A vida não tem sido camarada para “seo” Cipriano. Aos 83 anos ele acaba de perder quase tudo com a enchente em Barbosa Ferraz. No início da semana, teve que dividir um pão com a companheira, Neide. O dinheiro acabou. A sobrevivência de “seo” Cipriano apenas começou.
Dilmércio Daleffe
Ao longo dos seus 83 anos, Cipriano Ferreira Rocha acredita em Deus. Ele é um refugiado das águas do Rio Lontras, em Barbosa Ferraz. Há alguns dias, ele perdeu tudo de novo, pela terceira vez. O leito subiu mais de dez metros e levou o pouco que conseguiu reunir na vida. Seu Cipriano chorou. Mesmo sendo um homem honrado, teve vergonha das lágrimas. Escondeu os olhos vermelhos das câmeras e desmoronou. Caiu como uma criança distante da mãe. Diante de tudo o que já viveu, ainda não acredita no cenário de horror vivido há uma semana. A enchente levou tudo. Móveis, comida, roupas, quase nada sobrou. Restou apenas a esperança e a fé. Como já narrado, Cipriano continua a acreditar em Deus.
Eram pouco mais das três da tarde quando ele e a esposa, Neide, abriram a casa para conversar com a TRIBUNA. Uma realidade nua e crua aguardava a reportagem. A residência de madeira velha ainda cheirava a úmido. Barro e entulho cercavam todo o quintal. Objetos mutilados pela água completavam o cenário. Roupas molhadas estavam pelos cantos e o que não foi destruído com a enchente, secava vagarosamente com o pouco sol da segunda-feira. A comida estragada foi jogada junto aos destroços. O cheiro podre era insuportável. Eles não tinham mais alimento em casa.
Cipriano é daquelas pessoas de bom coração. Dá vontade de apertar pra sempre. Veio a 60 anos de Rubelita, uma pequena cidade de Minas Gerais. Lá, o pai português e a mãe mineira morreram e, com isso, veio a vontade da busca incessante pela independência. Ficou sabendo que no Sul o dinheiro brotava nos campos. Então chegou a Barbosa Ferraz. Constitui família e fez cinco filhos, todos criados a partir do cabo da enxada. Ele trabalhou demais na vida. Nos capões de mato arrendou uma pequena propriedade. Lá cultivava milho, arroz, feijão e mandioca. Mas a produção não tinha bons preços. “Sempre produzi muito. Mas nada tinha valor. Trabalhei por mais de 70 anos e não consegui construir nem ao menos uma casa em alvenaria”, lamentou.
Honestamente, Cipriano trabalhou e criou a família. Afinal, ele buscou a região com o propósito de melhorar de vida. É verdade que os filhos estão bem na capital de São Paulo, onde trabalham em fábricas e grandes indústrias. Mas ele, aos 83 anos, olha o passado e decide chorar. “Não consegui uma vida melhor. Tive que trabalhar carpindo datas até os meus 80”, diz. Cipriano é viúvo. A esposa morreu vítima do diabetes. Há cerca de um ano e meio, juntou-se com Neide, uma viúva como ele. Hoje, os dois choram juntos pelas percas e pela humilhação. Não precisariam estar numa situação dessas se vivessem num país sério.
A realidade do casal é cruel. Aposentados, esta semana não tinham mais dinheiro. A renda já havia sido gasta até o dia 10. Os alimentos comprados para o mês, foram consumidos pela enchente. Na segunda-feira, eles dividiram um único pão trazido por uma vizinha. Cena humilhante, patética e trágica para quem nem ao menos pode mais trabalhar. Cipriano não teve forças para continuar a narrar seu drama. Chorou, sentou-se e tomou um copo d’água. “Depois disso, vocês ainda acham que consegui uma vida melhor?” questiona o aposentado.
O leito do rio Lontras passa a cerca de dez metros da casa de “seo” Cipriano. Na manhã daquele sábado, a água encostou no telhado. Mesmo assim, a velha casa de madeira resistiu. Conta ele que a residência possui 60 anos e é a mesma desde quando foi morar na cidade. Cipriano a construiu depois que a primeira delegacia da comunidade foi desmanchada. “Comprei a madeira da delegacia e fiz minha casinha aqui. Moro no lugar até hoje”, diz. Agora, cansado pela tortura do rio, decidiu mudar para um lugar mais alto. Mas sua condição financeira é ruim. Ele tem um sonho, mas acha difícil alcançá-lo.
No dicionário, a palavra sobreviver significa “continuar a viver, a existir, após certo acontecimento; viver de modo precário”. De certo modo, Cipriano é um sobrevivente. Todo o dinheiro da família é contado. Remédios e alimentação o consomem por inteiro. Por causa disso, ainda há três anos, Cipriano era obrigado a trabalhar para garantir sua sobrevivência. Sem a companhia de Neide – eles ainda não se conheciam – ele carpia terrenos com o enxadão. Sozinho e distante dos filhos, ele se virava. Sobrevivia. Mesmo assim, continua a acreditar em Deus. Ele é fiel e, definitivamente, uma pessoa do bem. “Criei toda uma família no cabo da enxada, meu irmão. Minha vida sempre foi difícil”, desabafa. Bastante emocionado, soluçando diante das lágrimas, Cipriano não terá o que comer nos próximos dias. Certamente vizinhos o ajudarão. Mas o que esperar da vida? “Espero da vida o que Deus mandar”, afirma.
E eu me lembro dos auxílios que o governo dá aos políticos que sugam nossas riquezas. E um senhor desse, chora porque teve sua vida destruída, enqto nossos infames governantes dão risada de suas leviandades.
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