terça-feira, 29 de maio de 2012

Mulher dos olhos azuis é desmascarada


Dilmércio Daleffe
Uma mulher bonita, de olhos azuis, ainda bastante jovem e bem vestida. Assim é Letícia Zevir dos Santos, uma doméstica desempregada pega em flagrante na tarde de ontem, após passar uma mentira sobre um empresário de Campo Mourão. Dizendo trabalhar num hospital da cidade, ela realizou uma boa compra numa panificadora do Lar Paraná. Pediu ao proprietário que a cobrasse após as 19 horas no próprio local de trabalho. Ao invés de Letícia, apresentou-se como Karina. O golpe se encaminhava bem até o empresário Valdir Gonçalves lembrar-se da estelionatária “loira” que vinha atuando na cidade. A acompanhou até a saída da empresa e anotou a placa do Fusca de Araruna. Foi aí que Letícia começou a ser desmascarada.
Certo de que havia sido lesado, Valdir então pegou seu carro e seguiu Letícia, o marido e a filha do casal. Os três estavam dentro de um Fusca. O empresário acompanhou a família até Araruna, onde moram. Lá, acionou a Polícia Militar que efetuou a detenção da mulher. No momento do flagrante, a pequena filha do casal comia um biscoito, produto levado da panificadora. Valdir comoveu-se. “Acredito que ela fez o que fez por necessidade. Mas não concordo que também precisasse levar cerveja”, disse. O proprietário afirmou que alguém tinha que parar com as ações de Letícia. “Não podemos aceitar que ela ache que os comerciantes são otários”, ressaltou.         
Autuada em flagrante por estelionato, Letícia disse não saber responder porque realizou a ação. “Eu não sei responder isso”, disse. Suspeita por outros dois golpes, ela negou. “Esta foi a única vez que fiz”, garantiu. Mas não será fácil provar o contrário. É que outras ações promovidas no comércio de Campo Mourão são idênticas a ocorrida ontem. Nos últimos meses, comerciantes foram lesados também por uma mulher se dizendo funcionária de um hospital. A golpista de olhos azuis entrou nos estabelecimentos bem vestida e usando um jaleco branco. Por coincidência, também se apresentou como Karina, e fez notas pedindo que fossem cobradas no hospital.
Em um dos casos, ocorrido em uma panificadora na Vila Urupês, ela entrou pedindo para levar pão e frios para pagar depois. Quando o comerciante se deu conta, ela havia enchido uma sacola de produtos. “Eu não pude falar nada, a padaria estava cheia e eu pensei que ela fosse cliente da minha mulher. Ela ainda me disse: nossa como grávida tem fome, sugerindo que estivesse grávida”, falou indignado o empresário que preferiu não se identificar.
No mesmo bairro, uma vendedora de uma loja de brinquedos foi outra vítima. Segundo ela, a loira simulou que conhecia o dono da loja e foi pegando vários objetos. Na hora do pagamento pediu para fazer nota e que a vendedora confiasse em cobrá-la no hospital. Letícia jamais trabalhou em hospitais de Campo Mourão. Ela disse que está desempregada a mais de um ano e, ainda, grávida de cinco meses. Ontem, o marido dela esteve na polícia e afirmou desconhecer os golpes da esposa. No entanto, segundo Valdir, era ele quem a aguardava em frente à panificadora. O esposo alegou também estar desempregado e que a família está necessitada. A Polícia Militar pede que as vítimas dirijam-se até a delegacia para fazer o reconhecimento de Letícia.     

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O inacreditável animador de velórios


Dilmércio Daleffe
Em 1989 Luiz Carlos Vieira de Araújo, ainda aos 22 anos de idade, perdeu um de seus melhores amigos em Peabiru. Como a cidade era muito pequena, houve uma grande comoção entre a população, principalmente, em virtude das causas da morte – homicídio. Vendo a angústia da família durante o velório, Zizico, como Luiz é conhecido, passou a contar piadas nas rodinhas de amigos, longe do caixão. O objetivo era levantar o ânimo da galera, amenizando de certa forma a dor daquela família. “Foi o jeito que encontrei em diminuir o vazio das pessoas. E elas gostaram”, disse.
Desde então Zizico nunca mais parou. Transformou-se numa espécie de carpideira às avessas – aquelas mulheres que ganham pra chorar aos defuntos. Hoje, todos os velórios que vai ele lança suas infernais piadas. Sempre distante do caixão. Ele entende que, apesar de tentar ajudar os familiares dos mortos, ainda assim deve haver respeito com o falecido. Por isso ele sempre fica longe do caixão. “Nunca fui mal interpretado. As pessoas acabam entendendo que não faço isso à toa. É somente pra ajudar”, diz.
Aos 46 anos de idade, Zizico ganha a vida fazendo biscates. Durante a semana trabalha como ensacador num moinho. Nos finais de semana ganha o pão trabalhando como segurança em eventos. Para ele, não há um só dia ruim na vida. Luiz não consegue se lembrar quantas vezes compareceu a velórios. Em Peabiru, por exemplo, todo mundo passou a chamá-lo para animar os tristes. Certa vez ele se sentiu constrangido. Mas não pelas piadas. Conta que um candidato a vereador chateou os parentes do morto ao fazer campanha na capela mortuária. Ele teria já chegado distribuindo santinhos. “Isso sim é errado”, disse. Mesmo assim, o candidato acabou se elegendo.
Em março de 2007, Luiz perdeu a mãe. O velório não poderia ser diferente. Nos cantos, sempre longe do caixão, lá ia ele a contar as piadas. Não poupou nem mesmo os irmãos. “Ajudei muito naquele dia. Como já me conheciam, sabiam que o velório seria mais descontraído”, diz. Afinal de contas ele entende que, diante da morte, nada mais se pode fazer. “É a única certeza que temos na vida. Ela não marca hora”.
Mas teve um dia em que Zizico, ao invés de animar, chorou. Há alguns anos ele teria ajudado a carregar uma carga de adubos, conhecido como fosfato de arade. Trata-se de um composto químico que irrita os olhos, deixando-os lacrimejantes. Na mesma noite daquele carregamento visitou um velório. Nas rodinhas, já chegava chorando. Ninguém entendeu mais nada. “Disse que tava com um negócio no olho. Mas a turma pensou que eu tava mesmo era comovido com aquele morto”, brincou. Mesmo rindo, Zizico acabou inventando uma profissão. Ninguém sabe, mas ele estará sempre por perto. Fique esperto!  

Em busca de respostas do passado




Dilmércio Daleffe
Escondido do tempo e do homem, um pedaço de terra carregado com resquícios indígenas ainda não revelou seus segredos. Localizado entre os municípios de Barbosa Ferraz e Campo Mourão, o terreno vem mostrando ferramentas antigas, utensílios de barro e pedras misteriosas à comunidade local. Devido ao seu desconhecimento frente a pesquisadores, os objetos encontrados passaram as mãos de lavradores, que ainda se divertem com as histórias e lendas do chamado “Cemitério dos Índios”.
Na verdade trata-se de um sítio arqueológico ainda inexplorado pela comunidade científica. Segundo os proprietários da terra – Sítio São Bento – corpos de indígenas estão ali enterrados, embora não se saiba há quanto tempo. João Batista Xavier conta que chegou ao local ainda em 67 e, desde então, passou a encontrar objetos em meio à plantação. Em sua casa guarda machadinha e outras ferramentas. Até mesmo uma pedra misteriosa, totalmente polida, tirou da terra. “Essa pedra não poderia estar aqui. Foi trazida pelos índios de um outro lugar, distante da região”, diz.


Irmão de João, Osvaldo Xavier também guardou em casa um pedaço de barro trabalhado, possivelmente, uma panela indígena. “Encontrei no local. Não gostamos de falar, mas certamente existem corpos de índios enterrados na propriedade”, diz. Conta ele que, há anos avistou feixes de luz incidindo sobre o “Cemitério dos Índios”. “Não sei o que era, mas dava medo de ver”, descreveu. Hoje, uma grande pedra marca o local onde fica o sítio arqueológico ainda não explorado. Um canavial foi plantado sobre todo o terreno, dificultando ainda mais o trabalho dos pesquisadores. Atualmente, o lugar faz parte do Caminho do Peabiru.
Pesquisador, Doutor e professor da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, Mauro Parolin foi até a propriedade e deparou-se com uma enormidade de vestígios. Somente nos primeiros passos já encontrou fragmentos de vasos construídos por índios e pedras afiadas que serviam como ferramentas. “Estou convencido que realmente se trata de um sítio arqueológico”, afirmou. Durante pouco mais de duas horas no local, Parolin saiu com uma sacola de objetos encontrados em meio a terra, todos ainda na superfície.


De acordo com ele, parte do material deverá ser enviado para análise, a fim de se saber com exatidão o ano em que os indígenas habitaram o local. Para ele, possivelmente se tratam de vestígios da cultura Guarani, os mesmos que habitaram Vila Rica do Espírito Santo, em Fênix, há quase 500 anos. Os achados envolvem pedaços de panelas de barro trabalhadas, fragmentos de urnas e pedras polidas. Quanto maior a demora em proteger o local, maior também a depredação de uma cultura ainda não investigada.

Vida cigana




Dilmércio Daleffe

Eles têm braços, pernas e cabeça. Falam, escutam e vêem. Pensam, discutem e têm bom senso. Em resumo, são iguais a todo mundo. O que os diferencia da sociedade organizada é apenas o modo como vivem. Somente isso. Talvez seja este o principal motivo porque os ciganos são estigmatizados. Há séculos, pelo menos no Brasil, vivem sob lonas, andando de cidade em cidade. Nômades em busca de novos caminhos. Vivendo de um jeito alternativo, passaram a sofrer com o preconceito. Que o diga Neiva Esteves. Aos 16 anos de idade, carrega no sangue a verdadeira origem cigana. E tem orgulho disso. Recém chegada a Campo Mourão, sentiu de perto a discriminação. Dentro de um supermercado, teve que perguntar ao vigilante porque a seguia. “Percebi que o guarda estava cuidando de mim. Tive que dizer a ele que jamais roubei algo de alguém. Foi preconceito mesmo”, afirmou.  

Neiva é uma bela e jovem ciganinha. Percorre o Brasil ao lado dos pais e dos dois irmãos. Sob a lona surrada, vive contente e bem maquiada junto à precariedade. A mãe Rita Esteves Simionato também é bastante nova. Aos 35 anos de idade considera-se parte de uma fatia cigana cuja riqueza jamais prosperou. “Estou cansada de tanto sofrimento. Estou desistindo desta vida nômade”, diz. Segundo ela, o objetivo é encontrar uma casa, onde possa abrigar a família e viver no conforto. Rita nasceu de uma família cigana na cidade de Barracão, no Paraná. Cresceu entre os costumes de seu povo, sempre na dificuldade e no sofrimento. Nunca teve bens, nem anéis valiosos ou tesouros escondidos em caixotes. Ela é apenas uma cigana, cuja cultura ainda revela-se misteriosa a sociedade. 


Rita recebeu a reportagem para uma conversa gostosa sob a lona. Estava angustiada, temerosa com a chuva que se formava no céu. Apresentou a família e já começou a desmistificar as lendas que cultuam o preconceito a seu povo. Ela julga-se uma cigana moderna, pobre e sem o poder em ler mãos. Mais que uma cigana, é uma mãe. E por isso pretende mudar de vida. Com o céu nublado, explicou que as condições do tempo prejudicam a vida da família. “Tudo fica molhado. Não da pra dormir. Enfrentamos o barro e ficamos com os pés sujos”, diz. Por não querer mais ver o sofrimento dos filhos, decidiu parar de andar. Quer uma casa.

Como não lêem mãos, a família sobrevive de pequenas vendas. Ontem, o marido de Rita, Osvaldo, havia saído para vender frigideiras. É a única renda. A grana garante comida à mesa e combustível para seguir viagem. Mas tudo está difícil e os alimentos estão escassos. “Se a população puder nos trazer uma cesta básica ficaremos felizes”, lembra a mãe. Rita sustenta três filhos, Neiva, de 16, Guilherme, de 13, e Dara, de apenas 11 anos. Neiva é a única a saber ler e escrever. Guilherme e Dara ainda não aprenderam. Os três jamais adentraram a uma escola. Sabem que elas existem, mas as desconhecem. Rita explica que uma velha cigana de Curitiba colabora com a alfabetização de sua gente. Neiva já passou por lá. Nem mesmo a mãe é alfabetizada. Mesmo assim, todos falam o romane, uma língua só deles, sem escrita, apenas falada.

Embora Rita queira desistir da vida nômade, Neiva orgulha-se dos costumes e diz seguir em frente. “Não consigo ficar numa casa. As paredes me sufocam. Quero a liberdade, sem paredes”, revela. Como já dito, a menina tem o sangue cigano nas veias. Encara qualquer situação sem preocupar-se. Parece já ter nascido forte, como é costume de seu povo.

Sob a lona, quase tudo é precário, com exceção do amor entre seus membros. São unidos demais. É nítido. Em Campo Mourão acamparam num terreno baldio próximo a sede da Coamo. Como lá não existe água encanada, se viram emprestando do posto de combustível. Tomam banho sentados em uma cadeira a base da canequinha. Nada de luxo. As necessidades fisiológicas são realizadas numa privada construída por um vizinho. Já a energia elétrica existe. Como de costume, vão até a Copel e pedem uma carga temporária por 15 dias. Durante à noite se dão por satisfeitos em não ficar no escuro e, é claro, ver uma televisão.

Mas a família reúne poucos pertences. E não poderia ser diferente, afinal, carregam tudo sobre a velha D-20. Dentro do veículo vão eles. Na carroceria e no teto vai o resto. Um fogão, algumas cadeiras, colchões, roupas, as armações de ferro da lona e, até, um galo e três galinhas. De acordo com a família, ficarão na cidade somente até esta semana. É que Rita torceu o pé e foi medicada. Ela deve retornar ao hospital para retirar a faixa amanhã. Embora não tenham destino certo, desejam ir até Guaíra, ou quem sabe até onde a gasolina der e, ainda, se o carro não quebrar. Vida de cigano é também uma grande aventura.          

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Em busca de um “médico” que opere a Saúde pública


Dilmércio Daleffe
Remédios a disposição. Estrutura a contento. Médicos. Se os principais pilares determinantes a um bom atendimento estão sólidos em Campo Mourão, então porque a eterna reclamação sobre a Saúde na cidade? Este é possivelmente o maior desafio a ser enfrentado pelo próximo prefeito, ou prefeita. Seja quem for. Durante uma semana, buscamos informações sobre as verdadeiras condições do sistema público de Saúde. Embora seja alvo de inúmeras críticas, a estrutura é comprovadamente saudável. No entanto é bom salientar que de nada adianta um bom prefeito se não existirem recursos, dinheiro para tratar os doentes. Por este pressuposto o leque de soluções imediatas já escapa às mãos municipais. É preciso lembrar que grande parte dos problemas surge através do Sistema Único de Saúde – SUS – o maior plano de saúde do mundo. Ele funciona, mas paga mal. Desestimula a medicina em todo o território brasileiro, principalmente, em cidadezinhas do interior, onde médicos transformaram-se em pedras preciosas. Difíceis de se achar.
Ex-secretário de Saúde em Campo Mourão, o médico Moacir Porciúncula diz que a cidade vem mantendo uma boa estrutura de atendimento, desde a gestão Rubens Bueno, ainda em 1992. Como profissional da área, ele diz que sempre existiram remédios, condições de trabalho e, acima de tudo, bons médicos. Mas também admite que os recursos via SUS são insatisfatórios, tantos aos profissionais, como a hospitais e municípios. “Muitas vezes a prefeitura tem que tirar dinheiro do bolso porque somente o SUS não cobre as despesas”, afirma Porciúncula. A comprovação vem de fatos. Na década de 80, o Hospital e Maternidade Anchieta fechou as portas. Não suportou viver de recursos do governo. Já em 2000, o Hospital São José seguiu o mesmo caminho. Atualmente, Campo Mourão mantém apenas a Central Hospitalar – que atende SUS e particular – Policlínica – apenas particular – e Santa Casa – também SUS e particular. Hoje, uma cesariana normal é paga pelo SUS por R$545. Destes, somente R$150 são destinados ao médico e anestesista. O restante fica ao hospital. Pior ainda é o preço de uma consulta pediátrica: R$2,04.   
Fúria no 24 horas
Deixando o SUS de lado, então qual o principal motivo das reclamações da população? A resposta vem da atual secretária de Saúde do município, Márcia Tureck. Segundo ela, a questão está diretamente ligada ao mau atendimento, incluindo aí médicos, recepcionistas, além de outros profissionais. Ela não generaliza, mas admite que existe sim má vontade por parte de alguns. “Fazemos reuniões regularmente, mas a situação não muda”, disse. O principal alvo da fúria dos eleitores está no 24 horas. É ali, num prédio razoavelmente pequeno, onde muita gente reclama das consultas. A unidade serve como uma espécie de primeiro atendimento, quando se verificam os casos mais graves. No entanto, ainda é constatada a presença de pessoas que, na verdade, não precisariam ali estar. Ou seja, gente achando que está doente. Para comprovar esta realidade basta checar os dados do Ciscomcam – o Consórcio Intermunicipal de Saúde dos Municípios da região de Campo Mourão. Os números indicam que em 30% das consultas agendadas em 2011 os “doentes” jamais apareceram.
Cortador de cana, Edson Pereira Lima, 41 anos, buscou atendimento contra dores de cabeça e gripe no 24 horas na última semana. Ele chegou ao local por volta das 11 horas da manhã e foi atendido apenas ao meio dia. Mesmo assim foi medicado, saindo inclusive com remédios gratuitos. “Apesar da demora, saí satisfeito”, disse. No entanto, há ainda pessoas bastante insatisfeitas, principalmente, em relação ao atendimento. O aposentado Galdino Lopes de Almeida, 67 anos, estava inconformado com uma recepcionista do postinho do Jardim Modelo. Segundo ele, após passar por uma cirurgia, ele retornou a consulta já marcada para o último dia 15 de maio. Não foi atendido. “Ela fez pouco caso de mim. Pegou meus documentos, mas não fui atendido. Não estou contente com o atendimento”, disse. De acordo com o aposentado, existe má vontade na Saúde. Aos 55 anos, José Lima Bonfim procurou o 24 horas e foi atendido rapidamente. Estava com dores na perna. “Recebi uma injeção e remédios. O médico foi prestativo. Não tenho do que reclamar”, afirmou.  
Mas o mau atendimento no 24 horas então é reflexo dos baixos rendimentos pagos pelo município? Muita gente pode achar que sim. Mas não é o que os cofres públicos indicam. De acordo com Márcio Alencar, Diretor Geral da Secretaria de Saúde de Campo Mourão, o município gasta, por baixo, cerca de R$150 mil mensais com salários dos profissionais da medicina. Por um mero plantão de seis horas paga-se quase R$700. Em todo o ano passado, o município investiu 19,63% de sua receita em Saúde. Ou seja, foram pouco mais de R$16 milhões. Para 2012, o índice está planejado em 21%, numa estimativa de investimentos de mais de R$19 milhões - o índice mínimo obrigatório é de 15%.
Procura-se especialistas: paga-se bem
As queixas da população também são inúmeras quanto à demora em determinados agendamentos para exames. Em alguns casos, pessoas levam até seis meses para serem atendidas. Isso se explica pela falta de médicos em certas áreas. Ou seja, faltam especialistas na cidade. Márcia Tureck confirma dificuldades em neurologia, cardiologia e otorrinolaringologia. “Mesmo assim, caso haja urgência em alguns desses casos, o município arca com consultas particulares”, diz. Mesmo abrindo concurso para a contratação de mais pediatras, a prefeitura não recebeu inscrições. Dificuldades à vista para mais uma especialidade em 2013. Num resumo geral, não está havendo uma rápida renovação de profissionais na cidade. Os atuais estão envelhecendo. Os novos preferem centros maiores. São inúmeros os médicos mourãoenses recém formados que migraram para outras cidades.
O garçom Carlos Salles, 62 anos, ironiza a demora de sua consulta. Buscando um médico especialista em urologia, ele procurou ajuda no postinho do Jardim Paulista, em março de 2011. Ou seja, há um ano e dois meses. Como a demora prolongou-se demais, Carlos decidiu pagar uma consulta particular, R$140. Embora já tenha realizado a consulta, ele continua a esperar pelo dia em que será chamado. “Sempre que posso vou ao postinho pra ver se já marcaram. Mas até hoje, isso jamais aconteceu”, diz ele rindo. O objetivo agora, segundo ele, é prosseguir com novos exames. Tragicamente, num resumo de sua história, a saúde pública foi negada a Carlos.     
Outro problema identificado em Campo Mourão é a ausência de uma unidade de Hemodinâmica, ou seja, uma ala especializada para atender enfartados. Em 2005 um hospital particular investiu grana alta em equipamentos de última geração. Tudo estava montado à espera de um credenciamento do governo que jamais chegou. As informações eram de que Maringá e Cascavel já supriam a demanda da região. Mas qual enfartado suporta aguardar uma viagem? Há tempo suficiente para a vida esperar? Na ausência desta unidade, o município passou a levar enfartados até Arapongas – 170 Km. Não se ousou, até hoje, computar o número de doentes que morreram em meio à estrada.
Atualmente são 11 unidades de saúde espalhadas pela cidade, além do 24 horas. Fora isso ainda existem 16 equipes do Programa Saúde na Família – PSF – que percorrem bairros e a zona rural. Um médico do “postinho” recebe R$2,3 mil. A secretaria mantém seis ambulâncias. Na verdade o mínimo necessário seriam oito. Dentre os gastos da pasta também soma-se a compra de inúmeros remédios e materiais hospitalares através de licitações. De acordo com Alencar, somente em 2011 foram investidos pouco mais de R$856 mil.
Soluções à vista, ou a prazo?
O médico Moacir Porciúncula também adverte que a falta de qualidade de profissionais atualmente se deve a quantidade de cursos de medicina abertos no país. “Alguns deles não se preocupam com a verdadeira medicina. Soltam no mercado médicos despreparados, sem qualificação”, afirma. Outro problema é o desestímulo dos bons médicos quanto ao SUS. Ele explica que a escassez de profissionais no interior se deve exclusivamente aos baixos rendimentos da tabela do governo. A saída, segundo Porciúncula, seria o SUS criar um plano de carreira, melhorando o pagamento e garantindo no futuro uma boa aposentadoria, assim como promotores e juízes. “Dê estímulo e terá resultado”, lembra.
Quanto ao 24 horas, o médico está convencido que deveria contar com uma estrutura hospitalar de apoio. Isto é, garantir à unidade vagas emergenciais em hospitais a casos de alta complexidade, mesmo que se tenha que pagar por isso. No entanto, conforme levantamento realizado junto ao município, a proposta seria difícil, uma vez que as Unidades de Terapia Intensivas (UTIs)da cidade vivem lotadas. São acidentados de motos e vítimas da violência urbana que acabam tirando a vaga de doentes crônicos. “São pessoas que poderiam evitar tais acidentes, mas que acabam dificultando ainda mais a Saúde pública”, disse Márcia Tureck.      
Mas se em determinados pontos a Saúde mourãoense deixa a desejar, em outros há motivos de orgulho. O que dizer da ala oncológica da Santa Casa? Porciúncula diz ser difícil encontrar unidades com atendimento melhor que lá. “Vemos a satisfação nos pacientes. São tratados com carinho. Dá gosto ver”, ressalta. Exemplo igual se mostra no Instituto do Rim. Lá, segundo ele, além de um corpo clínico de qualidade, a direção busca alternativas para melhorar a vida dos pacientes. Um programa chega a levar até professores para ensinar pacientes a ler e escrever durante as sessões de hemodiálise. A nefrologia agradece. “Se quisermos ser uma cidade pólo, referência na saúde, temos que melhorar e brigar por aquilo que não temos”, afirmou o ex-secretário.  

Prefeitura e Santa Casa: conflito ou integração?
O presidente da Santa Casa de Campo Mourão, Elmo Linhares, está convencido de que o novo prefeito tenha que ser um grande parceiro da instituição. Um amigo que lute e trave batalhas ao lado do hospital. Que compreenda a necessidade da união. De acordo com ele, o futuro governante deve entender que município e Santa Casa trabalham juntos num único caminho: atender quem realmente necessita. “Prefeitura e Santa Casa não visam lucros. Atuam da mesma forma e no mesmo sentido para garantir uma qualidade de saúde às pessoas”, afirma.
Elmo está a frente da entidade por vocação. Já declarou guerra algumas vezes, assim como ganhou e também perdeu batalhas. Mas tudo pela filantropia, pela paixão em dedicar tempo ao próximo. O posto de presidente sempre moveu emoções. Exemplo disso foi um dos idealizadores do hospital, o empresário Dilmar Daleffe. Guerreou diversas vezes até ser vencido pela falta da mesma parceria lembrada por Elmo.
Hoje, o hospital é referência na região. Serve como regional e municipal ao mesmo tempo. Somente em 2010 realizou mais de 156 mil atendimentos. Apenas 20% deles foram particulares.  Em 2011, a unidade fez 1,4 mil partos, sendo 800 apenas em pacientes de Campo Mourão. Deles, mais de 86% foram através do SUS. Atualmente o município contribui com recursos de R$110 mil mensais.
Depois de uma longa jornada para a sua construção, a Santa Casa hoje mantém um pronto socorro, uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neo natal e pediátrica, além de uma UTI para adultos. São 150 leitos, sendo 120 apenas para o SUS. Com a inauguração de uma nova ala, ainda em obras, a instituição contará com 250 leitos, sendo 200 para o SUS. Fora isso, Elmo respira aliviado, uma vez que, para este ano, aguarda recursos federais da ordem de R$2 milhões. A hemodinâmica também está nos planos da entidade. A batalha para consolidar a ala já teve início. “Não é possível encaminhar doentes até Arapongas se podemos tratá-los aqui”, diz. Segundo ele, 50% de todo dinheiro gasto na saúde em outras cidades poderia permanecer em Campo Mourão.   
Mas nem tudo é só alegria. O hospital encontra dificuldades em algumas especialidades, como na pediatria. Fora isso, luta para conquistar credenciamentos em ortopedia, neurologia, vascular e bariátrica. Atualmente cerca de 100 médicos compõem o quadro da Santa Casa. Para combater qualquer possibilidade de mau atendimento de seus profissionais, Elmo mantém um programa de busca contínua pela excelência. “Temos que atender bem. Hoje, 90% dos nossos 400 colaboradores já está vocacionado, preparado para bem atender”, diz. Além disso, os plantões da Santa Casa estão valorizados. Segundo ele, por um plantão de 12 horas paga-se ao médico um salário mínimo, mais a produção.
Eterno motivo para dores de cabeça aos prefeitos, Elmo acredita que o 24 horas é um equívoco, uma vez que não é resolutivo e ainda oneroso aos cofres públicos. Ele defende a tese de que a Santa Casa poderia fazer o seu papel. “Seria mais barato ao município se o atendimento fosse direto por aqui”, afirma. No entanto, para que isso ocorra deve existir, novamente, a integração entre prefeitura e Santa Casa.    
Contudo, Elmo ressalta que o direcionamento do hospital ao bom atendimento e a luta contínua pela qualidade, se deve, em muito, a aplicação e fiscalização de seus colaboradores. “Eu mesmo ando quase um quilômetro por dia dentro dos corredores do hospital. Fico em cima para descobrir possíveis falhas”, diz. De acordo com ele, o próximo prefeito também deveria fazer o mesmo, verificando de perto como andam as unidades do município. Apenas mais um desafio, uma mera sugestão ou uma obrigação? 

   Números
150 mil gastos mensalmente com salários a médicos no 24 horas 
19 milhões a serem investidos na Saúde em 2012
21% da receita municipal investida na Saúde em 2012
30% de ausência nas agendas do Ciscomcam em 2011           
170 Km é o percurso de enfartados até Arapongas
12 são as unidades de saúde da prefeitura
6 ambulâncias pertencem ao município   

sexta-feira, 18 de maio de 2012

A medicina no coração de um andino

Ele só queria transformar-se num médico e acabou adotando o Brasil como sua casa. Hoje, Napoleon Maclovio Sandy Saavedra é um legítimo mourãoense. Deixou para trás o frio da Cordilheira dos Andes para respirar a poeira vermelha da região.


Dilmércio Daleffe
Napoleón Maclovio Sandy Saavedra, mais conhecido como o Doutor “Napoleão”, nasceu em Capinota, na Bolívia em 1940. Na infância, falava a língua quéchua, um idioma dos Andes, dos índios bolivianos. Mas, mesmo descendendo da agricultura, buscou para ele caminhos distantes da cordilheira. Quis ir mais além. Desafiou o pai e tornou-se médico no Rio de Janeiro. Sua caminhada foi sofrida. Pela estrada lágrimas e muito suor foram derramados. Mas ele venceu e, um dia, por ocasião do destino, encontrou Campo Mourão, de onde nunca mais ousou sair. Napoleón hoje é, possivelmente, o imigrante mais conhecido da cidade. Como ele mesmo disse, é um mourãoense latino pela lei natural da vida e brasileiro pela lei dos brancos civilizados.

Na infância, Napoleon era um menino franzino. Cresceu com a avó ao lado de outros quatro irmãos – Cinda, Wilfredo, Ana Maria e Martha - numa região predominantemente agrícola. Um lugar cultuado pela magia e mistérios da Cordilheira dos Andes. Um local frio, mas caloroso entre seus habitantes. Teve uma educação aprimorada, cujos professores eram intelectuais e, acima de tudo, esquerdistas. Amadureceu com preceitos bolivarianos. Aprendeu a ter sentimentos nacionalistas, sendo um adolescente contestador, sempre. Seu pai, Steban, era um líder campesino, chegando inclusive, a participar do processo de reforma agrária do país. Deixou os filhos com a mãe para trabalhar em grandes propriedades nos Andes. Napoleon viveu com a avó, Petrona, até seus oito anos de idade.  

Já adolescente, Napoleon rumou para a universidade San Simón, em Cochabamba, também na Bolívia. Queria fazer engenharia civil. Mas ainda no cursinho preparatório, notou que aqueles cálculos não eram para ele. Abandonou. Foi então que passou a estudar arquitetura. Mas a tentativa também não vingou, desistindo um ano depois de ter iniciado. Em seu retorno a Capinota, foi influenciado pela mãe e por um médico. Neste momento já sabia o seu destino: a medicina.   

Na universidade passou a defender interesses da esquerda e de sua raça. “Sempre defendi minha raça. Luto por ela até hoje”, diz. Tanto é que em jogos entre Brasil e Bolívia, a torcida é sempre à camisa verde. No entanto, um ano depois de ter começado a faculdade, já em 1962, abandonou o curso por problemas restritos à política. Passou a ser perseguido e achou por bem buscar novos caminhos.



Alguns meses depois Napoleón procurou bolsas em universidades de outros países, como nas antigas União Soviética e Tchecoslováquia. Mas foi no Jornal La Nación, o maior periódico boliviano, quando encontrou o que queria. Descobriu uma universidade do Rio de Janeiro que oferecia bolsas de estudo para estudantes latino-americanos. E ele não desperdiçou a chance. Arrumou as malas e, num telegrama, avisou o pai sobre a nova empreitada. Dom Steban não gostou da idéia. Numa outra conversa disse ao filho que não tinha dinheiro para ajudá-lo, mas que lhe daria o que pudesse. E, naquela prosa, uma frase marcou Napoleon. “Ele me disse para que eu não voltasse à Bolívia sem ser um profissional. Se eu voltasse sem ser médico iria ter vergonha de mim”, recorda. Dinheiro não era problema, afinal Napoleon sempre se virou.       

Napoleon então pegou o trem e chegou ao Brasil em 1963. Mal sabia que aquela maria fumaça o transformaria mais tarde num legítimo mourãosene. No Rio de Janeiro comeu o pão que o diabo amassou. Sem condições econômicas passou a morar em hospitais. Fez amigos brasileiros que sempre o ajudaram. Descobriu, apesar das dificuldades, que o carioca é solidário. Mesmo assim não sabe dizer quantas vezes caiu por choro longe da terra natal.

Durante os anos em que permaneceu no Rio de Janeiro, Napoleon, ou “gringo”, como passou a ser chamado, conheceu um mourãoense: o também médico Arnaldo Mauro. Coincidentemente, algum tempo depois, já em 1970, Napoleon visitou a região através de um amigo seu. Como companhia de viagem, veio até Mariluz, passando também por Boa Esperança, Goioerê e, finalmente, Campo Mourão. Nas andanças, adorou a cidade. “Vi uma pequena comunidade bem organizada. Eram poucas ruas de asfalto, mas com gente bem vestida e um ar agradável. Gostei muito”, disse.

No mesmo ano, Arnaldo Mauro despediu-se do amigo, dizendo que estava voltando a Campo Mourão. Numa brincadeira, Napoleon disse que, se houvesse emprego na cidade, que ligasse a ele. E o destino se confirmou. Uma carta chegou as suas mãos falando sobre uma proposta de emprego em Campo Mourão. E ele aceitou. “Sou muito grato a família Mauro, família Joaquim Teodoro de Oliveira e Dr. Munir Karan”, revela. Sua chegada se deu em 1972. Trabalhava no antigo Hospital São José e morava num dos apartamentos do Hotel Santa Maria. Ficou por seis meses, até receber nova proposta, agora, para trabalhar em Boa Esperança.

Lá, cuidou sozinho de um hospital. Trabalhou muito, passando a investir também em terras. “Devo a minha vida e felicidade a Boa Esperança”, revelou. Permaneceu naquela cidade até meados de 1980, quando retornou a Campo Mourão. Foi aqui onde o médico casou, em 1987, com a engenheira Eumara, tendo dois filhos, Napoleão, 25 anos estudante de medicina, e a médica Natacha, 23 anos. Napoleon também trouxe sua outra filha, boliviana, a fisioterapeuta Shirley. Dela, nasceu o neto mourãoense, Diego, que também estuda medicina. Além de toda uma família mourãoense, Napoleon ainda colaborou para a vinda de dois irmãos bolivianos à cidade, o médico Wilfredo (Dr. Willy) e a anestesista Ana Maria.

Nas idas e vindas da vida, Napoleon aprendeu a amar Campo Mourão. Claro que ainda ama a terra natal, Capinota. No entanto, por várias vezes já pensou em deixar a cidade. Mas acabou descobrindo que só se é rei num único local. Atualmente, o médico continua a dedicar-se a medicina. É um dos sócios do Hospital Policlínica. Além disso, não deixou a agricultura. Possui terras agriculturáveis, mantendo um elo muito grande com o seu passado e, principalmente, com sua infância. Napoleon transformou-se num andino mourãoense. Seja bem vindo “gringo”.     


terça-feira, 15 de maio de 2012

Ilma vivia sem luz e sem piedade

Ilma trabalhou durante toda a vida como cozinheira. Já teve casa própria e uma família feliz. Mas até ontem, estava jogada às sarjetas da sociedade, numa tapera inóspita, sem energia elétrica, sem banheiro, sem piedade, sem nada.


Dilmércio Daleffe

Ilma Chikatti da Silva não é mais jovem. Aos 63 anos vivia até ontem com o companheiro José em uma tapera no Jardim Batel, periferia de Campo Mourão. Um dia já teve casa própria, um bom emprego e uma família feliz. Época de alegrias, quando reunia todas as quatro filhas e o marido à mesa. Mas a vida passou, o tempo se foi e ela, acabou numa situação parecida à ficção. Seu drama era surreal. Tinha vergonha da situação em que se encontrava. Vivia num local desumano, num terreno que não era seu. Morava de favor. Há quatro anos não sabia o que era energia elétrica, nem banheiro e muito menos piedade. Por esta razão, vivia jogada ao escanteio pela sociedade. Não passava fome porque vizinhos e uma cesta básica fornecida pelo município a socorriam. Desenganada pelos médicos, há cinco anos, pensou já estar morta. Mas continua firme, pagando por um castigo que, definitivamente, jamais mereceu.

As rugas do tempo podem dizer o quanto Ilma já sofreu. Nascida em Blumenau, chegou a Campo Mourão ainda aos 17 anos na companhia dos pais. Casou cedo e teve quatro meninas. Foi cozinheira, trabalhando na casa de famílias tradicionais da cidade. Mas isso há bastante tempo. Hoje, permanecem apenas as lembranças. Nem mais emprego ela tem. Está doente, com a respiração arrastada. Falta ar. Precisa de ajuda para não padecer. Seu companheiro, José, também não está bem. Segundo Ilma, ele mantém problemas mentais, sem contar o alcoolismo. “Se deixar ele bebe até três litros de cachaça por dia. Ele não tem mais recuperação”, diz. “Zezé”, como é conhecido, já foi um homem trabalhador. Mas depois que o filho foi assassinado, a vida desandou.

A vida pregou uma grande peça a dona Ilma. Sentada sobre uma cadeira velha de plástico, quebrada, ela chorou. Lembrou do dia em que o médico contou seus dias antes de ser operada. “Me fez pensar que não sobreviveria. Mas estou aqui”, disse. Sua vida sempre foi angustiante. Antes de ficar doente, teve que vender a casa para o tratamento. O dinheiro se foi. O sofrimento não. Passou a pagar aluguel até o dia em que a grana acabou. Sem teto, encontrou um terreno onde a proprietária a deixou ficar. Junto com José arrumou algumas tábuas e telhas para ali construir o barraco. Antes disso permaneceu por uma semana morando sob uma árvore. Ao relento, ainda orava e acreditava em Deus. Nunca o abandonou.

A tapera existia já há quatro anos. Era lá onde os sonhos da mulher descansavam. Frestas das paredes não impediam a entrada de frio e chuva. O telhado era improvisado. O chão batido piorava qualquer situação de moradia. Sem banheiro, ela fez um buraco no quintal. Condição desumana. Tomar banho só no balde. O casal esquentava água no fogão a lenha, do lado externo, e fazia a higiene da maneira que podia. Sem energia elétrica, não possuía chuveiro, lâmpadas ou TV. As novelas que tanto gosta ficaram no tempo. Há quatro anos ela não vê televisão. Mas isso não é nenhuma ficção, como muita gente gostaria que fosse. Era apenas a realidade de mais um ser humano. Uma condição próxima a todos.

Uma das filhas de Ilma mora em Maringá. Outras três em Paranaguá. São pessoas simples como ela, mas em condições melhores. “Eles me mandam ajuda de vez em quando”, disse. Mas como uma mãe guerreira, não gosta de pedir socorro. “Tenho vergonha da minha situação. Por isso não deixo que eles venham me visitar”, revela. Segundo ela, as filhas nem imaginam como a mãe sobrevivia.

Mas nem tudo é sofrimento. Vez em quando anjos atravessam o caminho dela. Um deles chama-se Rosângela Bérgamo Martins, uma simples assistente social da prefeitura que decidiu agir. Vendo as precárias condições de vida, passou assisti-la com cestas básicas provenientes do município. E tem ajudado. Antes de conhecerem-se, faltava comida à mesa de Dona Ilma. “Há algum tempo não tinha comida todo dia, não. Mas a Rose não deixou faltar mais”, lembra. No dia da entrevista o almoço teve arroz, feijão e lingüiça. A falta de renda também não é mais problema. Há poucos dias, ela recebeu a boa notícia de que conquistou a sonhada aposentadoria.

Crente em Deus, Ilma precisava de ajuda. Definitivamente, ela não mantinha condições de saúde para encarar um lugar insalubre como aquele. Necessitava de um lar com cara de casa. Para quem trabalhou durante toda a vida, merecia ter a dignidade de tomar um banho quente, deitar-se sobre uma cama limpa e poder assistir a uma novela que tanto aguardava. Ilma não é diferente de ninguém. Ela é somente um espelho. Um reflexo das atitudes de toda uma sociedade que se diz civilizada.

Ilma ganhou um novo lar

A degradação humana em que se encontrava dona Ilma e o companheiro José, sensibilizou demais a reportagem da TRIBUNA. Tanto é que, mesmo antes da matéria ser publicada, o jornal entrou em contato com a assessoria do prefeito Nelson Tureck. O drama da mulher foi descrito, chegando ao ponto do próprio governante querer conhecê-la.

E assim aconteceu. Na última quinta-feira, acompanhado de seus assessores e de assistentes sociais, Tureck também comoveu-se com a situação de Ilma. O município prometeu-lhe uma casa. Secretário municipal da Ação Social do município, Samuel Kozelinski, garantiu ontem a promessa. Dona Ilma e o companheiro foram encaminhados a uma casa modesta, mas em alvenaria, no Jardim Santa Nilce. Um imóvel construído numa parceria entre Rotary e prefeitura. Um lar que permitirá, agora, condições dignas de vida ao casal. A tapera ficará apenas na lembrança. Ilma também ganhou um aparelho de TV para assistir as novelas que tanto gosta. Terá energia elétrica e, com isso, poderá tomar um banho quente depois de quatro anos dependendo do balde. Além disso, terá um banheiro só dela, dentro da casa, com direito a descarga.

Já, dentro da nova residência, Ilma chorou e agradeceu. Mas, mesmo com uma nova moradia, ela ainda depende de muitas coisas, como móveis, geladeira, fogão, sofá e até colchão. Doações são bem vindas. A ficha certamente só cairá depois que o prefeito cumprir sua segunda promessa, de sentar-se à mesa dela para comer seu arroz e feijão. “Assim que se mudar, vou lá comer arroz e feijão com você”, prometeu Tureck. Ilma aceitou o desafio. Disse que logo após arrumar a bagunça fará o “banquete”. Finalmente, após arrumar seus poucos pertences, Ilma está pronta a uma nova vida. Ela recarregou seu coração com esperanças e está decidida a viver bem, para o bem, como sempre caminhou.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Quando o feijão termina e o desespero aparece

Embora existam 2,3 mil famílias com renda inferior a R$70 em Campo Mourão não é possível afirmar que a fome atormente lares na cidade. São cidadãos vivendo abaixo da linha de pobreza, mas que não chegam a passar fome. Para que não haja famintos, uma vasta ação voluntária, além dos governos das três esferas, colaboram na doação de alimentos. No entanto, é bom destacar que a fome é reflexo puro e simples da pobreza. Ela surge através de conjunturas econômicas defeituosas. Todos fazemos parte deste sistema.

Dilmércio Daleffe
Dilmércio Daleffe

Numa casinha velha de madeira, cujas frestas acomodam o frio dos últimos dias, residem Edson e Lurdes. Moram na Vila Guarujá, precário bairro de Campo Mourão, na companhia de seus dois filhos, de 11 e 7 anos de idade. Assim como todo bom brasileiro, matam um leão por dia. Edson está desempregado há um ano. Sempre trabalhou na construção civil, mas de um tempo para cá, as dificuldades apareceram e, com elas, a escassez dos alimentos. Esta semana, a família mantinha apenas uma pequena quantia de óleo, pouco arroz e quase nada de feijão. O desespero era visível. Lurdes não trabalha, cuida apenas do menino mais novo. A renda passou a ser somente dos bicos do marido e do Bolsa Família, R$100 ao mês. “Só me preocupo com os dois meninos. Eles não tem culpa pela falta de comida em casa”, diz a mãe.

A situação da família infelizmente não é rara. Segundo relatório do Cadastro Único do Governo Federal, somente em Campo Mourão são 2,3 mil famílias que vivem com renda per capita abaixo de R$70 por mês. Ou seja, pessoas sem emprego formal, vivendo apenas de bicos e da ajuda de programas sociais. Num resumo geral, trata-se de cidadãos sem qualificação para melhores oportunidades de emprego. Como reflexo, foram jogados às sarjetas dos subempregos. Ficaram esquecidos. Estão condenados a submeterem-se a trabalhos braçais, biscates do dia a dia sem nenhuma garantia futura.

No entanto, afirmar que em Campo Mourão pessoas passam fome seria um absurdo? Talvez sim. Embora existam dados oficiais indicando a existência de miserabilidade, o fato é que o brasileiro aprendeu a se virar. Mesmo passando por necessidades, há ainda a ajuda de igrejas, entidades, clubes sociais, governos federal, estadual e municipal, além é claro, de uma figura muito importante neste contexto: o vizinho. Nas horas em que um ser humano se aperta, não existe um só mourãoense de coração frio. A verdade é que todos se ajudam. É fato e não dado.

De acordo com dados do Programa Mesa Brasil, do Sesc, atualmente 26 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados ao ano no país. É comida que falta de um lado, e que sobra ao lixo por outro. Um dado alarmante provando a irracionalidade que impera no Brasil. Segundo o geógrafo e escritor Melhem Adas, a pobreza é mesmo a causa da fome. “A pobreza é uma criação humana. É resultado do tipo de sociedade que construímos e ajudamos a manter com todas as suas contradições”, afirma ele no livro “A Fome”.

Edson e Lurdes sempre foram pobres e, definitivamente, impedidos de melhores oportunidades devido à falta de escolaridade. Quase não estudaram. Hoje, vivem em péssimas condições num barraco cheio de frestas. Possuem apenas uma cama. Os filhos dormem num colchão na sala. Não possuem geladeira e, por isso, não podem ter alimentos como carnes na casa. O filho de 11 anos está fora da escola. Os pais não têm dinheiro para comprar material e uniforme. “Estamos passando a pior fase da nossa vida”, afirma o pai.

Aos 43 anos de idade, Angelita Aparecida Ferreira também vive fases difíceis. Junto ao marido, possuem três filhos e, vez em quando, a renda não é suficiente para manter a alimentação adequada. José, o companheiro também está no mercado informal. Vive de bicos. Mas, juntos, recebem o Bolsa Família e mais a ajuda de uma cesta de comida através do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). “Quando vejo que a comida não vai dar surge um sentimento ruim, um desânimo”, diz ela. Ontem, o almoço e a janta resumiram-se a arroz e feijão, e mais nada. Também escritor, Josué de Castro disse que a fome não é um fenômeno natural. Mas sim um produto artificial de conjunturas econômicas defeituosas. Trata-se apenas e tão somente de uma criação humana. Como já descrito, a pobreza é mesmo a grande culpada pela fome.

Município faz sua parte

Para tratar da vulnerabilidade de algumas famílias de Campo Mourão, o CRAS distribui cerca de 300 cestas básicas ao mês. Não é solução, apenas um alívio. São alimentos comprados com recursos municipais que objetivam amenizar o drama de pessoas que passam apuradas em determinados meses do ano. A comida é doada apenas depois de um cadastro e, consequentemente, de uma visita ao solicitante. Além disso, segundo informou a assistente social Rosângela Bérgamo Martins, as cestas não são entregues continuamente. “É apenas uma ajuda. As pessoas tem que saber que elas devem conseguir manter-se com recursos próprios”, explicou. É como aquele ditado que diz que deve-se ensinar a pescar e não somente entregar o peixe. Os alimentos são comprados pela prefeitura. Dados indicam que cada cesta básica tem custo de R$51. Ao ano estima-se gastos de pouco mais de R$180 mil.

Rosângela é uma espécie de anjo da guarda de famílias a mercê da fome. Ela e outras assistentes sociais percorrem o município em busca daqueles vulneráveis quanto a escassez da comida. Dedicada ao trabalho, ela acredita que também não se possa afirmar que existam famílias que passem fome na cidade. “Se existem, elas ainda não nos procuraram”, disse. Além disso, segundo ela, a fome também vem sendo saciada através de inúmeras entidades da cidade. “Hoje muita gente vem colaborando para a entrega de alimentos a famílias carentes”, disse. (DD)