terça-feira, 27 de março de 2012
Herança maldita de Senhorinha é doada
Dilmércio Daleffe
Senhorinha Cardoso de Oliveira está mais alegre nos últimos dias. Ela conseguiu livrar-se da herança maldita de seus ex-inquilinos. Há quase seis anos, eles largaram mais de 200 caixões fúnebres em uma sala comercial da aposentada. Depois disso desapareceram. Além de não terem pago pelos aluguéis de todos estes anos, ainda deixaram o presente de grego. Senhorinha tentou todas as formas possíveis para sumir com as urnas. Mas nunca conseguiu. No entanto, há alguns dias, após a sua história sair nas páginas da TRIBUNA, uma empresa ligou para “negociar” os caixões. Ela doou toda aquela herança e livrou-se do transtorno. “Não ganhei nada. Só perdi seis anos de aluguel”, afirmou.
As urnas funerárias estavam armazenadas em uma casinha simples em alvenaria até o último mês. Aos 82 anos de idade, Senhorinha não agüentava mais carregar o fardo pesado dos caixões. Na verdade, o material não era dela. Nunca havia sido. Foi um presente de grego, um incômodo que a acompanhava desde a chegada de um casal na pequena cidade de Quarto Centenário, ainda em 2006. Os dois alugaram uma sala comercial de Senhorinha e, um mês depois, descarregaram um caminhão com os artigos indesejáveis. Depois disso viajaram e nunca mais retornaram à cidade. A situação era tão constrangedora que a aposentada aprendeu a brincar com o problema. Ela não sabe o nome da empresa que arrecadou os produtos. “Só sei que não ficou nem rastro daquele troço”, disse.
Senhorinha é uma mulher sofrida. Veio de Monte Azul, cidade mineira, há 50 anos com os pais em busca de uma vida melhor. Casou, criou três filhos e perdeu o marido em 2006, mesmo ano em que passaria a herdar os caixões. Ela nem desconfiava disso. Naquele ano uma tal Maria do Carmo, acompanhada do esposo, Paulo, chegaram em Quarto Centenário e alugaram uma pequena sala comercial dela. Pagaram à vista o primeiro mês. Disseram que ali montariam um brechó chique. No entanto, passado um mês, um caminhão chegava com mais de 200 urnas funerárias. Como já haviam pago pelo aluguel, logo acomodaram os caixões. Senhorinha conta que o negócio deu errado porque o casal não conseguiu autorização para funcionar. Tentaram abrir a funerária em outras cidades da região. O insucesso os acompanhou, sempre. Um tempo depois, a aposentada não os viu mais.
Enquanto o tempo passava, as urnas continuavam em sua sala. Não recebia pelo aluguel e, ainda, tinha que se deparar com o imóvel lotado pelo material indesejável. Uma cena de horror. O desespero logo apareceu. Foi então que ainda em 2010, decidiu pegar um ônibus e ir de encontro ao casal em Foz do Iguaçu. “Sabia que eles moravam lá. Fui até Foz e os encontrei”, disse. Lá, segundo ela, Maria e Paulo informaram que não tinham mais dinheiro para tocar o negócio. Estavam sem condições até mesmo de resgatar os caixões. Eles também teriam dito que, a partir daquele instante, Senhorinha era a dona das urnas. Ali, naquele momento, o drama definitivo da aposentada iniciava.
Ao retornar a Quarto Centenário, Senhorinha e a filha passaram a ligar a todas as funerárias da região na tentativa de vender o material. Ninguém quis. Procurou então o prefeito da cidade a fim de que pudesse comercializar as urnas. Também não conseguiu. Num beco sem saída, teve ajuda municipal para, ao menos, levar os caixões até uma casinha dela.
Finalmente, a sala comercial estava livre do incômodo. Desesperada, voltou a ligar às empresas do ramo para, desta vez, doar o material. Também não conseguiu. Ninguém aceitou a doação. Ela então não podia vender e, muito menos doar aquela herança maldita. Na última tentativa em livrar-se do problema, foi até a prefeitura pedir que levassem os caixões para que ateassem fogo. Também não permitiram. Senhorinha não tinha mais nada a fazer. O jeito foi sentar e dar risada. “Tristeza não paga conta”, disse.
Por fim, a sua história acabou sendo contada pela TRIBUNA. Dias depois uma empresa apareceu e levou o material e, com ele, o drama da aposentada. Embora tenha doado as urnas, ela gostaria mesmo é que conseguisse vender. “Tinha que tirar pelo menos o dinheirinho que deixei de ganhar com os aluguéis”, disse. Mas isso não aconteceu. Senhorinha está agora mais tranqüila. Afinal livrou-se de um pesadelo de seis anos.
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