segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Jovelino, o poeta sem escola

Jovelino e Lázara formam um casal à moda antiga. Com vontade de expressar seus sentimentos à esposa, Jovelino, hoje aos 85 anos, aprendeu a escrever e transformou-se num poeta. O homem que jamais freqüentou uma escola vem colocando no papel todo o amor pela mulher, “Lazinha”, de 83 anos. Uma verdadeira história de amor.


Dilmércio Daleffe


Aos 85 anos, Jovelino Soares da Silva é um caboclo à moda antiga. Casado há 63 anos com “Lazinha”, ele não se cansa em escrever versos e poemas dirigidos a esposa. Tão apaixonado que vem aprendendo as palavras nas últimas duas décadas. Tudo pra falar do sentimento pela mulher. Jamais freqüentou uma escola. Unidades escolares quase não existiam na década de 30. Ainda mais nos rincões onde morava, lá pelos lados da Serra do Cadeado, próximo ao município de Tibagi. Jovelino é um caso raro. Uma figura sem igual. Depois de passar uma vida toda na roça, plantando milho, feijão e mandioca, transformou-se num poeta. Num poeta sem escola.

As mãos calejadas não conseguem esconder um passado difícil, de muito suor. No cabo da enxada escorreram muitas lágrimas. Conta Jovelino que já, aos sete anos ajudava o pai a derrubar o mato da propriedade. Eles iniciavam a demarcação de suas poucas terras. Naquela época tudo era verde. Tudo era mato. Hoje a vida mudou, até parece não ter mais graça, diz. Nos poemas escritos, as palavras encaixam-se perfeitamente com as saudades de sua infância. A rima é rica. As frases fortes. E quando é ele que faz a leitura dos textos, a imaginação corre solta. Gostoso de escutar, indescritível divagar.



Jovelino vem de uma família cujos pais descendem de índios. Por isso mesmo se considera um bugre, um caboclo caipira. Eram 12 irmãos. Além da esposa, Lázara, ele fala muito da mãe, Maria dos Anjos, que morreu quando ele ainda tinha 12 anos. Nos poemas lembra o anúncio do pai sobre a saúde da mãe. Disse: “Não chore papai, você é forte. Quem ficará sem mãe somos nós”. Quem o ajuda na confecção dos versos é um velho e surrado dicionário. “Sempre que tenho dúvidas recorro ao pai dos burros”, disse.

“Lazinha” tem hoje 83 anos e é natural de Santo Antônio da Platina. Quis o destino que a família dela se mudasse para Faxinal na década de 40. Foi a mesma época em que Jovelino morou na cidade para abrir uma propriedade ao lado do pai. Depois de um tempo os dois se conheceram. Passados 15 dias, já estavam casados. Recentemente comemoraram bodas de Jade. “Naquele tempo não podíamos namorar. Então casamos”, lembra Jovelino.



A trajetória como poeta teve início há 20 anos. Com vontade em expressar-se buscou ajuda de pessoas que já sabiam ler e escrever. Sem cadernos na época, ele aprendia a escrever na casca de palmitos. Aos poucos foi deixando o analfabetismo e colocando no papel o sentimento de toda uma vida. Dona “Lazinha” que o diga. Ela é a principal fonte de inspiração. Uma senhora com problemas de saúde, que anda com dificuldades, mas a verdadeira dona do coração de Jovelino. Uma história de amor sem igual.

Morando em Iretama desde 1988, ele vive numa casa simples, mas própria. É lá, numa pequena chácara que insiste em cercar-se de objetos que o remetem a infância. Construiu um diminuto monjolo e ainda guarda diversas ferramentas de seu tempo na lavoura. Mantém uma descalçadeira – uma peça em madeira para retirar as botas -, uma velha cangalha de carga, broacas – malas para carregar suprimentos nas montarias -, além de um surrão – apetrecho como uma espécie de bolsa - de mais de 180 anos. Além disso, mantém arquivado notas fiscais da década de 60, de quando ainda vendia produtos e cereais a empresas do Paraná. Além de tudo isso, Jovelino mantém um cavalo em seu quintal, a quem chama de “Paciência”. “Ele não é um animal, é meu amigo”, diz. Quando decide ir ao centro da cidade, vai com “Paciência”.


Hoje, Jovelino lembra do passado e não se arrepende de nada. Ao contrário. É muito feliz por tudo o que viveu. Suas ricas lembranças o mantém vivo. “Já fiz de tudo na vida. Sou contente por isso”, afirma. Mas quando vê uma criança fora da escola, a tristeza logo aparece. Pensa no seu tempo e nas dificuldades em freqüentar os bancos escolares. “As crianças de hoje não podem estar distantes da escola. As autoridades têm que fazer alguma coisa”, diz. Afinal, como ele mesmo disse, a verdade não se inventa.

Assim, Jovelino e “Lazinha” vão vivendo. Num mundinho criado por eles, sorriem e suas histórias vão dizendo. São o espelho de uma parte da população impedida de alcançar a educação. Quem sabe um dia os cidadãos poderão chamar o país de nação. Mas afinal, quase todo roteiro real termina assim. Mesmo sem educação, Jovelino alcançou a sabedoria. Embora o casal não ligue muito para isso, continuam felizes, até o triste dia do fim.

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