segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Santo, o pescador de solidão


Dilmércio Daleffe

De santo, Santo nada tem. Ele é somente um cara normal, cujas surpresas da vida vão se revelando nas curvas do destino. A diferença entre ele e os demais homens está no cotidiano. Enquanto a maior parte dos seres acorda em meio à cidade, com buzinas e barulho de carros, Santo levanta e vê uma paisagem bela e deslumbrante: o lago da Usina Mourão. Todo dia a cena é a mesma. Talvez seja por este motivo que acredita chegar aos cem anos. Decidiu viver assim, sozinho, desde que a esposa morreu. Santo é um pescador de solidão.

Santo Pacanhela Filho está com 63 anos. Descendente de espanhóis, ele acorda cedo. Lá pelas cinco da manhã acende o fogão a lenha pra iniciar o ritual do café e o tempero do feijão. Mora numa casinha modesta, de madeira, com duas peças, às margens do lago da usina. Vive só há cinco anos, desde que recebeu o convite para residir ali. Viúvo há 11 anos, não tinha nada mais a fazer na cidade. Foi então que aceitou morar em meio ao mato. Santo é um cara do bem. Vive bem humorado. Não leva problemas pra casa. Mas onde encontrá-los naquele local?

Santo fez o caminho inverso da modernidade. Enquanto as pessoas estão migrando da zona rural à urbana, ele abandonou à cidade e se embrenhou nos capões de mato. Deixou pra trás o barulho das máquinas e passou a absorver o ruído do lago, o canto dos pássaros, a brisa do vento. Santo está feliz. Não quer mais sair do local. “Quero morrer aqui”, disse. Mas quando fala da esposa morta em 2001, a emoção aflora. Ele tem saudades da companheira, Maria, morta aos 45 anos de idade.

Conta Santo que seus pais vieram do interior do estado de São Paulo, Pirassununga. Foram até Iretama e, anos mais tarde chegaram a Campo Mourão. O pai sempre foi da agricultura. Num dia fatídico, morreu pisoteado por uma vaca. Santo teve sete filhos. Trabalhou no campo e depois na cidade como sapateiro e saqueiro. Há alguns anos sofreu um acidente na estrada. Quase perdeu uma das pernas. Desde então aposentou-se por invalidez. Vez em quando recebe a visita dos filhos. Mas na maior parte do tempo vive só, pescando solidão.

Logo pela manhã, Santo deixa a casa e sai em busca de seus peixes. É lá, na beira do lago quando enxerga o verdadeiro valor da vida. Durante várias horas, sem ninguém atrapalhar, passa o tempo a pescar. Entre preparar a isca no anzol e a incrível sensação de fisgar o bicho, vai divagando seu destino. Ele não deve a ninguém. Não tem problemas. Consome as horas com prazer. Santo nada tem de santo. Tem apenas solidão. Mas isso não é nada pra quem tem quase tudo.

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