terça-feira, 27 de março de 2012

Herança maldita de Senhorinha é doada




Dilmércio Daleffe

Senhorinha Cardoso de Oliveira está mais alegre nos últimos dias. Ela conseguiu livrar-se da herança maldita de seus ex-inquilinos. Há quase seis anos, eles largaram mais de 200 caixões fúnebres em uma sala comercial da aposentada. Depois disso desapareceram. Além de não terem pago pelos aluguéis de todos estes anos, ainda deixaram o presente de grego. Senhorinha tentou todas as formas possíveis para sumir com as urnas. Mas nunca conseguiu. No entanto, há alguns dias, após a sua história sair nas páginas da TRIBUNA, uma empresa ligou para “negociar” os caixões. Ela doou toda aquela herança e livrou-se do transtorno. “Não ganhei nada. Só perdi seis anos de aluguel”, afirmou.

As urnas funerárias estavam armazenadas em uma casinha simples em alvenaria até o último mês. Aos 82 anos de idade, Senhorinha não agüentava mais carregar o fardo pesado dos caixões. Na verdade, o material não era dela. Nunca havia sido. Foi um presente de grego, um incômodo que a acompanhava desde a chegada de um casal na pequena cidade de Quarto Centenário, ainda em 2006. Os dois alugaram uma sala comercial de Senhorinha e, um mês depois, descarregaram um caminhão com os artigos indesejáveis. Depois disso viajaram e nunca mais retornaram à cidade. A situação era tão constrangedora que a aposentada aprendeu a brincar com o problema. Ela não sabe o nome da empresa que arrecadou os produtos. “Só sei que não ficou nem rastro daquele troço”, disse.

Senhorinha é uma mulher sofrida. Veio de Monte Azul, cidade mineira, há 50 anos com os pais em busca de uma vida melhor. Casou, criou três filhos e perdeu o marido em 2006, mesmo ano em que passaria a herdar os caixões. Ela nem desconfiava disso. Naquele ano uma tal Maria do Carmo, acompanhada do esposo, Paulo, chegaram em Quarto Centenário e alugaram uma pequena sala comercial dela. Pagaram à vista o primeiro mês. Disseram que ali montariam um brechó chique. No entanto, passado um mês, um caminhão chegava com mais de 200 urnas funerárias. Como já haviam pago pelo aluguel, logo acomodaram os caixões. Senhorinha conta que o negócio deu errado porque o casal não conseguiu autorização para funcionar. Tentaram abrir a funerária em outras cidades da região. O insucesso os acompanhou, sempre. Um tempo depois, a aposentada não os viu mais.

Enquanto o tempo passava, as urnas continuavam em sua sala. Não recebia pelo aluguel e, ainda, tinha que se deparar com o imóvel lotado pelo material indesejável. Uma cena de horror. O desespero logo apareceu. Foi então que ainda em 2010, decidiu pegar um ônibus e ir de encontro ao casal em Foz do Iguaçu. “Sabia que eles moravam lá. Fui até Foz e os encontrei”, disse. Lá, segundo ela, Maria e Paulo informaram que não tinham mais dinheiro para tocar o negócio. Estavam sem condições até mesmo de resgatar os caixões. Eles também teriam dito que, a partir daquele instante, Senhorinha era a dona das urnas. Ali, naquele momento, o drama definitivo da aposentada iniciava.

Ao retornar a Quarto Centenário, Senhorinha e a filha passaram a ligar a todas as funerárias da região na tentativa de vender o material. Ninguém quis. Procurou então o prefeito da cidade a fim de que pudesse comercializar as urnas. Também não conseguiu. Num beco sem saída, teve ajuda municipal para, ao menos, levar os caixões até uma casinha dela.

Finalmente, a sala comercial estava livre do incômodo. Desesperada, voltou a ligar às empresas do ramo para, desta vez, doar o material. Também não conseguiu. Ninguém aceitou a doação. Ela então não podia vender e, muito menos doar aquela herança maldita. Na última tentativa em livrar-se do problema, foi até a prefeitura pedir que levassem os caixões para que ateassem fogo. Também não permitiram. Senhorinha não tinha mais nada a fazer. O jeito foi sentar e dar risada. “Tristeza não paga conta”, disse.

Por fim, a sua história acabou sendo contada pela TRIBUNA. Dias depois uma empresa apareceu e levou o material e, com ele, o drama da aposentada. Embora tenha doado as urnas, ela gostaria mesmo é que conseguisse vender. “Tinha que tirar pelo menos o dinheirinho que deixei de ganhar com os aluguéis”, disse. Mas isso não aconteceu. Senhorinha está agora mais tranqüila. Afinal livrou-se de um pesadelo de seis anos.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Os Scattu encontraram a "felicitá"



DilmércioDaleffe

Albino Scattu ainda era jovem quando recebeu o convite de um tio para deixar a Itália e vir conhecer o Brasil. Morava numa pequena cidade italiana chamada Gairo, na Sardenha. Pastor de cabras e ovelhas, Albino se entusiasmou com a possibilidade de pujança em terras ainda não compreendidas. Foi então que em 59, deixou a esposa Ida e os três filhos pequenos e veio ao país. Mal sabia ele que aquela viagem era só de “ida”, literalmente. A certeza de encontrar a felicidade e o bem da família fizeram dele mais um brasileiro naturalizado. Albino morreu em 84, mas somente depois de fazer sua vida e a de seus descendentes. Os Scattu acertaram na escolha. Uma imigração satisfatória.

A saga da família começou na década de 50, mas foi consolidada apenas nos anos 60, uma época de ouro no Brasil, onde tudo começava a tomar forma. Albino chegou um ano antes dos seus. Passou a trabalhar numa pequena rede de hotéis pertencente ao seu tio, um também italiano chegado quatro ou cinco anos anteriormente. As duas unidades ficavam em Londrina e Maringá. Vendo que o ramo era promissor, Albino foi até Campo Mourão e arrendou o antigo Hotel Brasil, uma estrutura toda em madeira localizada na esquina da Avenida Irmãos Pereira com a Rua Araruna. Queria ter o próprio negócio. O hotel pertencia a Dalva Boss e na época, ela firmou negócio com o italiano.


Dono do seu próprio nariz, Albino retornou à Itália, fez as malas, vendeu toda a criação e comprou passagens de navio para a família. Saíram de Gênova e chegaram ao Porto de Santos em 1960 a bordo do navio “Eugênio C”. Giovani Scattu, o filho mais velho, tinha apenas dez anos, mas ainda recorda-se da embarcação. Junto também desembarcaram a mãe Ida, a irmã Ângela, de sete anos e o irmão Paolo, de um ano. Desceram as escadas sem saber o que iam encontrar. Desejavam apenas felicidade e dias melhores. O pai já sabia seus destinos. Mas para aquelas crianças, foi uma mudança completa. Tudo era novidade. Giovani não tinha certeza se aqui seria feliz.

Dias depois os Scattu já estavam com os pés fincados em Campo Mourão. Um tempo em que a cidade começava a caminhar. O progresso era a grande promessa, mas a certeza de que tudo seria bom, ainda não havia sido escrito. Juntos, os cinco administraram o Hotel Brasil. Uma empresa familiar, com modestos recursos, mas com grande vontade em trabalhar. Fazer a vida.

Em 1960, Campo Mourão era só poeira. As ruas de terra, sem asfalto, refletiam a precariedade de uma época. Não existia água encanada, rede de esgoto e abundância em energia elétrica. Carro era Jipe e Rural. Além do núcleo urbano, bem pequeno, o resto era só mato. Hoje a cidade cresceu e o mato desapareceu. Giovani lembra que a escassez de água era tanta que as roupas de cama do Hotel Brasil eram lavadas no rio onde está hoje o Parque do Lago. Haviam muitas pedras em suas margens, o que facilitava a lavagem dos tecidos, recorda-se Giovani.

Anos mais tarde, Albino rompeu o contrato de arrendamento do Hotel Brasil. Comprou um terreno na Avenida Capitão Índio Bandeiraonde construiu sua própria empresa: o Hotel Roma. A data de mil metros quadrados era de João Durski. Ali, o empreendimento foi levantado e junto dele, construiu-se também o restaurante da família. Dona Ida era a cozinheira. Utilizava o velho fogão à lenha para alimentar até 100 pessoas ao dia. Giovani era quem servia às mesas. “Era uma comida deliciosa. Lembro que atendíamos muita gente, a maioria viajantes”, diz o primogênito. Com o tempo, a família comprou outro terreno ao lado, onde construíram a casa para morar. Ela existe até hoje.

Com a prosperidade em vista, a certeza da mudança do Brasil não era mais questionada. Todos estavam bem. Depois de ajudar os pais, Giovani saía para brincar com os amigos. A cidade não tinha campos de futebol. Então o jeito era improvisar as peladas em madeireiras e serrarias. Eles aproveitavam o pó de serra para não se machucarem. Uma brincadeira saudável em tempos de precariedade. Foi nesta época também que o menino presenciou a Capitão Índio Bandeira ser asfaltada. Ele brincava na rua de terra, afinal, ser atropelado ali era difícil. Carros quase não existiam.
O primeiro carro dos Scattu foi um Jipe, ainda em 62. Quatro anos depois adquiriram uma Rural Willys. “Era um carrão. Um artigo de luxo”, disse Giovani. O veículo foi conservado e existe até hoje. A Rural está com Ângela, a irmã do meio. Ele lembra que o carro foi comprado do ex-prefeito de Campo Mourão Paulo Vinícius Fortes. A década de 60 é lembrada com muito carinho, apesar de suas dificuldades. Giovani se recorda de uma época de frio intenso, onde os meses de inverno eram marcados pelos pinhões cozidos pela mãe.

O hotel Roma durou até meados de 1984, quandoAlbino morreu. Depois disso, passou a ser uma pousada e sem o restaurante. Dona Ida passou a administrá-la. É que os filhos já estavam todos encaminhados, com outras atividades. Giovani transformou-se em agrônomo e Paolo em Técnico Agrícola. A irmã Ângela já havia casado. Ao todo, Ida e Albino tiveram sete netos. Era pra ser sete italianinhos. Mas quis a saga da família que se transformassem em sete brasileiros. Ida, depois de garantir a prosperidade dos filhos, morreu em 2006. Ela voltou à Itália por diversas vezes para visitar parentes. Em 2011, a história do Hotel e da Pousada Roma foi destruída por completa. O terreno foi vendido e o imóvel demolido.

Os três filhos são naturalizados e não pensam em deixar o país. Passaram a adorar sua nova nação. Giovani passou a ser santista doente. Ama futebol. Mas quando Brasil e Itália se enfrentam, o coração se divide. São duas paixões que o remetem a gratidão e a saudade. “O Brasil é o meu país. Devo tudo que tenho a ele. Aqui ganhamos dinheiro e formamos nossos filhos”, afirma. Os Scattu deixaram parte da Itália para encontrarem a felicidade no Brasil. Num cantinho dele conhecido por Campo Mourão. Mesmo diante das dificuldades, conquistaram sonhos, driblaram problemas e terminaram por enterrar os pais, Albino e Ida, em terras vermelhas. Até a cor da terra daqui é mesmo diferente. Lembrando do seu passado, o destino daquele menino acabou sendo traçado. Ele encontrou a felicidade.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Pedro mostrou a cara, mas a justiça não o viu

Pedro não queria muito. Desejava apenas apresentar-se às autoridades policiais para pagar pelo crime que cometeu há um ano. Tirou a vida de Marcos Boaventura, um jovem de 26 anos. No entanto, não foi preso. Descobriu que não havia mandado de prisão contra ele.
Pedro mostrou a cara, mas a justiça não o viu


Dilmércio Daleffe

Pedro Valentim Pereira é apenas um servente da construção civil. Um mourãoense como tantos outros. Um rapaz pobre, com pecados ainda por serem julgados. Mas ao longo dos seus 27 anos aprendeu a arrepender-se de seus atos. Esta semana, cansado da luta travada entre ele e sua consciência, decidiu apresentar-se às autoridades. Há mais de um ano matou outro de sua espécie. Um crime inaceitável entre os homens. Ficou um ano desaparecido. Acabou voltando para acertar suas contas. Mas foi impedido. Na delegacia, a polícia não pode prendê-lo. Não havia nenhum mandado de prisão. Foi então até o fórum onde deu a cara a bater. Horas depois saiu pela porta da frente. Também não havia nada que o detivesse. Pedro quer pagar pelo que fez, mas ainda não descobriu como fazê-lo.

O drama de Pedro teve início em fevereiro de 2011. Casado e com uma filha por criar, acabou perdendo a cabeça numa discussão familiar com Marcos Boaventura, um jovem de 26 anos que mantinha uma relação com a cunhada de Pedro. Relatos da família indicam que Marcos teria agredido a mulher. Com raiva, Pedro apanhou uma arma e matou o rapaz em frente a sua casa. O filho pequeno de Marcos teria presenciado a cena. Com medo em ser preso, Pedro fugiu da cidade rumo a Santa Catarina. Lá ficou por mais de um ano com a esposa e a filha. O que ele jamais imaginou é que a polícia nunca esteve a sua procura.

Mas com a consciência pesada e, ainda, carregando a cruz da culpa, Pedro tomou coragem e retornou a Campo Mourão. Chegou esta semana disposto a mostrar a cara e a pagar pelo que fez. Na quarta foi com a esposa até a delegacia de polícia. Foi encarcerado por algumas horas. Enquanto isso a esposa, Taís, voltava a sua casa em completo desespero, embora consciente da situação. Para sua surpresa, ainda no final daquele dia, Pedro bate à porta da residência. “Fui do inferno ao céu em algumas horas”, afirmou a esposa. Ela ainda não entende o que aconteceu, sabe apenas que o marido fez sua parte. “Ele fez o que tinha que fazer. Mas não queria que ficasse preso”, disse.

Na quinta-feira, o casal decidiu continuar a jornada e compareceu no fórum. Lá, Pedro aguardou por três horas sentado em um dos bancos do cartório criminal. Foi quando informaram que nada havia contra ele. O homem disposto a se entregar, acabou virando personagem. Queria poder olhar-se no espelho, mas o vidro se quebrou. A TRIBUNA também ouviu a ex-esposa de Marcos. Embora não estivesse mais casada com ele na época do crime, o seu filho presenciou a morte do pai. “O Pedro deve ficar preso sim”, disse ela. A família de Marcos deseja que a justiça seja feita.

Ontem, Pedro disse que se arrepende do que fez. Segundo ele foi um ato impensado, uma consequência desastrosa num momento de ira. “Pensei na minha filha e na minha esposa. Quero viver para sustentá-las. Por isso resolvi me apresentar”, disse. Com o coração “pesado”, ele voltou para tentar pagar pelo erro cometido. Uma forma de viver melhor e dedicar-se mais à família. “Fui até a polícia e ao fórum com minhas próprias pernas. Tenho muita fé e acredito que Deus irá me ajudar”, revelou. Ainda sem jeito, estranhando a situação em que se envolveu, disse pedir desculpas à família da vítima, Marcos. Falou muito em Deus e acredita um dia poder caminhar com a consciência tranquila.

Informações da 16ª Sub Divisão Policial de Campo Mourão indicam que na época do crime houve uma investigação quando chegou-se ao autor dos disparos, Pedro. Depois disso, o inquérito foi encaminhado à promotoria. Um ano depois do crime, o Ministério Público ainda não teria dado continuidade ao trâmite do processo. A reportagem tentou entrevistar a promotora criminal Lygia Camargo Grasso sobre a questão. No entanto, ela não pode colaborar porque estava atuando no julgamento do caso Stephanie. Mesmo assim, profissionais que trabalham no fórum explicaram que o fato se deve ao excesso de trabalho. São muitos processos ocasionando uma sobre carga. Pelo que se ouviu, as medidas já estão sendo tomadas. Enquanto nada acontece, Pedro continua a seguir sua vida. Ainda ontem, ele buscava uma vaga como servente na construção civil. Informou estar desempregado para garantir o sustento da família.

sábado, 17 de março de 2012

Carrasco de Stephanie é condenado a 35,9 anos


Dilmércio Daleffe

Alex Sandro da Siva, o assassino da menina Stephanie Bianca Ferreira, de apenas dez anos, foi condenado ontem a 35,9 anos de prisão. O crime aconteceu na manhã do dia 7 de agosto de 2009 e é considerado como um dos mais cruéis já registrados na história de Campo Mourão. Naquele dia, a menina, enteada de Alex Sandro, ficou em casa enquanto a mãe saiu para trabalhar. Indefesa, foi submetida aos horrores de um homem impregnado pelo mal. Foi estuprada e depois assassinada pelas mãos criminosas do padrasto. Seus atos o tornaram um impiedoso assassino. Ele poderia ter optado pelo bem, mas foi derrotado por demônios. Acabou destruindo toda uma família.


Ontem, sob um céu nebuloso e cinza, Alex Sandro compareceu bem cedo ao prédio do Fórum. Não eram nem nove da manhã. Chegou algemado na companhia de policiais. Fazia cara de assustado, mas numa frieza ártica. Não quis responder as perguntas da imprensa. Questionado se Deus o perdoaria pelo crime apenas disse: “Se Deus irá me perdoar, isso é com ele”. Alex Sandro saiu do camburão com algemas nos pés e nas mãos e foi escoltado por policiais até a sala do júri. Ainda na calçada passou ao lado de familiares. Com cartazes, eles pediam justiça. A avó, Lourdes, não agüentou e chorou. “Ele deve pagar por tudo o que fez”, disse. A mãe, Regina, acredita que nem Deus deve perdoá-lo. “Deus não perdoa uma coisa dessas”.


De acordo com relatos, naquele dia a menina havia saído comprar pão perto de casa. Ao voltar, Alex Sandro já tinha decretado sua sentença. A estuprou e depois a estrangulou dentro da própria casa. Mais tarde colocou o corpo de Stephanie no porta malas do carro e o jogou na área rural. Depois disso, numa frieza descomunal, foi até o local de trabalho da mãe, Regina, onde relatou o desaparecimento da menina. A mãe adentrou ao carro e voltou para casa. Juntos, os dois passaram a procurar pela menor. A mãe se desesperava em busca de uma realidade não desejada. Já o padrasto, fingia preocupação, numa atuação nada convincente.


A garota foi morta numa sexta-feira e o corpo encontrado no domingo. Um agricultor que caminhava pelo local percebeu a plantação amassada e, ao entrar na lavoura, encontrou a criança morta. O corpo estava seminu vestindo apenas uma blusa. Alex Sandro trabalhava de segurança e morava com a mãe da criança há pelo menos três anos. Poderia ter sido um “pai” exemplar, sempre buscando os caminhos da verdade. Mas decidiu ser o carrasco da própria família. Acabou com a vida de uma menina indefesa e decretou o fim dos sonhos de Stephanie. Uma criança pobre, mas com a esperança e felicidade ainda por conquistar.

Dias depois Alex Sandro passou a ser o principal suspeito pelo crime. Entregou-se à delegacia de Peabiru, na segunda-feira, dia 10, quando confessou o crime. Disse que momentos antes do abuso, havia chegado do trabalho e bebido um litro de whisky. Um irmão da vítima, de apenas cinco anos, teria escutado os pedidos de socorro da irmã, mas nada pode fazer. Afinal, tratava-se de uma criança ouvindo o desespero de outra.

Transferido para a delegacia de Campo Mourão, Alex Sandro ficou à disposição da Justiça até a terça-feira, dia 11. Mas a demora no pedido de prisão permitiu que ele saísse em liberdade pela porta da frente da delegacia, sem que nada pudesse ser feito. Apenas no dia seguinte, chegou às mãos do então delegado-chefe de Campo Mourão, Haroldo Davison, o pedido de prisão. O acusado, no entanto, já havia fugido, mas no final do mesmo mês foi encontrado e preso em Santa Catarina. Ontem, ele foi julgado e condenado pela lei dos homens. Na teoria, o mal foi vencido. A justiça foi feita. No entanto, na prática, Alex Sandro ainda terá que enfrentar a própria consciência e encarar a culpa de ter sepultado a inocente vida de Stephanie. A sentença dada ao réu bem que poderia lacrar de uma só vez todos os crimes cometidos contra menores. Mas não. Neste exato momento, outra criança está sendo violentada no Brasil.. O mal não acaba.

Menina ainda brincava de boneca





A pequena Stephanie tinha dez anos de idade e ainda brincava com suas bonequinhas. Uma garota esperta, de trato fácil entre as amigas e com muita fé em Deus. Fazia catequese e estudava na quarta série do Colégio Cidade Nova. Sua breve vida se resumia em casa, na escola e nas aulas de catecismo. Apenas isso. Nos finais de semana quase sempre visitava a avó, Lourdes Dias Marcolino, uma senhora sedenta por justiça. Até hoje, ela não se recuperou da perda da neta. “Ele deve pagar pelo crime. Destruiu nossa família”, afirmou.

Embora predomine a raiva, a avó mantém intacto o senso da razão. Revelou que Alex Sandro, apesar do que fez, sempre mostrou ser uma boa pessoa. Ela tinha segurança nos atos do rapaz, principalmente, porque ele tratava a menina como sua própria filha. “Não entendemos porque fez isso. Não imaginaríamos que pudesse fazer uma coisa dessas”, disse.

Stephanie era extremamente carinhosa com os familiares e muito zelosa nos estudos. Cuidava dos caderninhos e, neles, fazia inúmeros desenhos. Era um dos seus caprichos. Mas agora, a menina parou de desenhar. Todos os seus sonhos foram interrompidos. Não existem certezas. Apenas o julgamento entre o bem e o mal.

segunda-feira, 12 de março de 2012

O homem que pedala demais

Adilso é um incansável. Pedala 42 Km diários pra ir e voltar do trabalho em Campo Mourão. Acabou descobrindo que, se trabalhasse na vizinha cidade de Peabiru, sua jornada seria mais curta.




Dilmércio Daleffe

Adilso Floriano dos Santos acorda diariamente dez pras seis da manhã. Ele mora no Moradias Avelino Piacentini, saída de Campo Mourão rumo a Maringá. Toma um cafezinho, coloca a roupa, despede-se da esposa e do filho e, depois, monta sobre a magrela. Após 15 quilômetros ele chega ao local de trabalho, numa fábrica de máquinas de solda, no Parque Industrial. Pasmem. São 15 quilômetros pra chegar e outros 15 pra voltar, tudo de bicicleta. Não satisfeito, quase sempre sai ao meio dia pra ir ao centro da cidade. São mais 12 quilômetros. Cansado da rotina, acabou descobrindo que, se trabalhasse em Peabiru, a distância seria menor. É, a cidade cresceu.

Trabalhar é preciso. Mas no caso de Adilso, a jornada é dura. Tantas são as pedaladas diárias que pessoa e bicicleta se misturam. Os amigos não conseguem imaginá-lo distante da magrela. Parecem ser um só corpo. Num resumo, Adilso anda cerca de 42 quilômetros diários. Definitivamente, não é pra qualquer um. O pior é que ele tem preparo físico de sobra. Não bastasse a canseira, pelo menos três vezes na semana sai do trabalho direto aos gramados da cidade. Ele é também um excelente goleiro. Mesmo depois das “peladas”, toma uma água e monta novamente sobre a magrela. Lá se vão mais alguns quilômetros até sua casa.



Adilso é o cara. Qualquer outro ser humano diria que a sua jornada é cruel. Mas para ele, nada é o bastante. Quase todos os sábados, ao invés de deixar a empresa e ir descansar, torna-se um garçom, e dos bons, senão um dos melhores. É um bico, mas que lhe garante outra boa fatia de renda no final do mês. Só que nas festas de casamento, ele deixa a bicicleta estacionada do lado de fora do salão. Com um sapato preto brilhando, impecável, quem anda agora é ele. Das 20h até por volta das cinco da manhã, Adilso percorre outros dez quilômetros atendendo os convidados. É a vida de um garçom.

Quem é ele?

Moreno, 1,75 de altura e magro de dar dó. Assim é Adilso. Junto às suas características físicas, soma-se um pai e um marido dedicado e, conforme já descrito, sempre disposto. Evangélico, crê em Deus fielmente. Até pouco tempo, Adilso não tinha casa própria. Agora tem. Foi o grande sonho conquistado. O homem lá de cima disse amém. Ele morava junto com a mãe, no Lar Paraná. Ali, a distância até o trabalho não chegava a míseros mil metros. Mas pela casa própria, todo esforço vale a pena. E sua alma não é pequena.

Adilso, ou “Cirilo”, como é apelidado, trabalha como bobinador há oito anos. Leva 40 minutos de sua casa até a empresa. Se fosse arriscar a vida como atleta do ciclismo, certamente se daria bem. Mas prefere ser apenas jogador de futebol. Um pobre goleiro. Diz ele que não teria que pedalar. A empresa já ofereceu vale transporte. Mas preferiu assim.

Durante o tempo em que percorre as ruas da cidade já evitou muitos acidentes, a maioria por descuidos de motoristas. “Se eu não freasse, já teria sido atropelado algumas vezes”, diz. Mas Adilso é pacífico. Sempre aguardou sua vez. Esperou por vários anos até receber o aviso da casa própria. Agora, está aguardando o dia em que conseguirá comprar um pequeno veículo. “Se Deus me abençoar um dia, terei meu carrinho”, garante. Adilso é assim. Temente a Deus, vai conquistando tudo o que precisa. Hoje pedala, amanhã defende o gol, outro dia carrega a bandeja. Mas no futuro, certamente alcançará todos os seus sonhos. Os desejos sempre são conquistados para quem tem paciência.

O sorriso da estrada



Dilmércio Daleffe

Há pouco mais de um ano, a rodovia que liga Campo Mourão a Maringá está mais alegre. O principal motivo é a presença de um trabalhador da Viapar conhecido como “Negão do Alho”. Um sujeito que carrega uma bandeira vermelha para ajudar na sinalização dos trabalhos de manutenção da pista. Ele é Valdecir dos Santos, um dos bandeirinhas da empresa que, mesmo sob um sol escaldante, não consegue tirar o sorriso do rosto. Impossível passar por ele sem perceber aquele semblante. Mesmo quem está com problemas, esquece um pouco os dramas da vida para enaltecer aquele sorridente trabalhador. Valdecir faz a diferença e a viagem, torna-se mais curta.



Aos 45 anos de idade, “Negão do Alho” atua com satisfação. Conta ele que aprendeu a lidar com gente há anos, desde que trabalhava na lavoura. Por esse motivo vem traduzindo seu convívio em sorriso. “Deus me deu alegria e é assim que eu vivo”, diz. A sua história não é diferente da maioria dos paranaenses. Nasceu numa família de bons trabalhadores, todos da roça. Seus pais vieram de Minas Gerais e acabaram se estabelecendo em propriedades rurais da região de Maringá. Valdecir iniciou na enxada ainda aos seis anos e nunca mais parou.

Na verdade, só parou há um ano e meio, depois que adentrou aos quadros da Concessionária Viapar. “Aqui ganho melhor. Estou feliz aqui”. Valdecir tem mais três irmãos. Todos já deixaram a lavoura também. Hoje, ele está casado, mora em Mandaguaçu e possui duas filhas, de 22 e 23 anos. O apelido vem dos tempos em que atuava na lavoura de alho. Durante dez anos plantou e vendeu o produto. Passou então a ser conhecido como “Negão do Alho”.




Valdecir é católico e acredita muito em Deus. Vai à igreja quando consegue. Com o tempo também passou a ser chamado pelos motoristas como “Negão Sorriso”. Afinal, quem o vê só enxerga felicidade. Um motivo a mais para zelar da vida, correr um pouco menos na estrada. Uma razão a mais para acreditar em dias melhores. É incrível o que um belo sorriso é capaz de fazer.

terça-feira, 6 de março de 2012

Só falta distintivo para Cadela cherry


Dilmércio Daleffe

Nos corredores da delegacia de polícia de Goioerê, uma cadelinha preta desfila alegremente entre as pessoas. Confiante, ela percorre as salas, verifica um a um dos integrantes da equipe, numa espécie de cumprimento. Um bom dia. Seu nome é Cherry, uma simpática e dócil vira latas adotada pelos policiais. Sua chegada aconteceu há dois anos e meio, depois que um bêbado foi detido. Em uma sacola em que carregava, lá estava o animal. No outro dia o sujeito foi embora. Cherry ficou para sempre.

A história é contada pela secretária da delegacia, Tereza Moutinho. Ela presenciou o dia de sua chegada. Inclusive o nome do animal foi idéia dela. “Tive uma cachorrinha com este nome. Ela acabou morrendo. Então a homenageei”, disse. A cadela chegou ainda pequena. Mas com o tempo cresceu e criou personalidade. Hoje ela acredita ser integrante da equipe. Anda por todo lado a receber o carinho das pessoas. Até mesmo o público presente no dia a dia do órgão vê a cachorrinha com amabilidade.

Tereza lembra que Cherry conhece o barulho do motor de cada um dos carros dos profissionais da delegacia. Os veículos vão estacionando e a cadela vai os recepcionando. Ela olha e vai embora para o seu canto. Nos fundos do imóvel, o animal recebeu uma caminha. É lá também onde ganha comida e água, constantemente. Até mesmo cuidados veterinários os policiais a garantem. “Ela é a nossa mascote”, disse Tereza.

Conta o soldado Mendes, um policial militar, que quando fazia a guarda do mini presídio de Goioerê, Cherry o ajudava. “Qualquer barulho no pátio ela já latia. Ajudava mesmo”, disse. Lembra ele que, numa tentativa de fuga, os detentos a fizeram de refém. Como sabiam que a cadela latiria, a apanharam colocando-a junto ao buraco da fuga. Eles não consolidaram a escapada e soltaram a pequena vigia.

Mesmo com livre acesso pelo prédio, Cherry tem um apreço maior pelo investigador Valdinei, afirma Tereza. Segundo ela, quando ele está de plantão, a cadela deita-se em frente a sua sala e, de lá, não sai mais. “Cherry adora o Valdinei”, garante Tereza. A presença do animal é, de certa forma, um contra peso ao dia a dia pesado na delegacia. Os próprios profissionais do órgão admitem que ela melhora o ambiente de trabalho. Diante de todas as façanhas de Cherry, agora só falta receber o distintivo.

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Dilmércio Daleffe






segunda-feira, 5 de março de 2012

Amarildo foi "engolido" pela própria inocência



Dilmércio Daleffe

Amarildo Araújo Pereira tinha apenas 19 anos e como sonho queria ajudar a mãe. Veio de uma família de trabalhadores pobres, da lavoura, mas que sempre cultuavam os caminhos do bem. Nasceu com um distúrbio mental, descrito pelo irmão apenas como uma “mancha” no cérebro. Não fazia mal a ninguém, tão pouco a ele próprio. Inocente, decidiu sair à noite para dar uma volta na cidade. Naquela dia, 17 de fevereiro, de acordo com familiares, foi abocanhado por falsos colegas que se intitulavam amigos da família. Já, dentro de um bar, segundo a mãe Aurinete, foi forçado a beber. Enquanto um coro gritava “bebe”, Amarildo ingeria quase um litro e meio de cachaça. Segundo o irmão, foram oito copos americanos de álcool. O corpo franzino do rapaz não suportou. Levado já desmaiado a sua casa, morreu 20 minutos depois, ainda dentro da ambulância. Amarildo encerrou sua vida sem conseguir ajudar a mãe. Hoje ela chora a perda do filho.

Na pequena Rancho Alegre, município distante 81 km de Campo Mourão, não se fala em outra coisa. Para a população o caso resume-se a uma barbárie jamais vista. O assunto é tão forte que as pessoas mal querem comentar. Os que falam, não se identificam. No entanto, para a família da vítima, o fato não pode ser esquecido. Aurinete quer justiça. “Eles tiraram uma vida. Vão ter que pagar pelo que fizeram”, afirma. Ela já não possui mais lágrimas. Descreve o ocorrido com sofrimento, mas sem chorar. Sua dor já extravasou a alma.


A família mora numa pequena casa em alvenaria azul, na Rua Aracajú, número 25. Apenas três cômodos para abrigar mãe e cinco filhos. A vida é bastante modesta. Difícil a cada dia, mas o suficiente para não passarem fome. Viúva, Aurinete recebe pensão do marido. Os outros filhos, com idade entre 15 e 26 anos, estão desempregados. Mês a mês, o sufoco está presente. Mesmo sendo um imóvel simples, é honesto, próprio e o bastante para a família. Conta a mãe que ali sempre foram felizes. Agora não mais. O sorriso de Amarildo foi embora.

O rapaz vivia como numa fábula. Embora tivesse um pequeno distúrbio, levava a vida como todos os outros. Cresceu vendo a mãe e o pai trabalhar na roça. Transformou-se num trabalhador de verdade. Para ajudar na casa, sempre buscou alguns biscates. Há algum tempo chegou ter carteira registrada. Ele fazia limpeza em máquinas agrícolas e estava contente. Mas por algum motivo decidiu sair da empresa. Mais recentemente, conseguiu uma data vazia onde fez uma plantação de verduras. Todos os dias voltava trazendo comida à mãe. Ela se orgulhava disso. Devido ao seu problema, Amarildo media um metro e trinta de altura. Tinha um corpo franzino e, vez em quando, mostrava crises de nervosismo. Nunca encontrou os caminhos errados e adorava os seis irmãos. Seu erro foi ser inocente, um ser indefeso. No entrave entre céu e terra, acabou engolido por demônios.

Segundo relatos do irmão Élcio, no dia em que morreu, Amarildo foi cedo até sua horta. Varreu, plantou e podou. Voltou para casa com verduras. Orgulho para mãe. Depois disso limpou o quintal e almoçou. Permaneceu toda a tarde em casa, na companhia da família. Á noite, por volta da 10h, saiu. Passou em frente a um bar e acabou sepultando sua história. Élcio diz que algumas pessoas o chamaram para beber. Ele teria aceitado, embora dissesse estar sem dinheiro. Mas os outros o incitaram. Disseram que dinheiro não era problema. O rapaz então bebeu. Quando não agüentava mais álcool, tentou ir embora, mas foi impedido. Ofereceram mais cachaça e ele, inocentemente, bebeu. Élcio afirma que o local estava lotado. No entanto, apenas quatro clientes teriam sido os responsáveis pela bebedeira. “Essas pessoas são do nosso convívio. São amigos da família. Até agora ninguém veio se desculpar”, disse.

O rapaz de 19 anos teve a morte descrita como “causa desconhecida”. Por este motivo o corpo pode vir a ser exumado. “Temos que saber as causas de sua morte. Se for preciso haverá uma exumação”, disse o delegado de polícia Fábio Machado dos Santos. Segundo ele, o caso ainda está sendo investigado. O policial também confirmou saber da existência de um suposto vídeo que mostraria cenas de Amarildo sendo “induzido” a beber no dia de sua morte. “Tudo será analisado”, disse.