segunda-feira, 26 de março de 2012

Os Scattu encontraram a "felicitá"



DilmércioDaleffe

Albino Scattu ainda era jovem quando recebeu o convite de um tio para deixar a Itália e vir conhecer o Brasil. Morava numa pequena cidade italiana chamada Gairo, na Sardenha. Pastor de cabras e ovelhas, Albino se entusiasmou com a possibilidade de pujança em terras ainda não compreendidas. Foi então que em 59, deixou a esposa Ida e os três filhos pequenos e veio ao país. Mal sabia ele que aquela viagem era só de “ida”, literalmente. A certeza de encontrar a felicidade e o bem da família fizeram dele mais um brasileiro naturalizado. Albino morreu em 84, mas somente depois de fazer sua vida e a de seus descendentes. Os Scattu acertaram na escolha. Uma imigração satisfatória.

A saga da família começou na década de 50, mas foi consolidada apenas nos anos 60, uma época de ouro no Brasil, onde tudo começava a tomar forma. Albino chegou um ano antes dos seus. Passou a trabalhar numa pequena rede de hotéis pertencente ao seu tio, um também italiano chegado quatro ou cinco anos anteriormente. As duas unidades ficavam em Londrina e Maringá. Vendo que o ramo era promissor, Albino foi até Campo Mourão e arrendou o antigo Hotel Brasil, uma estrutura toda em madeira localizada na esquina da Avenida Irmãos Pereira com a Rua Araruna. Queria ter o próprio negócio. O hotel pertencia a Dalva Boss e na época, ela firmou negócio com o italiano.


Dono do seu próprio nariz, Albino retornou à Itália, fez as malas, vendeu toda a criação e comprou passagens de navio para a família. Saíram de Gênova e chegaram ao Porto de Santos em 1960 a bordo do navio “Eugênio C”. Giovani Scattu, o filho mais velho, tinha apenas dez anos, mas ainda recorda-se da embarcação. Junto também desembarcaram a mãe Ida, a irmã Ângela, de sete anos e o irmão Paolo, de um ano. Desceram as escadas sem saber o que iam encontrar. Desejavam apenas felicidade e dias melhores. O pai já sabia seus destinos. Mas para aquelas crianças, foi uma mudança completa. Tudo era novidade. Giovani não tinha certeza se aqui seria feliz.

Dias depois os Scattu já estavam com os pés fincados em Campo Mourão. Um tempo em que a cidade começava a caminhar. O progresso era a grande promessa, mas a certeza de que tudo seria bom, ainda não havia sido escrito. Juntos, os cinco administraram o Hotel Brasil. Uma empresa familiar, com modestos recursos, mas com grande vontade em trabalhar. Fazer a vida.

Em 1960, Campo Mourão era só poeira. As ruas de terra, sem asfalto, refletiam a precariedade de uma época. Não existia água encanada, rede de esgoto e abundância em energia elétrica. Carro era Jipe e Rural. Além do núcleo urbano, bem pequeno, o resto era só mato. Hoje a cidade cresceu e o mato desapareceu. Giovani lembra que a escassez de água era tanta que as roupas de cama do Hotel Brasil eram lavadas no rio onde está hoje o Parque do Lago. Haviam muitas pedras em suas margens, o que facilitava a lavagem dos tecidos, recorda-se Giovani.

Anos mais tarde, Albino rompeu o contrato de arrendamento do Hotel Brasil. Comprou um terreno na Avenida Capitão Índio Bandeiraonde construiu sua própria empresa: o Hotel Roma. A data de mil metros quadrados era de João Durski. Ali, o empreendimento foi levantado e junto dele, construiu-se também o restaurante da família. Dona Ida era a cozinheira. Utilizava o velho fogão à lenha para alimentar até 100 pessoas ao dia. Giovani era quem servia às mesas. “Era uma comida deliciosa. Lembro que atendíamos muita gente, a maioria viajantes”, diz o primogênito. Com o tempo, a família comprou outro terreno ao lado, onde construíram a casa para morar. Ela existe até hoje.

Com a prosperidade em vista, a certeza da mudança do Brasil não era mais questionada. Todos estavam bem. Depois de ajudar os pais, Giovani saía para brincar com os amigos. A cidade não tinha campos de futebol. Então o jeito era improvisar as peladas em madeireiras e serrarias. Eles aproveitavam o pó de serra para não se machucarem. Uma brincadeira saudável em tempos de precariedade. Foi nesta época também que o menino presenciou a Capitão Índio Bandeira ser asfaltada. Ele brincava na rua de terra, afinal, ser atropelado ali era difícil. Carros quase não existiam.
O primeiro carro dos Scattu foi um Jipe, ainda em 62. Quatro anos depois adquiriram uma Rural Willys. “Era um carrão. Um artigo de luxo”, disse Giovani. O veículo foi conservado e existe até hoje. A Rural está com Ângela, a irmã do meio. Ele lembra que o carro foi comprado do ex-prefeito de Campo Mourão Paulo Vinícius Fortes. A década de 60 é lembrada com muito carinho, apesar de suas dificuldades. Giovani se recorda de uma época de frio intenso, onde os meses de inverno eram marcados pelos pinhões cozidos pela mãe.

O hotel Roma durou até meados de 1984, quandoAlbino morreu. Depois disso, passou a ser uma pousada e sem o restaurante. Dona Ida passou a administrá-la. É que os filhos já estavam todos encaminhados, com outras atividades. Giovani transformou-se em agrônomo e Paolo em Técnico Agrícola. A irmã Ângela já havia casado. Ao todo, Ida e Albino tiveram sete netos. Era pra ser sete italianinhos. Mas quis a saga da família que se transformassem em sete brasileiros. Ida, depois de garantir a prosperidade dos filhos, morreu em 2006. Ela voltou à Itália por diversas vezes para visitar parentes. Em 2011, a história do Hotel e da Pousada Roma foi destruída por completa. O terreno foi vendido e o imóvel demolido.

Os três filhos são naturalizados e não pensam em deixar o país. Passaram a adorar sua nova nação. Giovani passou a ser santista doente. Ama futebol. Mas quando Brasil e Itália se enfrentam, o coração se divide. São duas paixões que o remetem a gratidão e a saudade. “O Brasil é o meu país. Devo tudo que tenho a ele. Aqui ganhamos dinheiro e formamos nossos filhos”, afirma. Os Scattu deixaram parte da Itália para encontrarem a felicidade no Brasil. Num cantinho dele conhecido por Campo Mourão. Mesmo diante das dificuldades, conquistaram sonhos, driblaram problemas e terminaram por enterrar os pais, Albino e Ida, em terras vermelhas. Até a cor da terra daqui é mesmo diferente. Lembrando do seu passado, o destino daquele menino acabou sendo traçado. Ele encontrou a felicidade.

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