sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Quem se desculpará por Heder dos Santos?

Ele tinha apenas 17 anos. Trabalhava, estudava e ainda ajudava na renda de casa. Mas os sonhos do adolescente chegaram ao fim. Heder dos Santos morreu após permanecer 27 dias internado no hospital. Levou um tiro covardemente pelas costas. Morreu inocente depois de ser acusado por um crime que não cometeu.


Dilmércio Daleffe

Um adolescente, uma calúnia, um tiro. Sonhos de uma vida inteira soterrados pelas mãos desinformadas de um criminoso. Heder dos Santos morreu assim, à toa, sem culpas. Aos 17 anos, foi acusado injustamente por um falso estupro, uma armação de duas meninas de 11 e 12 anos. Pagou com a própria vida por um crime que não cometeu. Foi alvejado por um disparo nas costas. Um tiro covarde de alguém que insiste em esconder-se. Mesmo lutando por 27 dias numa cama de hospital, acabou morrendo no último dia 26. Para a mãe, Cecília Koziel, restaram as lembranças e muitas perguntas. Ela agora quer justiça. “Antes eu tinha medo de morrer. Agora não tenho mais”, disse.

Cecília é uma mãe despedaçada. Perdeu o filho do meio. Um jovem que dedicava a maior parte de seu tempo ao trabalho. Ela nasceu em Pitanga, numa comunidade rural conhecida como Palmital de Baixo. Mas logo aos 21 anos, decidiu largar a “roça” e buscar novas oportunidades em Campo Mourão. Teve dois relacionamentos. O primeiro resultou em dois filhos, incluindo Heder. Sem nunca ter conhecido o pai, viveu ao lado da mãe. De vida sofrida, passou grande parte da juventude no campo. Colhia algodão, plantava feijão e milho. Suas mãos desde cedo deixaram de ser frágeis. Mal sabia ela que o futuro também não seria fácil. Hoje, aos 41, está abalada. A simples diarista de coração grande viu o filho ser morto injustamente.

Emocionada, a mãe conta que Heder saiu naquele domingo, dia 27 de novembro, para dar uma simples volta de bicicleta. A família morava no Conjunto Piacentini, um bairro periférico e bastante simples de Campo Mourão – ela deixou o bairro após o crime. Uma região de bons trabalhadores, sendo a imensa maioria deles, honestos. Horas mais tarde encontrou-se com as duas garotas. Segundo Cecília, as menores não eram do círculo de amizades do filho. Ele teria explicado que permaneceu com as duas próximo ao posto de combustíveis Cataratas, na saída para Maringá. Conversaram um pouco e nada mais aconteceu. Quando decidiu voltar para casa, foi abordado por outros dois adolescentes. Eles teriam agredido e rasgado as roupas de Heder. A bicicleta e um dos tênis também foram levados.



Com medo, o jovem correu até sua casa. A mãe, vendo tal desespero, quis saber o acontecido. Ele explicou o fato e ainda pediu à mãe que acionasse a polícia. Mas não o fizeram. Preferiram ir até a casa da avó. Lá, receberam a notícia de que policiais o aguardavam em sua residência. Com a consciência tranqüila, Heder foi até a casa conversar com os PMs. Pensava ele que a guarnição havia encontrado sua “magrela”. Mas para a sua surpresa, segundo Cecília, foi levado algemado acusado por estupro. Já na delegacia ficou sabendo que tanto a bicicleta como o tênis haviam sido encontrados no local do suposto crime. Uma armação havia sido montada. Mas por que?

A trama

Diante dos questionamentos da delegada Maria Nysa Moreira Nani, a acusação começava a cair por terra. Um laudo pericial comprovou que não houve estupro. “As duas meninas são virgens”, afirmou Nani. As adolescentes inventaram toda a história. Cecília acompanhou o filho durante o interrogatório. Ele contou os fatos detalhadamente para a polícia. “Lembro que a luz caiu naquela noite e o escrivão perdeu tudo o que já tinha escrito no computador. Heder contou tudo novamente, igualzinho como na primeira vez. Ele estava falando a verdade”, disse a mãe. De acordo com a delegada, as meninas podem ter criado a estória apenas com o intuito de se aparecerem. Vivem numa espécie de mundo fantasioso onde criam fatos para conseguir o que desejam. Ela também explicou que, certamente, as duas sofrerão punições da justiça.

Liberdade

Heder foi solto ainda durante a madrugada e retornou com a mãe até sua casa. Na segunda-feira, dia 28 de novembro, ele quis ficar em casa. Estava constrangido e envergonhado pela acusação. Mesmo assim, os dois foram juntos ao Santuário Nossa Senhora Aparecida, na Vila Urupês. Rezaram e agradeceram a Deus pela liberdade. Ele se confessou e depois orou mais uma vez na sala dos milagres. Católico, Heder ia à igreja ao menos duas vezes por mês. Ao sair do Santuário, os dois caminharam juntos até o centro. Passaram em frente a uma concessionária e lá ele prometeu à mãe: “Um dia terei um carros desses”. Era somente um dos tantos sonhos do menino. Infelizmente, não teve tempo para concretizá-lo.

Na terça-feira, dia 29, a vida voltava ao seu rumo habitual. Heder voltou ao trabalho. Era auxiliar de pintura. Passava o dia lixando paredes. Preparava a tinta, alisava a massa corrida e, assim, ganhava o próprio dinheiro. Conta a mãe que o menino labutava desde os 15 anos, ainda num mercadinho da periferia. Fazia entregas aos clientes. Buscou o emprego por iniciativa própria. Queria ajudar a mãe. Afinal, ela criou os três filhos praticamente com o próprio suor. A exemplo de Cecília, Heder não conheceu o pai. Foi rejeitado. “Ele me prometia que um dia iria me dar uma casa”, revela Cecília. Mais um sonho impedido.

O disparo

À noite, Heder chegou em casa cansado. Trabalhou durante todo o dia a ponto do cabelo ficar duro com o pó das paredes. Tomou um banho e foi até a casa do irmão, também no mesmo conjunto. Ele emprestou a moto do primogênito para dar uma volta até sua casa. Não voltou mais. Durante o percurso foi alvejado por um disparo. Um tiro covarde pelas costas. O autor ainda não foi identificado pela polícia. Acredita-se que a ação tenha relação com a falsa acusação de estupro. Minutos depois chega a informação até Cecília de que o filho havia caído de moto. Ela correu ao seu encontro e ajudou a socorrê-lo. Não observou que se tratava de um tiro.

No hospital veio a notícia. O disparo alojou-se na coluna cervical. Mesmo que sobrevivesse, correria grandes riscos de ficar tetraplégico. A mãe desmoronou. Durante 27 dias em que permaneceu na UTI, Cecília rezou. Pedia a Deus ininterruptamente pela melhora do filho. Seus joelhos ainda revelam hematomas dos momentos de oração. Foram horas, dias, semanas de clemência. De nada adiantou. Ele não resistiu e morreu um dia após o Natal. Cecília caiu.

Heder

Heder dos Santos morreu aos 17 anos de idade, vítima de um disparo de arma de fogo. Era um menino comum a tantos outros. Na infância, brincava de bicicleta e carrinho. Viu a mãe sofrer para dar sustento à família. Pobre, decidiu trabalhar ainda aos 15 anos para colaborar com as contas da casa. Passou a comprar sua própria roupa e até parte de sua alimentação. Quando sobrava, dava dinheiro à mãe. Para não comprometer os estudos, passou a estudar à noite, Estava no segundo grau do Colégio Estadual Ivone Soares Castanharo. Não usava drogas, mas bebida de vez em quando. Jamais teve passagens pela polícia. Era um adolescente boa pinta, tinha suas namoradinhas. Como um garoto sensato, enchia-se de sonhos para ajudar a mãe. Prometeu dar uma casa e uma vida melhor. Mas foi impedido pelo destino.

Mesmo com a ausência da figura paternal, nunca quis conhecer o pai. Adorava jogar futebol num campinho próximo a sua casa. Era santista. Como sonho profissional, desejava ser piloto de avião. Acreditava conseguir um dia. Mas as mãos sedentas de ódio do criminoso, mais uma vez, o impediram. Informações obtidas ontem revelam que duas pessoas estão detidas suspeitas pelo crime. Ambas portavam armas que, agora, serão comparadas ao projétil retirado do corpo.

Constrangimento

Diante de tamanha injustiça, Cecília ainda amargura o constrangimento do filho ter sido exumado uma semana após o seu sepultamento. Uma falha do Instituto Médico Legal de Campo Mourão (IML) fez com que o projétil alojado na coluna de Heder não fosse retirado do corpo durante a necrópsia. Sem o material, a polícia não teria como aprofundar-se no caso e, consequentemente, descobrir o criminoso. Milton Scheibel, Diretor Administrativo do IML disse ontem que o projétil deveria ter sido retirado, sim, antes do sepultamento.

Para seu espanto, Cecília só foi informada da exumação horas depois que o corpo já estava no órgão. Ela tinha certeza de que a bala já havia sido retirada. Destruída pelo sentimento da perda, Cecília se consola pensando que Deus recebeu um anjo no céu. “Deus precisava de mais um anjo e o levou de mim”, disse. Ela não tem suspeitas sobre o autor do crime. Quer deixar a investigação para a polícia, mas não abre mão que a justiça seja feita. Bastante chocada com a morte do filho, ela não teve forças para acompanhar o sepultamento. Sem forças para continuar sua jornada, ela agora está em casa, buscando a recuperação. “Não espero mais nada da vida. Aguardava um milagre, mas ele não veio”, disse.

Um comentário:

  1. A policia mas uma vez falhou, por onde anda o autor do crime .Sabem alguma coisa ,acredito que nao , .Serà que ele nao esta andando livremente ! O que faze ?

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