segunda-feira, 30 de julho de 2012

Parque industrial está na UTI

Falta de investimentos e de uma fiscalização eficaz levam parque industrial de Campo Mourão a cenário de caos

Cintia Sindesky e Dilmércio Daleffe 

Mato já tomou prédios abandonados



Falta de pavimentação, prédios abandonados, problemas de iluminação e mato. Muito mato. Este é o quadro atual do Parque Industrial Augusto Tezelli Filho, em Campo Mourão. Criado em meados de 1990, o complexo continua gerando empregos. No entanto, os números poderiam ser maiores se os terrenos baldios se transformassem em empresas. Ao todo, o complexo mantém 81 imóveis. Mas 14 deles estão abandonados, a mercê da natureza. São quase 60 mil metros quadrados inutilizados. Atualmente o local mantém indústrias dos ramos de alimentos, vestuário, materiais elétricos e construção civil.   

Há 19 anos instalado no Parque Industrial, o empresário e proprietário de uma marmoraria, Luiz Roberto Cardoso, conta que antes existiam mais unidades no local. No entanto, muitas delas acabaram falindo ou, simplesmente, indo embora. Como conseqüência restaram terrenos e estruturas abandonadas.  De acordo com Cardoso, a solução ideal seria ceder terrenos a novos empresários. Ele informa que muitos conhecidos já demonstraram interesse em adquirir tais espaços.

Mas não é só isso que assusta Cardoso. A insegurança também é grande. No último assalto sofrido pela empresa, há dois anos, todo o estoque de máquinas foi levado, causando um prejuízo de aproximadamente R$18 mil. Problemas com iluminação e trevo de acesso também foram diagnosticados pelo empresário.

De acordo com o secretário de Desenvolvimento Econômico de Campo Mourão, Alcione Jacob, a falta de uma fiscalização eficaz, desde a implantação do parque, permitiu que os problemas surgissem. Segundo ele, uma das metas da atual gestão era realizar a revitalização total do complexo. No entanto, apenas as empresas que abandonaram os terrenos foram notificadas. Cabe a elas agora construir ou devolver o imóvel à prefeitura. “O problema é mais complexo que pensamos”, admite Jacob. Um dos terrenos pertencentes a uma antiga olaria foi impedido de ser aproveitado. É que, devido a questões trabalhistas o espaço acabou indo a leilão.

Algumas estruturas estão até mais bonitas, cheias de verde

Jacob explica que as empresas notificadas – no caso dos terrenos abandonados - que desejarem construir e usufruir do espaço terão que iniciar as construções ainda este ano. “Ano que vem nós já poderemos notar uma mudança bastante significativa do parque”, garante. Quanto à fiscalização dessas construções, o secretário afirma que há um prazo até que se realize o projeto e limpeza do terreno. Após aprovação do projeto o empresário terá um prazo de quatro meses para iniciar a construção e dois anos para terminá-la.

Os imóveis sem uso, cujos proprietários não tenham intenção de reconstruir, devem retornar as mãos municipais. “Alguns até passaram o terreno para frente, sem o conhecimento da prefeitura. A lei é clara: se você quiser vender, você pode. Mas o município tem que ter conhecimento sobre o processo” afirma o secretário. Ele também reconhece que muitas transferências foram feitas sem a carta de anuência obrigatória.

Além dos terrenos e prédios abandonados, a falta de asfalto dificulta o acesso às empresas, causando diversos transtornos. Jacob diz que no projeto de revitalização do parque, está previsto a realização das melhorias. “Durante esses quatro anos a gente não conseguiu [melhorar] ainda, por causa desses problemas”, lamenta o secretário. Ele ainda ressalta que “a situação do parque hoje não é tão grave como aparenta.”

Mas não é o que os empresários dizem. “A estrutura do parque industrial deixa muito a desejar”, comenta Cardoso. Ele acredita que falta incentivo por parte do poder público e que os terrenos abandonados são uma amostra disso. “Tem empresas abandonadas que viraram residências de antigos funcionários. Ali poderiam existir novas indústrias”, lamenta.

O presidente da Associação do Parque Industrial, o empresário Marcelo de Mello Nogueira, destaca que novas empresas deveriam se instalar no parque, ocupando os terrenos abandonados e colaborando para o desenvolvimento e geração de empregos. “Se não tem empresa para ocupar agora, então que o município as encontre”, diz.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Rodoviárias: Estações da agonia

Prédios antigos com muitas infiltrações. Banheiros sujos e sem papel. Acomodações precárias sem um mínimo de conforto aos passageiros. Num resumo geral, este é o quadro dos terminais da região de Campo Mourão, pelo menos em sua maioria. E isso ainda quando existe uma rodoviária. Em algumas cidades, elas simplesmente não existem. São meros pontos nas calçadas, ou até improvisações em panificadoras. Se isso não bastasse, o que dizer então da insegurança dos terminais. Na maioria das estações visitadas a figura de um simples vigilante não foi encontrada. Em Barbosa Ferraz, por exemplo, a guarda vespertina é realizada por “Zezinho”, um simpático cão vira-latas adotado pelos dois únicos comerciantes da estação. Na região verificou-se de tudo um pouco. Cidades sem terminais e sem ônibus, como em Mato Rico. E até com rodoviárias, mas sem coletivos, como em Boa Esperança. Salvo raras exceções, os terminais estão transformando-se em estações da agonia.  
Por: Ana Carla Poliseli, Clodoaldo Bonete, Cíntia Synderski, Dilmércio Daleffe, Tayenne Carvalho e  Walter Pereira

Cães vadios, bares e falta de reformas marcam terminal de Campina da Lagoa

O mais novo terminal da região está em Luiziana. Inaugurado em 2008, o local era para servir como exemplo. Mas não foi bem isso que a reportagem encontrou. Além da sujeira nas paredes e, principalmente, nos banheiros, viu-se muito papel pelo chão. No banheiro masculino todas as lâmpadas estavam queimadas. Fora isso, o mau cheiro explicava o pedido na parede: “favor manter a porta fechada”. O local não tinha papel, a pia estava entupida e o chão imundo. Segundo informações quem faz a limpeza são duas mulheres, a dona da lanchonete e a vendedora de passagens. Pela ausência de vigilantes, são elas inclusive, quem fecham  a rodoviária. Segundo uma das trabalhadoras, a prefeitura foi avisada há mais de um mês sobre as lâmpadas. Mas, segundo declarou a assessoria do município, a prefeitura não havia sido informada sobre a necessidade da troca das lâmpadas. Sobre a pintura, o município informou que os serviços já estão programados. Mas tirando os problemas, os passageiros conseguem embarcar e desembarcar sem maiores transtornos.
Em 1982, durante o governo Ney Braga, uma série de municípios paranaenses foram beneficiados com um único modelo de rodoviária. Na região, muitos mantém o prédio até hoje, como Iretama, Fênix e Barbosa Ferraz. Embora seja uma edificação com 30 anos, o projeto ainda é bastante usual. O modelo, embora pequeno, beneficia os passageiros. A maioria engloba uma lanchonete, guichês de passagens, bancos e cadeiras, além de um saguão protegido com vidros. Nos dias de chuva e frio é que se nota sua utilidade. Além disso, a área de embarque e desembarque possui telhado até o coletivo.
Nos casos de Barbosa Ferraz e Fênix, as estruturas estão a pleno vapor. Mas pequenos detalhes geram a ira da população. Os banheiros, apesar de razoavelmente limpos, não possuem papel. Fora isso, algumas goteiras são visíveis no banheiro masculino de Fênix. Em Barbosa Ferraz até uma televisão foi colocada no saguão. Tudo para o conforto dos passageiros. Além disso o local também possui o serviço de guarda volumes ao preço de R$1. Mas como nem tudo são flores, mais uma vez a reclamação quanto ao cheiro dos banheiros foi evidenciada. Nos finais de semana o local não é limpo. Então até a segunda-feira, o cheiro acumulado é catastrófico.  
Lugar desolador
Para quem chega pela primeira vez à rodoviária de Campina da Lagoa, a imagem não é das melhores. O cenário é desolador: bêbados, música alta, bares, jogatina. Desde sua fundação em 1973, os comerciantes garantem que o local nunca passou por uma reforma. Para Maria Aurora Caetano o local é sujo e, quando chove, fica pior. O aposentado Pedro Barakat disse que de noite, é um perigo passar por ali. Segundo ele, o local se transforma em praça de bêbados e maconheiros. De uma forma geral, o terminal mostra insegurança, falta de estrutura e organização. De acordo com a prefeitura, na época em que a rodoviária foi construída cada bloco foi comprado pelos comerciantes, que passaram a ser os responsáveis pelo prédio.
Bêbados e mendigos
A rodoviária de Engenheiro Beltrão oferece local fechado aos passageiros. Em dias de frio, há bancos suficientes na sala de espera. Bares e lanchonetes oferecem o básico para ‘matar a fome’. À primeira vista parece perfeito. No entanto, o problema começa quando o passageiro dá a volta e precisa entrar nos banheiros. “Não é limpinho não. Além disso, eu sempre peço papel para as lojas que tem perto, porque sei que lá no banheiro não tem nada”, diz a pensionista Maria Circe. Como fica ao lado da praça, o terminal é usado como ‘casa’ dos mendigos. Nas paredes cobertas e colchonetes demonstram que alguma coisa não está certa. “Agora esse é um problema sem tamanho. Alguém tinha de ter uma solução. Bêbados e mendigos fazem sujeira nos banheiros e até nas paredes do lado de fora”, comentou um pioneiro da cidade que pediu para não ser identificado.
Vândalos
Em Peabiru, a principal reclamação dos usuários da rodoviária é a falta de um espaço fechado para aguardar a chegada dos ônibus. Embora haja uma área coberta com bancos destinada a esse fim, o espaço é aberto nas laterais, sujeito ao frio e a chuva. A solução seria simples e foi adotada em Engenheiro Beltrão: duas portas de vidro isolando a sala de espera. Tirando o frio, quem frequenta a estação também tem críticas ao estado do banheiro, principalmente o masculino. Trincos quebrados, piso encardido e falta de tampas nos vasos. O problema segundo Geraldo Firmino Luiz, há oito anos zelador dos banheiros, é que parte da população destrói o que deveria ser para todos. “A gente lava duas vezes por dia, mas não consegue vencer. Eles jogam o papel por todo o banheiro, usam as paredes como privada e quebram trincos e roubam válvulas de descarga. Falta educação e respeito com quem trabalha aqui”, lamenta.
Mamborê
“O terminal de Mamborê está precisando de uma boa reforma”, afirma Jaci dos Santos. Inaugurado em 2000, o prédio já passou por reformas anteriores. Mas as infiltrações persistem no imóvel. Estão por todo lado. Os banheiros também estão deteriorados. Um vigia da prefeitura cuida do local. Segundo Jaci, poucas pessoas utilizam a rodoviária. A movimentação de passageiros é escassa.
Insegurança
Em Janiópolis, o terminal rodoviário foi inaugurado há nove anos. Desde então passou por apenas uma reforma. No local, o principal problema tem sido as goteiras. A falta de segurança é outra preocupação. Elias Cristóvão da Silva, 75, que o diga. Ele já teve sua lanchonete arrombada por duas vezes. Foram mais de R$300 em prejuízos. “Já cobrei a prefeitura sobre a segurança, mas não providenciaram um vigia”, reclamou. Fora isso, a rodoviária de Janiópolis, tem uma boa aparência. Conta com banheiros públicos gratuitos, orelhão, duas lanchonetes e saguão com assentos. Tudo em perfeito estado de conservação e funcionamento. O prédio também foi pintado há cerca de 15 dias.
Moço, onde é a rodoviária?
Terminal de Altamira resume-se a duas cadeiras do lado de fora

As cidades da região de Campo Mourão poderiam ser divididas em duas: as com e as sem rodoviárias. Em Corumbataí do Sul, por exemplo, o terminal resume-se a uma panificadora. Lá, a população se da ao luxo de pagar a passagem junto ao pãozinho. João Gonçalves de Melo foi encontrado em meio a rua Tocantins, número 170, em frente a uma padaria, na área central de Corumbataí do Sul. Ele não estava lá a toa, não. Esperava um ônibus com destino a Barbosa Ferraz. Acontece que a cidade não tem rodoviária. Quem vende os bilhetes é Rose Paulo, a dona da padaria. Assim, os passageiros passaram a embarcar e desembarcar no seu próprio comércio. A situação é tão peculiar que as passagens são pagas junto aos pãezinhos. “Há dois meses passei a vender os bilhetes. Ganho porcentagem. Além disso, o meu movimento aumentou um pouco. Estou contente”, disse. Até o banheiro da panificadora passou a ser utilizado pelos passageiros. 
Corumbataí é uma das menores cidades da região e, por este motivo, ainda não possui um terminal. Tanto é verdade que, segundo Rose, vez em quando o ônibus passa vazio, sem ninguém. Mas com ou sem terminal, João continuará a desembarcar na padaria todos os domingos de sua vida. É que nesse dia ele vem de Barbosa para visitar a mãe. Para ir e voltar não gasta mais de R$7. Preço de pinga.  
Situação semelhante acontece em Altamira do Paraná. Lá, a antiga rodoviária foi desativada há quase dez anos. Hoje, os passageiros são forçados a embarcar na área central, exatamente em frente ao local onde os bilhetes são vendidos. Quatro cadeiras ficam do lado de fora, na calçada. Outras oito no interior do guichê. Até um banheiro existe para seus usuários. Edson Cardoso dos Santos é o responsável pela venda das passagens. Segundo ele, a cidade necessita sim de um novo terminal. Em dias de chuva, os passageiros acabam se molhando.    
Em Araruna quando se pergunta onde fica a rodoviária, a resposta é sempre a mesma: ‘Depende, para onde você vai?’ Pode parecer estranho, mas os passageiros com destino a cidades da região precisam comprar o bilhete em uma porta ao lado de um bar. Para cidades mais distantes, a passagem é comprada direto numa lanchonete, uma quadra depois. Até dois anos atrás, a cidade contava com um espaço próprio, na saída para Peabiru. Hoje o local está cedido para a Polícia Militar e o Conselho Tutelar. “Essa situação é péssima. A gente espera em pé. No meio da rua”, ressalta a aposentada Maria Aparecida Gonçalves Leal.
Sem terminal e sem ônibus
O pior acontece em Mato Rico, onde não existe terminal e muito menos empresas de transporte de passageiros. Com pouco mais de três mil habitantes, a cidade está isolada do restante da região devido à estrada ainda de terra. Roncador, a 22 quilômetros é o município mais próximo. Por esse motivo, nenhuma empresa de ônibus tem interesse em manter linha na cidade. O morador que deseja viajar e não dispõe de carro depende de um ônibus particular, que mantém linha para Roncador e Pitanga. Mas os horários são escassos: para Pitanga, sai às 07h30 e para Roncador, às 8 horas, com retorno às 15h25 e 12h30, respectivamente.
“O problema aqui é que nenhuma empresa tem interesse em manter linha, pela falta de rodovia de acesso”, disse Ivan Ortiz, Secretário de Finanças do município. Em média, segundo ele, os ônibus particulares que atendem as necessidades dos moradores, transportam pelo menos 20 pessoas diariamente para Roncador e Pitanga. “A maioria viaja com fins de comércio para Pitanga ou Roncador”, afirma
A falta de ônibus passando pela cidade, levou Genilton Pereira dos Santos, 53 anos, a transformar seu carro em um táxi. Ele faz de duas a quatro corridas por dia. Uma viagem para Roncador, ele cobra R$ 55,00. Mas a maioria das solicitações é de moradores da área rural que precisam vir a cidade, principalmente para consultas médicas. “São muitas pessoas que me procuram porque precisam vir consultar no médico.
Um terminal sem ônibus
Em Boa Esperança os moradores vivem um dilema. Contam com uma rodoviária, linha de ônibus, mas não podem utilizar o serviço. A empresa responsável pela concessão da linha não envia ônibus há cerca de cinco anos dentro da cidade. Segundo usuários, o motivo é o baixo número de passageiros. E quem precisa viajar depende de carona ou de carro próprio. “É um absurdo o que acontece na nossa cidade”, reclamou o caminhoneiro Orlando Paiva Braga. Ele até disse que se a empresa liberasse a linha, compraria um microônibus para o transporte dos passageiros. Apesar do imbróglio, a cidade conta com um pequeno terminal rodoviário. O local tem banheiros e lanchonete.
Pequenos, mas organizados
Rodoviária de Juranda: Zelo, organização e até lustres com estilo 

Em Juranda a população não tem do que reclamar. O terminal é impecável. Saguão coberto, com assentos aos usuários, todo pavimentado e paredes azulejadas. Até lustres enfeitam a construção. Estrutura melhor impossível. Mesmo com 15 anos, o prédio foi reformado no início deste ano. Conta até com restaurante. No local ainda funciona a Associação Comercial do município. A limpeza é visível. Os banheiros, tanto feminino quanto masculino são até cheirosos. Nenhuma folha ou lenço no chão. Para assegurar a conservação, a prefeitura deixa um vigia toda noite no terminal.
O terminal de Quinta do Sol resume-se a três portas: lanchonete, lojinha de artesanatos e guichê. Nada mais. Ônibus baixos param em frente às três. Coletivos maiores ficam na rua. Em dias de chuva os passageiros têm que se virar. Fora isso apenas um único banco acomoda os seus usuários. A lanchonete também oferece algumas cadeiras. Os banheiros são cuidados há 20 anos pelo dono do bar, José Alexandre Oliveira Neto. Eles estavam em ótimo estado.  
Em Iretama o terminal recebeu melhorias. “Ficou muito melhor”, elogia o agricultor Antonio de Oliveira. Entre as principais reformas estão cadeiras confortáveis, reformas de banheiro, inclusive com espaço exclusivo para pessoas com deficiências. Até a pintura é nova. “Hoje está muito melhor, bem mais arrumada. Trabalho há seis anos aqui e era muito complicado. As pessoas sofriam”, destaca o responsável pela lanchonete que não quis ter o nome divulgado.
O prédio ganhou nova pintura, piso de azulejo, melhorias nos banheiros e vidros novos nas portas do terminal de Roncador. A lanchonete também foi reformada. Os taxistas agradecem: “Trabalho há 20 anos de taxista nesta rodoviária e nunca tinha visto uma reforma dessa. Ficou muito bom mesmo. Os bancos nem davam para sentar, diz o taxista José Leite da Silva Filho.
Em Farol pode-se dizer que a rodoviária está bem “equipada”. Inaugurada no final de 2002, o terminal oferece banheiros públicos e telefone público. Isso sem falar em outros confortos, como cobertura e saguão de espera com assentos. A limpeza e conservação do espaço também chamam atenção. Apesar de uma estação “apertada”- o prédio divide espaço com o Detran, Correios e Sindicato Rural do município -, os moradores dizem não ter do que reclamar. Um vigia da prefeitura cuida da segurança no local durante a noite.
Campo Mourão tem estação como exemplo
O Terminal Rodoviário Estanislau Gurginski, em Campo Mourão, foi inaugurado há 12 anos. O prédio é público, mas a administração é feita por uma empresa terceirizada. A estrutura, em dois andares está bem mantida, com locais cobertos para a espera e embarque. Os bancos são bem conservados e até televisão existe para quem está aguardando. Duas lanchonetes encontram-se no piso superior. Os banheiros estão em boas condições, mas é a única cidade da região em que o uso é cobrado: R$0,50. A tarifa isenta crianças, pessoas acima de 60 anos, deficientes físicos e pessoas que não tem condições para pagar. De acordo com a gerência, o valor é cobrado para manter a limpeza e os produtos usados.  

terça-feira, 24 de julho de 2012

Pedro, o homem sem sombra

Pedro teve uma história de sofrimento. Perdeu a família e nunca mais viu as filhas. Ficou sozinho no mundo. Foi acolhido pela mãe, duas irmãs e uma sobrinha. Todas morreram. Jogado às ruas, tornou-se alcoólatra e indigente. Como um verdadeiro mendigo, Pedro perdeu até sua sombra.


Dilmércio Daleffe
Pedro Olegário da Silva Borges já foi o cara. Teve bons empregos, casa, família, felicidade. Trabalhador desde os tempos em que era criança, orgulha-se de sua trajetória. Mas o destino foi cruel demais. Pregou-lhe algumas peças difíceis de acreditar. Tanto sofrimento acabou por destruí-lo. Sem casa, família e emprego, Pedro foi convidado às ruas. Tornou-se indigente. Dormia sob marquises e bebia diariamente. Jogou-se no abismo do álcool. Pedro até entende o que aconteceu. Só não admite as mortes pelas quais passou. Todos a quem recorreu acabaram morrendo. Um relato inacreditável. 
Muitas são as histórias, mas poucas como as de Pedro. Seu drama começou por volta de 2002, época em que morava e cuidava da mãe de 88 anos. Naquele tempo, já havia tido duas mulheres e, consequentemente, duas filhas, uma com cada companheira. Mas quis a vida que Pedro se desprendesse dos relacionamentos. Nunca mais viu as filhas. A mãe estava muito doente, mas era ela quem acolheu o filho. Pedro fazia pequenos bicos e mal tinha renda para se manter. A mãe morreu no mesmo ano. O filho ficou sozinho no mundo.
Foi então que uma irmã, Tereza, solidária com a situação de Pedro, o convidou para morar em sua casa. Numa residência simples, sem luxo, ele permaneceu por dois anos. Mas Tereza caiu doente e morreu em 2004. Angustiado, até quis ir embora, mas a sobrinha, Ana Sila, insistiu que ficasse na casa. Ainda solteira, aos 40 anos, a moça também ficou enferma, vindo a morrer em 2006. Pedro não acreditou no que acontecia. Era sua sina. “A maldição de Pedro Borges”.       


Novamente sozinho Pedro foi, agora, chamado a morar com a irmã mais velha, Dinaura, em Luiziana. Ficou na cidade apenas dois anos. Em 2008, a irmã faleceu. Mais uma vez, quem socorreu Pedro acabou morrendo. A sina continuava. Ele retornou a Campo Mourão, trabalhando como caseiro em pelo menos duas chácaras. Os empregos não duraram. Passou a fazer bicos, como limpar terrenos baldios. Mas sem casa e sozinho, o mundo deu as costas a Pedro. Desanimado, caiu definitivamente pelo álcool.
Passou a beber pelas manhãs. À tarde, já estava em outra dimensão. Esqueceu-se das horas e não mais se preocupou em dormir. Até banho não tomava. Pedro havia perdido até sua própria sombra. Não tinha auto estima, muito menos compaixão de si mesmo. Deixou a barba crescer, suas roupas transformaram-se em trapos e, até os cães de rua eram melhor tratados. Muitas foram as humilhações, conta ele. “O banco da praça era meu escritório”, disse.    
Pedro jamais estudou. Hoje, aos 59 anos, mostra as mãos calejadas pelo trabalho. Já fez de tudo. Mesmo não gostando de lembrar do passado, admite que foi um tempo de sofrimento. Sua decadência moral durou menos de dois anos. Foi quando se esqueceu de Deus. Ia a igreja apenas para dormir em suas escadarias.
Mas nem tudo dura para sempre. Hoje, depois de receber ajuda, saiu das ruas. Está bem vestido, com astral elevado. Há mais de 90 dias não ingere álcool. Depois de uma aventura sem igual, disse com a voz amarrada que gostaria de rever as filhas. Uma tem 35 e a outra 30. Faz mais de 20 anos que não as vê. “Eu devo ter netinhos e não os conheço”, disse. O destino é mesmo incerto. Depois de tudo o que passou, Pedro sobreviveu. Quem terá coragem em dizer que não encontrará seus netos?       

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Filhos de Alexandre ficaram sem presentes


Dilmércio Daleffe

Com medo e ainda assustado, ele preferiu não se identificar. Deu apenas o primeiro nome, Alexandre. Na noite da última terça-feira, dia 17 de julho, foi uma das 40 vítimas de mais um assalto a ônibus na região de Campo Mourão. Conta que dormia quando o coletivo foi abordado de madrugada por bandidos armados. Estavam na rodovia entre Peabiru e Campo Mourão. Quando percebeu, já era assaltado.

Aos 37 anos, Alexandre é uma pessoa bem esclarecida. Mantém um comércio na cidade de São Paulo desde os seus 21. Trabalha com roupas. Mas aproveitou as férias de julho para ir até o Paraguai, num ônibus de linha, a fim de comprar presentes à família. “Tenho dois meninos. Juntei R$1,2 mil e queria ir até Cidade de Leste para levar brinquedos a eles”, disse.

Mas o sonho acabou no meio do caminho. O dinheiro foi levado por mãos agressivas. Mãos leves. As crianças ficaram sem os presentes. Junto aos demais passageiros, Alexandre foi humilhado, sendo obrigado inclusive, a ficar apenas de cueca preso no bagageiro do coletivo. A madrugada marcava oito graus. Um frio absurdo, para uma cena absurda.      

Esta seria a primeira vez que Alexandre se dirigia até o Paraguai com um ônibus. “Nunca mais viajarei de coletivo até lá. Se precisar, irei de avião”, diz. Católico e fiel a Deus, acredita estar vivo graças a uma ação divina. “Eles não agrediram e também não ameaçaram ninguém. Mesmo assim, não foi fácil”, disse. Como já descrito, os dois filhos de Alexandre ficaram sem os brinquedos. Mas ganharam o pai.        

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Samuel sobreviveu às sarjetas


Dilmércio Daleffe
Há nove anos, Samuel Soares de Moura levava uma vida normal, sem muitas tempestades. Tinha mulher, quatro filhos e emprego. Não era nenhum anjo e gostava de beber, como ele mesmo diz, socialmente. No entanto, ainda sem saber os verdadeiros motivos, da noite pro dia perdeu tudo. A esposa o abandonou. A vaga de servente na construção civil se foi. Para piorar, a mãe morreu. O álcool então passou a acompanhá-lo. Adotou as ruas como sua casa e o paraíso de antes, transformou-se no inferno de sua vida. Samuel virou mendigo nas avenidas de Campo Mourão. Dormia ao relento e se alimentava quando lembrava. Entregue ao alcoolismo, buscou o consolo das sarjetas. Só não morreu porque alguém o salvou.   
Nascido em Campo Mourão, Samuel tem hoje 41 anos. Veio de uma família simples, de trabalhadores modestos. Eram cinco irmãos. Trabalhou na roça, foi balconista e, inclusive, ajudou pessoas enquanto monitor do albergue da cidade. Mas quis o destino que ele também precisasse ser ajudado. E foi assim, num dia de verão, quando Adão, um pastor, o estendeu a mão. Samuel estava perdido pelas ruas, embriagado, em busca de mais uma dose. Os dois então conversaram. Samuel decidiu “ajudar-se” na casa de apoio do pastor. Hoje, faz seis meses que parou de beber. Transformou-se num membro da igreja e arrependeu-se do passado.    
Samuel ainda lembra dos dias de terror. Bebia diariamente, desde as seis horas da manhã. Parava apenas quando desmaiava. Sem comer, ficava fraco. Quase não levantava. O relaxo moral, também era refletido fisicamente. Barba e unhas por fazer, quase não tomava banho. Pra quê? Perguntava-se. Humilhado com freqüência, pedia comida pelas esquinas. Basicamente, não tinha mais noção da realidade. Queria e desejava apenas beber. Sempre mais uma dose.
Num dia como tantos outros, ainda atordoado pela bebida, atravessou a rua sem perceber. Foi colhido por um veículo. Teve ossos expostos nos dois braços, além de cortes em grande parte do corpo, inclusive na cabeça. Por pouco não morreu. Soube do acidente apenas noutro dia, quando acordou no hospital. O álcool estava matando Samuel. Ele até sabia. Não tinha esperanças em mais nada, muito menos em Deus.
Com o tempo fez amizade com seis pessoas da rua. Duas delas já morreram vítimas de cirrose. Todas se ajudavam mutuamente, desde a sede pelo vício, até no frio das noites. Mesmo no inferno encontra-se gratidão. Dormiam sob marquises de construções, dividiam a mesma cachaça e cobriam-se com o mesmo cobertor. Juntos passavam fome e amarguravam os desejos de uma vida ao avesso. Uma ternura difícil de entender, mas de imensa nobreza entre viciados. Todo sofrimento enfrentado ainda não foi capaz de matar o futuro de Samuel. “Deus me acompanhou por todos estes momentos e eu não sabia”, afirmou. Ele agora o encontrou. Samuel está de volta à vida.     
   

terça-feira, 17 de julho de 2012

Ercílio só queria ser coveiro

Aos 40 anos de idade, Ercílio Costa ainda mantém um sonho: ser coveiro. Recentemente ele estudou e prestou concurso público para uma única vaga no cemitério. Não passou. Mas sua persistência é imensa. Ele não desistiu do cargo.



Dilmércio Daleffe
Ercílio Costa tem um desejo: ser coveiro. Um simples profissional do cemitério São Judas Tadeu, em Campo Mourão. Para isso estudou e fez o último concurso público da prefeitura. Existia apenas uma vaga de coveiro. E ele foi o único candidato inscrito. Mesmo assim não passou. É que zerou em matemática, impossibilitando a conquista da vaga. Ele só não entende porque precisa saber dos números para exercer a função. Afinal de contas, basta não ter medo, preparar o cimento e dedicar-se ao campo santo. Ficou decepcionado. Ercílio não vai desistir. No próximo teste irá participar novamente. “Quero a vaga a qualquer custo”, afirmou.  
Aos 40 anos de idade, Ercílio é um homem digno. Sua honestidade é visível e o caminho traçado por ele, certamente é do bem. Nasceu em Assis Chateaubriand, numa família de cinco irmãos. Chegou a Campo Mourão aos dez anos. O pai veio para trabalhar como caseiro em um sítio. E foi assim, na roça, quando permaneceu até seus 27 anos. Traz consigo até hoje a mesma inocência daquela época. Nota-se a pureza do sujeito. Ainda não tem casa própria e vive junto à esposa e aos filhos.  


Por coincidência do destino, na hora em que Ercílio chegou à entrevista no cemitério, um cortejo prestava suas últimas homenagens ao morto. Até ele achou esquisito. “É coincidência demais”, disse. Ele revelou não ter medo da profissão. Não acredita em assombrações. Pelo contrário. Diz que tem receio é dos vivos, uma vez que os falecidos não incomodam. Mas a história de Ercílio vai além. Seu sacrifício em querer a vaga de coveiro tem uma razão. E das boas.
Querendo oferecer uma vida melhor à família, Ercílio deseja fazer a faculdade de Educação Física. Mas para isso tem que ser coveiro. Ele explica que trabalha numa indústria da cidade já há mais de um ano. Ganha cerca de R$900, acorda às quatro da manhã e chega em casa exausto. Ou seja, não tem ânimo para freqüentar um curso superior à noite. Segundo ele, se passasse no concurso da prefeitura o salário seria praticamente o mesmo, mas com uma diferença: trabalharia menos, sobrando tempo e mais disposição.
A idéia de ser coveiro surgiu no concurso anterior. Ele descobriu que não havia candidatos à vaga. Então se inscreveu agora. “Eu venho lutando para melhorar de vida. Você não tem idéia”, disse. Ercílio batalhou em 2011 a ponto de concluir o segundo grau. Fez o terceiro ano mesmo exausto da rotina do trabalho. “Enquanto existe um sonho, vivemos em função dele. Mas quando o sonho acaba, parece que a vida deixa de ter graça”, afirmou. E é somente por esta razão a luta travada entre ele e sua persistência. O sonho de Ercílio ainda vive.         

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Maurílio buscava sua verdade


Dilmércio Daleffe
Maurílio Bruno da Silva sempre foi contestador. Morreu aos 49 anos de idade ainda duvidando da morte. Tinha uma personalidade marcante e jamais ficou sobre o muro. Era oito ou oitenta. Assim também eram as impressões sobre ele. Quem o conhecia o adorava. Ou o odiava. Conhecido pelo jeito descontraído sorria e brincava o tempo todo. Por muitas vezes se fazia de tonto. Mas era inteligente demais. No entanto, a felicidade que semeava entre os amigos e familiares acabou esbarrando no álcool. Bebeu o que não podia durante a vida inteira. E acabou pagando por isso. Há alguns dias foi encontrado já sem vida num terreno baldio no Lar Paraná. Horas antes estava medicado no Posto 24h. Como ele saiu de lá, ainda ninguém sabe.
Gozador da vida, Maurílio já fez de tudo um pouco. Foi até gerente do extinto Banco Nacional, em Campo Mourão. Lá cultivou inúmeras amizades, sendo reconhecido, inclusive, pelo seu lado humano. Mas cansado da rotina, buscou novas aventuras. Sempre foi destemido. Decidiu ganhar dinheiro no Japão e, por lá permaneceu dez anos. Voltou diferente. Adquiriu cultura, aprendeu a língua, conquistou sabedoria. Mas um dia o governo japonês o impediu de retornar. É que teria passado tempo demais por lá.
Maurílio sempre contava suas histórias. Lembrava como conseguiu a amizade de seu melhor amigo japonês. Dizia que o cara era insuportável. Dono de bar, odiava vender bebida a estrangeiros. Mas a insistência de Maurílio para tomar umas e outras, acabou abalando o coração do “japa”. Ele jamais esqueceu do sujeito. Ficaram muito amigos, daqueles pra se guardar pra sempre.  
De volta ao Brasil, e ainda, sem poder retornar ao Japão, Maurílio parou de trabalhar. Vivia ao lado da mãe, dona Anézia. Recusava-se a encarar uma jornada e ganhar tão pouco. Dizia que o Brasil era injusto, um país que escravizava sua gente. Com o tempo, passou a beber mais e mais, prejudicando a própria saúde. No último ano, deu um tempo ao álcool e parou com a bebida. A família e os amigos aplaudiram a iniciativa. Mas o vício foi mais forte. Voltou a beber em seguida. Praticamente todos os donos de bar no centro da cidade eram seus amigos.
Maurílio escapou da morte por pelo menos duas vezes. Foram dois violentos acidentes de carro, quando arrebentou todo o corpo. Mas, mesmo quebrado no hospital, sorria o tempo inteiro, fazendo piadas com as enfermeiras e os vizinhos de quarto. Na época, nem ele mesmo acreditava que havia sobrevivido.  
Contudo, Maurílio sempre buscou suas verdades. Talvez tenhas as encontrado, não se sabe. Mas espirituoso, inteligente e fanfarrão, marcou a vida de quem o conheceu. Ele sempre foi ele mesmo. Nunca fez tipo ou dramalhões. Era um cara modesto, com boas histórias por contar. Maurílio deixou uma filha e um rastro infinito de saudades.              

terça-feira, 10 de julho de 2012

Ademar vive entre as cinzas


 
Dilmércio Daleffe

A vida definitivamente não foi generosa com Ademar Alves Martins. Aos 57 anos e com fortes dores na coluna, não fosse a bengala, não andaria. Está encostado pela previdência, ganhando um salário ao mês. Junto a sua companheira, Doralice, de 55 anos, têm dois filhos pequenos, Leandro e Leonel, de 13 e 11 anos. Diante à precariedade, comida não falta. Mas também não sobra. Para piorar, não tem casa. A família mora sob um teto improvisado, onde um dia foi a Campo Peixe, uma empresa já desativada, mas num terreno público. Adentraram ao local numa espécie de invasão. Sem ter onde morar fizeram dali sua casa, seu lar. Mas o cenário é surreal. Não parece verdade. Ademar, a mulher e as duas crianças vivem entre as cinzas de um prédio já incendiado. Um imóvel certamente condenado, com as paredes ainda escuras do fogo. Ali, até parece que Deus não existe. Tudo é desilusão.

Nascido em Salinas, Minas Gerais, Ademar veio com os pais e outros nove irmãos ao Paraná ainda aos três meses de vida. Deixaram as “minas” em busca de novas perspectivas na poeira vermelha. Mas aqui Ademar não teve ajuda do destino. A vida sempre foi sofrida, dura. Com pouca escolaridade, não teve muitas oportunidades. Acabou na rua, catando papel. Antes disso, mudou-se para uma comunidade conhecida como Km 28, também em Campo Mourão, onde colheu mandioca por alguns anos. O trabalho contribuiu para as dores na coluna enfrentadas ainda hoje. Ele está preocupado. 



Mas há dez anos recebeu o convite para trabalhar e morar onde está hoje – ao lado de um pesqueiro, numa propriedade rural pertencente ao município. E dali não saiu mais. O local é da prefeitura e foi “esquecido” há cerca de dez anos, depois que a Campo Peixe foi desativada. Vândalos aproveitaram a falta de zelo e atearam fogo ao prédio principal. Mesmo assim, o imóvel passou a ser a residência da família. As promessas de prosperidade com trabalho naquelas terras jamais se concretizaram. “Eu não invadi nada. Fui convidado a morar e trabalhar aqui”, informou. 

Mas confusões à parte, o fato é que a família continua a morar num ambiente inóspito, inadequado a seres humanos. O cheiro das cinzas, do queimado, ainda é forte. As crianças nem sentem mais, uma vez que cresceram ali. Mas o drama não é só este. Como improvisaram o local, chuveiro não existe. Tomam banho precariamente com a água do rio num balde e numa tigela rasa. Tudo em meio à cozinha. A reportagem demorou a acreditar no drama vivido por Ademar e pelas crianças. Eles precisam de uma casa.

Crente em Deus, o pai acredita que a situação irá melhorar. Ainda tem esperanças em dias melhores. Os dois meninos freqüentam a escola diariamente. Mas quando ficam em casa, gostam de assistir TV. Num resto de sofá, as crianças ficam deitadas sob uma coberta suja e surrada. Quase não têm brinquedos. Com os rostinhos marrons de terra, passam a infância sem vaidades. Não escondem-se da realidade. Parecem não ter vergonha da situação. São inocentes como anjos. Leonel, o mais novo, disse ter um sonho. Gostaria de ser motorista de caminhão e, um dia, ter um carro. “Mas vou trabalhar mesmo na construção civil. Já desisti do meu sonho”, afirmou. O menino nem cresceu, mas já perdeu a esperança de seu próprio futuro. 

A família sobrevive de angústias. Sem perspectivas, vive cada um de seus dias como se o destino já estivesse traçado. Como uma espécie de predestinação absoluta. Ademar é um homem tranqüilo. Fala baixinho, num tom de paz. Disse que já pediu uma casa, mas nunca foi atendido. Sorri ao dizer que as necessidades fisiológicas da família acontecem no mato. Eles não possuem banheiro, muito menos água encanada. Vivem em condições subumanas. Em dias de frio, a casa congela. Todas as janelas estão improvisadas com panos e tábuas. Muitos são os buracos, mas poucas as cobertas.

Ademar anda preocupado. É que, segundo ele, dia desses um homem apareceu por lá dizendo ser um oficial de justiça. Deu prazo para desocupar a casa. Mas ele não tem pra onde ir. Se a família vive entre as cinzas, como teria condições de mudar e ainda pagar aluguel? O sofrimento continuará. Como já descrito anteriormente, a vida nunca foi generosa com Ademar.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Quatro cemitérios e um roteiro

Em 30 anos, a pequena Altamira do Paraná já conviveu com quatro cemitérios – sendo um deles um protótipo. A situação chegou ao ponto de, em alguns casos, famílias terem realizado remoções de ossos por duas vezes. Tudo seria um verdadeiro drama. Mas a população aprendeu a brincar com a realidade. 

Dilmércio Daleffe
Aos 65 anos Dilair dos Santos sai diariamente da modesta casinha de alvenaria para sentar-se em um banquinho improvisado. Com idade avançada, tornou-se um prazer parar as atividades do dia e descansar um pouco. Mas o cenário é de horror. O banco está ao lado dos restos de um antigo túmulo. Até a cruz em concreto lá existe. Dilair mora no conjunto Vila Esperança, em Altamira do Paraná, num terreno íngreme, onde até pouco tempo era o cemitério da cidade. Ao lado de sua residência, uma mulher que preferiu não ser identificada, relatou que há cinco anos, quando perfuravam uma fossa, retiraram o crânio de um defunto. “Hoje dou risada. Mas no dia assustou um pouco”, conta. Pior para o servidor Márcio Alves da Silva. Ao fazer o muro, encontrou um caixão. “Avisei a prefeitura e eles logo vieram retirá-lo”, disse.
Drama ou não, as famílias são personagens de uma situação bastante peculiar na pequena Altamira do Paraná, cidadezinha de pouco mais de quatro mil habitantes, distante 130 Km de Campo Mourão. Lá, mesmo com uma incidência média de um morto a cada 60 dias – segundo dados de uma das duas funerárias locais – a população já foi testemunha da implantação de quatro cemitérios ao longo de seus 30 anos de emancipação. Detalhes curiosos de um verdadeiro roteiro de cinema. É que, por causa de todo o enredo, muitas famílias já tiveram o constrangimento de remover restos mortais de parentes por até duas vezes. 

O primeiro cemitério de Altamira do Paraná foi construído ainda na década de 60, quando o local era apenas um distrito. Mas em 1983 acabou sendo desativado para a construção de um hospital. Os restos mortais que ali estavam foram removidos a outro local. Ou seja, ao segundo campo santo. Na verdade, trata-se do terreno onde hoje reside dona Dilair, o servidor Márcio e a moradora que não quis ser identificada. Os sepultamentos realizados ali ocorreram de 1983 até meados de 1997. Acontece que não foi um bom endereço aos falecidos, principalmente, por ser inclinado demais. Além disso, a cidade começou a crescer em sua direção.
Com o tempo, o campo santo estava entre as casas e, ainda, sem nenhuma espécie de isolamento, sem muro nem nada. Ou seja, vivos e mortos começaram a misturar-se. O prefeito da época então adquiriu um novo terreno a fim de mudar o cemitério. Este seria o terceiro. Mas como o processo demorou e o tempo passou, o prefeito terminou seu mandato sem concluí-lo. Um novo gestor assumiu a prefeitura. Mas ao invés de dar prosseguimento ao projeto, optou desta vez por um novo terreno: o quarto cemitério. Trata-se do atual São João Batista, que funciona desde 1999 e já abriga mais de 300 túmulos.


No terreno que serviu para o segundo cemitério hoje moram quase vinte famílias. O espaço foi cedido pela prefeitura a moradores humildes, com baixa renda. Mas as casas foram construídas sobre antigos túmulos. Restos mortais continuam aflorando nos quintais das casas. Mas nada disso assusta os moradores. Acostumados com a situação, eles aprenderam a rir diante do cenário de horror.  
Outro aspecto interessante de Altamira é o fato da cidade de quatro mil habitantes manter duas funerárias – Campo Mourão possui apenas uma. De acordo com Lucas Aparecido Pachinski, filho de um dos proprietários, vez em quando uma só pessoa morre num período de dois meses. “Se dependêssemos só da venda de caixões certamente não sobreviveríamos”, disse. Segundo ele, o negócio continua porque fazem planos funerais, o que movimenta financeiramente o estabelecimento.   
Mortos passaram por duas remoções
Com as mudanças de cemitérios, várias famílias tiveram que fazer a remoção dos restos mortais de seus entes, “queridos ou não”, por até duas vezes. Mesmo não querendo ter o nome revelado, uma mulher disse que removeu os ossos do pai ainda na década de 80, do primeiro para o segundo cemitério. “Lembro que foi num carrinho de mão”, disse. Anos mais tarde, já depois de 2000, os restos mortais saíram novamente para o atual campo santo. “Ele quase não teve descanso”, brincou ela. Um servidor público que também não quis ter o nome divulgado, informou que o seu sogro passou pelo mesmo transtorno. “Ele estava enterrado no primeiro local. Retiramos seus ossos e passamos para o segundo. Há cerca de dez anos, fizemos outra remoção, agora para o São João Batista”, disse. Nos dois casos, os falecidos agora estão em paz. Pelo menos até que um quinto cemitério saia do papel. 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Antônio Gonçalves: um homem de família



Dilmércio Daleffe
“Seo Teco” jamais frequentou uma escola. Mas isso nunca foi empecilho. Aprendeu com a vida a sabedoria de sua jornada. Na verdade, uma estrada de 73 anos. Casou com três, teve oito filhos, pegou malária por 11 vezes. Sempre foi pobre. Veio de um berço simples. Herdou traços indígenas da avó. Adquiriu a nobreza da Europa através do avô português. Hoje, vivendo numa casa velha de madeira com mais de 30 anos, na Vila Guarujá, resume-se no homem mais feliz do mundo. Afinal, guarda sob as “asas” quase todos os filhos e netos. Juntos, são 13 pessoas num mesmo lar. Uma moradia precária, cheia de frestas, mas que abriga uma família bastante unida.
Antônio Gonçalves de Oliveira, este é o seu nome. Nascido em Itapetininga, estado de São Paulo, no ano de 39, “Teco” sempre foi um homem do campo. Seu pai, Custódio, era capataz de grandes fazendas. Ao lado da esposa, Maria, decidiu vir a Campo Mourão ainda em 1950, mais precisamente no dia 15 de setembro. Aprendeu com os pais a valorizar o trabalho desde seus oito anos de idade. Fazia de tudo na roça. As mãos do menino logo foram calejadas pelo cabo da enxada. Seus traços físicos pertencem a uma miscelânea de portugueses, por parte do avô, e índios Tupi-Guaranis, da avó. Teve 12 irmãos. Hoje apenas ele e outra ainda vivem.


Mesmo sendo um legítimo caboclo, Antônio acabou sendo “expulso” do campo com o avanço das máquinas. Ele foi um daqueles substituídos. Acabou na periferia de Campo Mourão ainda em 72. Desde então vem trabalhando com madeira. Na verdade compra e revende. O lucro já foi bom. Mas hoje transformou-se apenas num complemento de sua aposentadoria. Dos oito filhos, sete ainda moram sob o seu teto. Ele faz questão disso. Apesar de tratar-se de um imóvel bastante modesto, a casa mantém um clima de paz e alegria. Todos são bastante unidos ali. “Teco”, o patriarca, até hoje insiste em conselhos. “Sempre busquei o caminho do bem. Quero que eles também o alcancem”, disse.
A família sobrevive graças a aposentadoria de Antônio. Apenas o filho mais velho, Clóvis, trabalha. Juntos travam uma batalha desleal com a realidade, diariamente. É bem verdade que alimento jamais faltou. Mas também não existem regalias, luxo ou vaidades. Suas vidas são sinceras, assim como o reflexo de um espelho.


Ao pé do fogão a lenha, “seo” Antônio acende um cigarro de palha. É ali onde ele conta as histórias de toda uma vida. Perto das panelas ainda quentes, orgulha-se da família reunida. Olha para os filhos e netos e da um pequeno sorriso. Orgulho. Mas quando remete a memória ao passado, emociona-se ao lembrar dos pais. Chorou. Conta que o pai, Custódio foi assassinado nos “idos” de 50. Já a mãe morreu em 84, depois que ele retornou do Amazonas. Foi um período de sofrimento, mas também quando ganhou dinheiro. “Teco” passou quatro anos no Norte. Foi montar uma serraria para um amigo. Lá permaneceu quatro anos. Pegou malária onze vezes. Mas longe da mãe, decidiu voltar.     
“Teco” jamais freqüentou um banco de escola. Aprendeu com o mundo sua sabedoria. Até hoje não sabe ler ou escrever. Mas, como ele mesmo diz, “o mundo é uma escola”. Católico, acredita em Deus e, principalmente, em sua família. “Estamos unidos mesmo nos momentos de dor e alegria. A melhor coisa da vida é a minha turma”, revela. Como homem da casa, não vai a botecos, não tem inimizades com ninguém e sempre evitou discussões. Aos 73 anos, olha o passado e não se arrepende de nada. Fez tudo o que quis. Mas ainda preocupa-se com uma coisa: o futuro dos filhos. Afinal, mesmo semeando o bem, ele sabe que os dedos da mão de um não são iguais ao do outro.