fogo. Ali, até parece que Deus não existe. Tudo é desilusão.

Nascido em Salinas, Minas Gerais, Ademar veio com os pais e outros nove irmãos ao Paraná ainda aos três meses de vida. Deixaram as “minas” em busca de novas perspectivas na poeira vermelha. Mas aqui Ademar não teve ajuda do destino. A vida sempre foi sofrida, dura. Com pouca escolaridade, não teve muitas oportunidades. Acabou na rua, catando papel. Antes disso, mudou-se para uma comunidade conhecida como Km 28, também em Campo Mourão, onde colheu mandioca por alguns anos. O trabalho contribuiu para as dores na coluna enfrentadas ainda hoje. Ele está preocupado. 



Mas há dez anos recebeu o convite para trabalhar e morar onde está hoje – ao lado de um pesqueiro, numa propriedade rural pertencente ao município. E dali não saiu mais. O local é da prefeitura e foi “esquecido” há cerca de dez anos, depois que a Campo Peixe foi desativada. Vândalos aproveitaram a falta de zelo e atearam fogo ao prédio principal. Mesmo assim, o imóvel passou a ser a residência da família. As promessas de prosperidade com trabalho naquelas terras jamais se concretizaram. “Eu não invadi nada. Fui convidado a morar e trabalhar aqui”, informou. 

Mas confusões à parte, o fato é que a família continua a morar num ambiente inóspito, inadequado a seres humanos. O cheiro das cinzas, do queimado, ainda é forte. As crianças nem sentem mais, uma vez que cresceram ali. Mas o drama não é só este. Como improvisaram o local, chuveiro não existe. Tomam banho precariamente com a água do rio num balde e numa tigela rasa. Tudo em meio à cozinha. A reportagem demorou a acreditar no drama vivido por Ademar e pelas crianças. Eles precisam de uma casa.

Crente em Deus, o pai acredita que a situação irá melhorar. Ainda tem esperanças em dias melhores. Os dois meninos freqüentam a escola diariamente. Mas quando ficam em casa, gostam de assistir TV. Num resto de sofá, as crianças ficam deitadas sob uma coberta suja e surrada. Quase não têm brinquedos. Com os rostinhos marrons de terra, passam a infância sem vaidades. Não escondem-se da realidade. Parecem não ter vergonha da situação. São inocentes como anjos. Leonel, o mais novo, disse ter um sonho. Gostaria de ser motorista de caminhão e, um dia, ter um carro. “Mas vou trabalhar mesmo na construção civil. Já desisti do meu sonho”, afirmou. O menino nem cresceu, mas já perdeu a esperança de seu próprio futuro. 

A família sobrevive de angústias. Sem perspectivas, vive cada um de seus dias como se o destino já estivesse traçado. Como uma espécie de predestinação absoluta. Ademar é um homem tranqüilo. Fala baixinho, num tom de paz. Disse que já pediu uma casa, mas nunca foi atendido. Sorri ao dizer que as necessidades fisiológicas da família acontecem no mato. Eles não possuem banheiro, muito menos água encanada. Vivem em condições subumanas. Em dias de frio, a casa congela. Todas as janelas estão improvisadas com panos e tábuas. Muitos são os buracos, mas poucas as cobertas.

Ademar anda preocupado. É que, segundo ele, dia desses um homem apareceu por lá dizendo ser um oficial de justiça. Deu prazo para desocupar a casa. Mas ele não tem pra onde ir. Se a família vive entre as cinzas, como teria condições de mudar e ainda pagar aluguel? O sofrimento continuará. Como já descrito anteriormente, a vida nunca foi generosa com Ademar.

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