terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Os seis filhos de Lucinéia


Lucinéia sempre foi pobre. Não tinha carros, nem mansões, nem mesmo um simples barraco. Foi enganada e abandonada por ex-companheiros. Passou fome, humilhações, necessidades. Acabou presa por conta de um romance com um traficante. Definitivamente, ela não tinha nada. A não ser o amor infinito e eterno pelos seis filhos. A quem educou e dedicou a vida. Em sua tragédia pessoal, Lucinéia só precisou amar.




Dilmércio Daleffe

Ricardo, Alexandre, Carlos, Lucas, Ana e João, são irmãos. Filhos de Lucinéia de Meneses, uma mulher dedicada e guerreira quando o assunto era as crianças. Buscando sua independência, fugiu aos 17 anos com o primeiro amor. Voltou grávida, abandonada pelo sujeito. A partir daí, conheceu outras paixões e teve mais cinco filhos. Enganada por um homem, acabou presa e condenada como traficante. Passou fome, ficou desempregada, morou na favela e, mesmo diante de sua tragédia pessoal, deu uma educação invejável a todos os filhos. Eles, inclusive, são tudo o que restou da história de Lucinéia. Pobre e sem recursos, ela morreu há uma semana, vítima de câncer. Morreu jovem, aos 40 anos, sem quase nunca ter recebido ajuda dos pais de suas crianças. Lutou sozinha a vida toda. Mas agora, depois de terminar sua jornada, quatro de seus filhos ficaram sozinhos, sem pai e sem mãe. Se isso não bastasse, estão sem casa própria.

A trajetória de Lucinéia começou ainda menina, depois de apaixonar-se por Adelso, um músico que trabalhava em um antigo circo que passou por Campo Mourão. Um dia os dois se conheceram, e ela então fugiu com ele. Ricardo, o filho mais velho nasceu nove meses depois, após ser concebido sob a lona do circo. Reflexo do que viveria por mais vezes, ela foi abandonada ainda grávida. Quis o destino que Lucinéia herdasse uma vida semelhante ao que a mãe dela teve. Afinal, ainda menina, foi abandonada pelo pai. E nesse jogo de descaso, sempre pela figura do homem da casa, Lucinéia cresceu madura, forte e resistente aos espinhos traiçoeiros de sua caminhada. Na verdade, depois de intensas paixões, ela descobriu que amor mesmo era apenas o que sentia pelos filhos. O resto era besteira.

Também conhecida por Lúcia, assim como a maioria do país, não teve oportunidades na vida. Sempre foi pobre e conseguiu estudar até a quinta série. Mas amor para repassar aos filhos não necessita de escola. E nesse quesito, ela foi professora. Quando Ricardo já tinha dois anos, a mãe conheceu outro rapaz, José. Foi uma relação “arranjada” pelos pais dos dois jovens. Mesmo assim, viveram juntos por 11 anos. No início foram para São Paulo e lá tiveram Alexandre, Carlos e Lucas. Mas as coisas na cidade grande são quase sempre impossíveis. José ficou desempregado, a família chegou a passar fome. O jeito então foi voltar ao interior.

Em Campo Mourão, o casal permaneceu unido por mais algum tempo, até que um dia, José a abandonou. Deixou a família sem olhar para trás. Há menos de um ano os filhos receberam notícias de que ele havia morrido. Sem ajuda de um companheiro, Lúcia acabou morando na favela São Francisco de Assis. Um casebre sem condições humanas para ser habitado. Lá, passou os piores momentos de sua vida. Faltava comida, roupas e o mínimo de conforto possível. Ricardo, o filho mais velho ainda lembra da noite em que vizinhos ajudaram a família com alguma comida. “Ela fez a janta para nós. Mas com medo de faltar a alguém, deixou de comer. Mas parece que não era pra gente jantar. Quando estávamos à mesa, a lâmpada acima das panelas estourou e os cacos caíram sobre o alimento. Fomos dormir com fome. Nunca vou esquecer daquela noite”, disse.

Depois de ficar sozinha, sem José, Lucinéia iniciou um caso com outro rapaz. Ela não sabia, mas estava em companhia de um traficante. Foi então que passou a ser ameaçada por outros bandidos. Numa noite, a polícia adentrou sua casa e, para seu espanto, encontrou uma bolsa cheia de drogas. Foi presa em flagrante e ganhou uma passagem direto para o inferno. Condenada, ficou oito meses presa. Os filhos ficaram sozinhos, sem entender o que acontecia. Mas ainda pequenos, descobriram que era preciso procurar ajuda. E assim fizeram. Carlos, o filho que na época tinha 10 anos, procurou o Conselho Tutelar e pediu socorro. Foram então encaminhados a um abrigo da cidade, onde permaneceram por seis anos. Entre o tempo da favela e o pós cadeia, Lúcia teve outros dois filhos, Ana e João, cada um com um homem diferente. Mais uma vez, os pais deixaram os menores. Num mundo de ilusões e mentiras, Lúcia só encontrou verdades. Uma realidade dura e imprevisível. Cruel demais para uma só mulher.

Vivenciando a dureza da vida, os becos escondidos e as armadilhas do destino da mãe, os seis filhos cresceram, de certa forma, preparados. Ricardo, hoje com 23 anos, poderia ser um traficante. Alexandre, 21, Carlos, 19, e Lucas, 17, poderiam ser bandidos, revoltados com as circunstâncias do destino. Ana e João ainda são crianças, com 9 e 8 anos. Mas não. A educação deixada a cada um deles foi exuberante. Um exemplo a ser seguido. Todos, com exceção dos mais novos, são bons trabalhadores, educados e cidadãos de bem. Ricardo e Carlos já estão casados, moram em suas casas e tem seus empregos. Mas os outros quatro ainda dependem dos mais velhos, principalmente, agora. Eles precisam de ajuda.

A pequena casa em que moram não é deles, e sim de uma irmã de Lúcia. São apenas duas peças, mas o suficiente para um lar harmonioso. Acontece que o bom senso da tia foi imprescindível. Ela quer melhorar a casa e morar com os quatro, passando a cuidar, encaminhar, e seguir a educação de Lúcia. Mas tudo é muito caro. A família precisa de ajuda material para refazer o imóvel. Os filhos aprovaram a idéia e vão colaborar. Vizinhos já asseguraram a mão de obra. Agora só falta o dinheiro.

Onde quer que esteja, Lúcia deve ter refletido e agradecido as lições aprendidas pelos “meninos”. Ela sempre foi uma mulher de luta, uma pessoa simples, que apanhou na cara para aprender a não esperar nada da vida. Durante sua curta jornada, viveu, sorriu, perdeu... amou. Nos seus últimos dias, já entregue à doença, pediu a Ricardo para cuidar dos menores. E não tinha mais nada a pedir. Não deixou bens materiais, muito menos uma casa. Fez tudo o que podia pelos filhos, mas não conquistou o consumo diabólico, tão exigido pela sociedade. A moça de olhar triste, diante de sua tragédia pessoal, calou-se para sempre.    

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