segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A sobrevivência de Cipriano

A vida não tem sido camarada para “seo” Cipriano. Aos 83 anos ele acaba de perder quase tudo com a enchente em Barbosa Ferraz. No início da semana, teve que dividir um pão com a companheira, Neide. O dinheiro acabou. A sobrevivência de “seo” Cipriano apenas começou.

Dilmércio Daleffe


Ao longo dos seus 83 anos, Cipriano Ferreira Rocha acredita em Deus. Ele é um refugiado das águas do Rio Lontras, em Barbosa Ferraz. Há alguns dias, ele perdeu tudo de novo, pela terceira vez. O leito subiu mais de dez metros e levou o pouco que conseguiu reunir na vida. Seu Cipriano chorou. Mesmo sendo um homem honrado, teve vergonha das lágrimas. Escondeu os olhos vermelhos das câmeras e desmoronou. Caiu como uma criança distante da mãe. Diante de tudo o que já viveu, ainda não acredita no cenário de horror vivido há uma semana. A enchente levou tudo. Móveis, comida, roupas, quase nada sobrou. Restou apenas a esperança e a fé. Como já narrado, Cipriano continua a acreditar em Deus.


Eram pouco mais das três da tarde quando ele e a esposa, Neide, abriram a casa para conversar com a TRIBUNA. Uma realidade nua e crua aguardava a reportagem. A residência de madeira velha ainda cheirava a úmido. Barro e entulho cercavam todo o quintal. Objetos mutilados pela água completavam o cenário. Roupas molhadas estavam pelos cantos e o que não foi destruído com a enchente, secava vagarosamente com o pouco sol da segunda-feira. A comida estragada foi jogada junto aos destroços. O cheiro podre era insuportável. Eles não tinham mais alimento em casa.


Cipriano é daquelas pessoas de bom coração. Dá vontade de apertar pra sempre. Veio a 60 anos de Rubelita, uma pequena cidade de Minas Gerais. Lá, o pai português e a mãe mineira morreram e, com isso, veio a vontade da busca incessante pela independência. Ficou sabendo que no Sul o dinheiro brotava nos campos. Então chegou a Barbosa Ferraz. Constitui família e fez cinco filhos, todos criados a partir do cabo da enxada. Ele trabalhou demais na vida. Nos capões de mato arrendou uma pequena propriedade. Lá cultivava milho, arroz, feijão e mandioca. Mas a produção não tinha bons preços. “Sempre produzi muito. Mas nada tinha valor. Trabalhei por mais de 70 anos e não consegui construir nem ao menos uma casa em alvenaria”, lamentou.

Honestamente, Cipriano trabalhou e criou a família. Afinal, ele buscou a região com o propósito de melhorar de vida. É verdade que os filhos estão bem na capital de São Paulo, onde trabalham em fábricas e grandes indústrias. Mas ele, aos 83 anos, olha o passado e decide chorar. “Não consegui uma vida melhor. Tive que trabalhar carpindo datas até os meus 80”, diz. Cipriano é viúvo. A esposa morreu vítima do diabetes. Há cerca de um ano e meio, juntou-se com Neide, uma viúva como ele. Hoje, os dois choram juntos pelas percas e pela humilhação. Não precisariam estar numa situação dessas se vivessem num país sério.

A realidade do casal é cruel. Aposentados, esta semana não tinham mais dinheiro. A renda já havia sido gasta até o dia 10. Os alimentos comprados para o mês, foram consumidos pela enchente. Na segunda-feira, eles dividiram um único pão trazido por uma vizinha. Cena humilhante, patética e trágica para quem nem ao menos pode mais trabalhar. Cipriano não teve forças para continuar a narrar seu drama. Chorou, sentou-se e tomou um copo d’água. “Depois disso, vocês ainda acham que consegui uma vida melhor?” questiona o aposentado.

O leito do rio Lontras passa a cerca de dez metros da casa de “seo” Cipriano. Na manhã daquele sábado, a água encostou no telhado. Mesmo assim, a velha casa de madeira resistiu. Conta ele que a residência possui 60 anos e é a mesma desde quando foi morar na cidade. Cipriano a construiu depois que a primeira delegacia da comunidade foi desmanchada. “Comprei a madeira da delegacia e fiz minha casinha aqui. Moro no lugar até hoje”, diz. Agora, cansado pela tortura do rio, decidiu mudar para um lugar mais alto. Mas sua condição financeira é ruim. Ele tem um sonho, mas acha difícil alcançá-lo.

No dicionário, a palavra sobreviver significa “continuar a viver, a existir, após certo acontecimento; viver de modo precário”. De certo modo, Cipriano é um sobrevivente. Todo o dinheiro da família é contado. Remédios e alimentação o consomem por inteiro. Por causa disso, ainda há três anos, Cipriano era obrigado a trabalhar para garantir sua sobrevivência. Sem a companhia de Neide – eles ainda não se conheciam – ele carpia terrenos com o enxadão. Sozinho e distante dos filhos, ele se virava. Sobrevivia. Mesmo assim, continua a acreditar em Deus. Ele é fiel e, definitivamente, uma pessoa do bem. “Criei toda uma família no cabo da enxada, meu irmão. Minha vida sempre foi difícil”, desabafa. Bastante emocionado, soluçando diante das lágrimas, Cipriano não terá o que comer nos próximos dias. Certamente vizinhos o ajudarão. Mas o que esperar da vida? “Espero da vida o que Deus mandar”, afirma.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Marcelo precisa ser ajudado

Ele era um rapaz que se dedicava ao trabalho. Mas quis o destino que parasse de andar. Um acidente transformou sua vida. Agora ele necessita de ajuda para que sua jornada seja menos difícil.

Dilmércio Daleffe

Eram pouco mais das 3 horas da tarde do dia 8 de fevereiro de 2006, quando um acidente começou a mudar a vida de Marcelo Kmita. Aos 30 anos, ele fazia entregas de flores na Vila Guarujá, em Campo Mourão, quando derrapou na estrada. A moto que pilotava virou sobre sua cabeça. O impacto forte quebrou o capacete e iniciou uma série de problemas em seu corpo. Hoje, seis anos após a derrapagem, ele está numa cadeira de rodas, com apenas 15% de visão e com os movimentos dos braços comprometidos. Pobre e sem poder trabalhar, ele precisa de ajuda. Necessita de uma cadeira motorizada. Quem irá socorrê-lo?

Marcelo era um cara normal. Andava, enxergava e, como tantas outras pessoas, vivia de sonhos e dias felizes. Mas naquela tarde de fevereiro, tudo mudou. Chegou ao hospital já em coma, onde permaneceu por oito dias. Internado por quase um mês, saiu andando, vendo e acreditando que tudo havia sido um pesadelo. Pensava que o pior já tinha passado. Continuou a trabalhar como jardineiro e lenhador. Ao lado da esposa, Roselei, mantinha um lar honesto, simples, mas maravilhoso. Descobriu estar estéril por causa do acidente. Foi então que decidiu adotar um menino, João Lucas, hoje com seis anos. Juntos, os três viviam uma felicidade jamais sonhada.

Mas quis o destino, possivelmente insatisfeito com tamanha felicidade, transformar a vida da família. Em maio de 2009, Marcelo começou a perder a visão. Já iniciava ter dificuldades no trabalho. Anos depois, em 2011, crises convulsivas chegaram para interromper a sua caminhada, definitivamente. A vida estava desandando, literalmente. Há sete meses numa cadeira de rodas, o mundo se estreitou para Marcelo. Hoje, ele depende de quase tudo, principalmente, da esposa. É ela, inclusive, quem o empurra pela cidade. Ele está sem força nos braços.

Para piorar a situação da família, a renda não vem sendo suficiente para as despesas. Somente com remédios são quase R$800 ao mês. Trata-se de medicamentos não encontrados via município. Então o jeito é comprar. “Já fomos atrás, mas não conseguimos os remédios”, disse Marcelo. Mas a colaboração da comunidade começou a aparecer. Já há algum tempo Marcelo vem recebendo uma cesta básica através dos Vicentinos. Ele também recebeu um aparelho celular para fazer uma rifa. É gente se preocupando com gente. Gestos simples, mas de extrema nobreza.

O sobrenome Kmita vem da Ucrânia. Marcelo está casado há 13 anos com Roselei. Ela é 15 anos mais velha. Mas isso não impediu a felicidade do casal. Conheceram-se num colégio da cidade, onde os dois estudavam. Ela era estudiosa, enquanto ele, só reprovava. No intervalo, foram apresentados por uma prima. Namoraram por seis anos e depois se casaram. Vivem bem até hoje. Dá até gosto ver.

Mas somente de felicidade ninguém vive. Marcelo e Roselei precisam da colaboração da comunidade. Eles precisam ganhar uma cadeira motorizada para facilitar a vida. E não é barato. O aparelho custa cerca de R$6,5 mil. “Queria acreditar que um dia voltaria a andar para não ter que pedir. Mas não tenho outra opção”, diz. Católico, Marcelo diz ter fé em Deus e não perdeu as esperanças de ainda voltar a caminhar. Toda ajuda é bem vinda. Para falar com o casal e, consequentemente, disponibilizar uma colaboração basta ligar nos telefones 8435-2038 ou 8435-2039. Marcelo irá agradecer.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Índios estão importando água

Há um ano vivendo numa aldeia na comunidade do Barreiro das Frutas - 12 quilômetros do centro de Campo Mourão - os indígenas de Verá Tupã’y estão quase sem água. Com a estiagem dos últimos dias, duas das três minas d’água estão impraticáveis. A situação os levou a tomar banho e lavar as roupas no rio. Galões estão sendo “importados” de outra propriedade. Os 25 índios, incluindo dez crianças, estão implorando ajuda.



Dilmércio Daleffe

Descendentes dos Tupi-Guaranis, os indígenas da única aldeia de Campo Mourão – Verá Tupã’y - começam a preocupar-se com a estiagem da região. Com a terra seca, as três minas d’água já estão quase impraticáveis. A solução encontrada agora é levar galões de outra propriedade até os 25 índios. A situação é tão desesperadora que roupas já não estão sendo mais lavadas com a água potável. Banhos passaram a ser no rio. “Sem água não há vida”, diz o cacique Emiliano Medina.

Medina é um legítimo indígena. Responsável pela aldeia, ele incorporou todo o aprendizado de seus ancestrais para cuidar de seu povo. Os defende como um leão. Talvez seja por isso que está fazendo o curso de direito na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Com sua transferência para Campo Mourão, trancou a matrícula. Mas pretende concluí-lo. Quer no futuro defender as causas indígenas. Ele sabe o que quer.


Bastante preocupado com o cenário de aflição de sua gente, Medina diz que pretende procurar o prefeito Nelson Tureck na próxima semana. Ele deseja buscar uma saída definitiva ao problema. “Desde que chegamos aqui notamos dificuldades quanto a água. Vamos buscar ajuda”, afirmou. Na aldeia vivem quatro famílias, ou seja, 25 pessoas, incluindo dez crianças.
Ainda ontem, o cacique percorreu as minas e as mostrou à reportagem da TRIBUNA. Somente uma delas ainda é utilizada, embora a água não tenha mais a qualidade de antes. Após andar pela aldeia, Medina reuniu-se com parte dos indígenas no Oyguasy – uma espécie de templo sagrado onde são realizadas as orações. Trata-se de uma construção em madeira cujo teto é feito de sapê. Ali, os índios também armazenam a água recém chegada em galões. O líquido vem sendo utilizado apenas para matar a sede e, ao mesmo tempo, fazer a comida.

Aos 42 anos, a indígena Maria Eunice nunca tinha passado por uma situação como esta. “Não temos água suficiente para o que precisamos. O jeito é economizar para não faltar”, diz. Casada e com um filho na aldeia, ela disse estar lavando a roupa da família no rio. João Mário da Silva também se diz preocupado. Aos 55 anos, ele viu quase tudo o que plantou se perder devido à falta de chuva. Segundo ele, os pés de laranja, palmito e mandioca morreram pela estiagem.




Os indígenas chegaram a Campo Mourão há praticamente um ano. Vieram motivados pelo resgate cultural do Caminho do Peabiru. Desde então compraram dois alqueires no Barreiro das Frutas e lá levantaram suas casas. Mal sabiam eles que, juntamente com o propósito de suas raízes, também sofreriam. No final do ano, mais especificamente há duas semanas, perderam quase toda a criação de galinhas. Segundo Medina, elas foram intoxicadas. Agora, estão sentindo na pele a possibilidade de ficarem sem água. Definitivamente, o ano não foi bom aos índios. Se não encontrarem ajuda municipal e ainda, o tempo não colaborar nas próximas semanas, não terão outra alternativa senão apelar à dança da chuva.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Quem se desculpará por Heder dos Santos?

Ele tinha apenas 17 anos. Trabalhava, estudava e ainda ajudava na renda de casa. Mas os sonhos do adolescente chegaram ao fim. Heder dos Santos morreu após permanecer 27 dias internado no hospital. Levou um tiro covardemente pelas costas. Morreu inocente depois de ser acusado por um crime que não cometeu.


Dilmércio Daleffe

Um adolescente, uma calúnia, um tiro. Sonhos de uma vida inteira soterrados pelas mãos desinformadas de um criminoso. Heder dos Santos morreu assim, à toa, sem culpas. Aos 17 anos, foi acusado injustamente por um falso estupro, uma armação de duas meninas de 11 e 12 anos. Pagou com a própria vida por um crime que não cometeu. Foi alvejado por um disparo nas costas. Um tiro covarde de alguém que insiste em esconder-se. Mesmo lutando por 27 dias numa cama de hospital, acabou morrendo no último dia 26. Para a mãe, Cecília Koziel, restaram as lembranças e muitas perguntas. Ela agora quer justiça. “Antes eu tinha medo de morrer. Agora não tenho mais”, disse.

Cecília é uma mãe despedaçada. Perdeu o filho do meio. Um jovem que dedicava a maior parte de seu tempo ao trabalho. Ela nasceu em Pitanga, numa comunidade rural conhecida como Palmital de Baixo. Mas logo aos 21 anos, decidiu largar a “roça” e buscar novas oportunidades em Campo Mourão. Teve dois relacionamentos. O primeiro resultou em dois filhos, incluindo Heder. Sem nunca ter conhecido o pai, viveu ao lado da mãe. De vida sofrida, passou grande parte da juventude no campo. Colhia algodão, plantava feijão e milho. Suas mãos desde cedo deixaram de ser frágeis. Mal sabia ela que o futuro também não seria fácil. Hoje, aos 41, está abalada. A simples diarista de coração grande viu o filho ser morto injustamente.

Emocionada, a mãe conta que Heder saiu naquele domingo, dia 27 de novembro, para dar uma simples volta de bicicleta. A família morava no Conjunto Piacentini, um bairro periférico e bastante simples de Campo Mourão – ela deixou o bairro após o crime. Uma região de bons trabalhadores, sendo a imensa maioria deles, honestos. Horas mais tarde encontrou-se com as duas garotas. Segundo Cecília, as menores não eram do círculo de amizades do filho. Ele teria explicado que permaneceu com as duas próximo ao posto de combustíveis Cataratas, na saída para Maringá. Conversaram um pouco e nada mais aconteceu. Quando decidiu voltar para casa, foi abordado por outros dois adolescentes. Eles teriam agredido e rasgado as roupas de Heder. A bicicleta e um dos tênis também foram levados.



Com medo, o jovem correu até sua casa. A mãe, vendo tal desespero, quis saber o acontecido. Ele explicou o fato e ainda pediu à mãe que acionasse a polícia. Mas não o fizeram. Preferiram ir até a casa da avó. Lá, receberam a notícia de que policiais o aguardavam em sua residência. Com a consciência tranqüila, Heder foi até a casa conversar com os PMs. Pensava ele que a guarnição havia encontrado sua “magrela”. Mas para a sua surpresa, segundo Cecília, foi levado algemado acusado por estupro. Já na delegacia ficou sabendo que tanto a bicicleta como o tênis haviam sido encontrados no local do suposto crime. Uma armação havia sido montada. Mas por que?

A trama

Diante dos questionamentos da delegada Maria Nysa Moreira Nani, a acusação começava a cair por terra. Um laudo pericial comprovou que não houve estupro. “As duas meninas são virgens”, afirmou Nani. As adolescentes inventaram toda a história. Cecília acompanhou o filho durante o interrogatório. Ele contou os fatos detalhadamente para a polícia. “Lembro que a luz caiu naquela noite e o escrivão perdeu tudo o que já tinha escrito no computador. Heder contou tudo novamente, igualzinho como na primeira vez. Ele estava falando a verdade”, disse a mãe. De acordo com a delegada, as meninas podem ter criado a estória apenas com o intuito de se aparecerem. Vivem numa espécie de mundo fantasioso onde criam fatos para conseguir o que desejam. Ela também explicou que, certamente, as duas sofrerão punições da justiça.

Liberdade

Heder foi solto ainda durante a madrugada e retornou com a mãe até sua casa. Na segunda-feira, dia 28 de novembro, ele quis ficar em casa. Estava constrangido e envergonhado pela acusação. Mesmo assim, os dois foram juntos ao Santuário Nossa Senhora Aparecida, na Vila Urupês. Rezaram e agradeceram a Deus pela liberdade. Ele se confessou e depois orou mais uma vez na sala dos milagres. Católico, Heder ia à igreja ao menos duas vezes por mês. Ao sair do Santuário, os dois caminharam juntos até o centro. Passaram em frente a uma concessionária e lá ele prometeu à mãe: “Um dia terei um carros desses”. Era somente um dos tantos sonhos do menino. Infelizmente, não teve tempo para concretizá-lo.

Na terça-feira, dia 29, a vida voltava ao seu rumo habitual. Heder voltou ao trabalho. Era auxiliar de pintura. Passava o dia lixando paredes. Preparava a tinta, alisava a massa corrida e, assim, ganhava o próprio dinheiro. Conta a mãe que o menino labutava desde os 15 anos, ainda num mercadinho da periferia. Fazia entregas aos clientes. Buscou o emprego por iniciativa própria. Queria ajudar a mãe. Afinal, ela criou os três filhos praticamente com o próprio suor. A exemplo de Cecília, Heder não conheceu o pai. Foi rejeitado. “Ele me prometia que um dia iria me dar uma casa”, revela Cecília. Mais um sonho impedido.

O disparo

À noite, Heder chegou em casa cansado. Trabalhou durante todo o dia a ponto do cabelo ficar duro com o pó das paredes. Tomou um banho e foi até a casa do irmão, também no mesmo conjunto. Ele emprestou a moto do primogênito para dar uma volta até sua casa. Não voltou mais. Durante o percurso foi alvejado por um disparo. Um tiro covarde pelas costas. O autor ainda não foi identificado pela polícia. Acredita-se que a ação tenha relação com a falsa acusação de estupro. Minutos depois chega a informação até Cecília de que o filho havia caído de moto. Ela correu ao seu encontro e ajudou a socorrê-lo. Não observou que se tratava de um tiro.

No hospital veio a notícia. O disparo alojou-se na coluna cervical. Mesmo que sobrevivesse, correria grandes riscos de ficar tetraplégico. A mãe desmoronou. Durante 27 dias em que permaneceu na UTI, Cecília rezou. Pedia a Deus ininterruptamente pela melhora do filho. Seus joelhos ainda revelam hematomas dos momentos de oração. Foram horas, dias, semanas de clemência. De nada adiantou. Ele não resistiu e morreu um dia após o Natal. Cecília caiu.

Heder

Heder dos Santos morreu aos 17 anos de idade, vítima de um disparo de arma de fogo. Era um menino comum a tantos outros. Na infância, brincava de bicicleta e carrinho. Viu a mãe sofrer para dar sustento à família. Pobre, decidiu trabalhar ainda aos 15 anos para colaborar com as contas da casa. Passou a comprar sua própria roupa e até parte de sua alimentação. Quando sobrava, dava dinheiro à mãe. Para não comprometer os estudos, passou a estudar à noite, Estava no segundo grau do Colégio Estadual Ivone Soares Castanharo. Não usava drogas, mas bebida de vez em quando. Jamais teve passagens pela polícia. Era um adolescente boa pinta, tinha suas namoradinhas. Como um garoto sensato, enchia-se de sonhos para ajudar a mãe. Prometeu dar uma casa e uma vida melhor. Mas foi impedido pelo destino.

Mesmo com a ausência da figura paternal, nunca quis conhecer o pai. Adorava jogar futebol num campinho próximo a sua casa. Era santista. Como sonho profissional, desejava ser piloto de avião. Acreditava conseguir um dia. Mas as mãos sedentas de ódio do criminoso, mais uma vez, o impediram. Informações obtidas ontem revelam que duas pessoas estão detidas suspeitas pelo crime. Ambas portavam armas que, agora, serão comparadas ao projétil retirado do corpo.

Constrangimento

Diante de tamanha injustiça, Cecília ainda amargura o constrangimento do filho ter sido exumado uma semana após o seu sepultamento. Uma falha do Instituto Médico Legal de Campo Mourão (IML) fez com que o projétil alojado na coluna de Heder não fosse retirado do corpo durante a necrópsia. Sem o material, a polícia não teria como aprofundar-se no caso e, consequentemente, descobrir o criminoso. Milton Scheibel, Diretor Administrativo do IML disse ontem que o projétil deveria ter sido retirado, sim, antes do sepultamento.

Para seu espanto, Cecília só foi informada da exumação horas depois que o corpo já estava no órgão. Ela tinha certeza de que a bala já havia sido retirada. Destruída pelo sentimento da perda, Cecília se consola pensando que Deus recebeu um anjo no céu. “Deus precisava de mais um anjo e o levou de mim”, disse. Ela não tem suspeitas sobre o autor do crime. Quer deixar a investigação para a polícia, mas não abre mão que a justiça seja feita. Bastante chocada com a morte do filho, ela não teve forças para acompanhar o sepultamento. Sem forças para continuar sua jornada, ela agora está em casa, buscando a recuperação. “Não espero mais nada da vida. Aguardava um milagre, mas ele não veio”, disse.

A grandeza de Gregório Chornobay

Ele teve uma infância pobre e sem brinquedos. Construía seus carrinhos com latas de sardinha e sabugos de milho. Mas agora, já marmanjão, desafiou seus chefes para que a empresa em que trabalha doasse milhares de brinquedinhos às crianças carentes. Ele é Gregório Chornobay, um mecânico industrial que, aos 51 anos de idade, fez a diferença.


Dilmércio Daleffe

Ele salvou o Natal de pelo menos 600 crianças carentes. Mesmo trabalhando duro num serviço brutal, onde a graxa mistura-se ao corpo e às peças pesadas, provou ter um coração dos mais frágeis. Demonstrou ter a sensibilidade de um inocente. Aos 51 anos de idade, Gregório Bogdan Chornobay é um mero mecânico industrial. Mora numa casa simples rodeado pelos mais de 12 cães da raça Shitzu, a esposa e o filho de dez anos. Mourãoense nato, decidiu desafiar os patrões e fazer valer o espírito natalino. Gregório é definitivamente o “cara”.

A história do mecânico começa em novembro. Prestando serviços em uma empresa da cidade, ele observou a chegada de inúmeros sacos sujos, todos repletos de pequenas peças de plástico. O material estava ali para ser destruído e, consequentemente, incinerado. Viraria matéria prima. Ao verificar do que se tratava aquele colorido, descobriu que eram milhares de carrinhos, helicópteros e outros brinquedinhos, todos desmontados. Foi então que, comovido, pediu aos três chefes que não o destruíssem, mas sim, doassem às crianças carentes da cidade. Dois deles não deram muita bola. Mas o último entendeu o apelo e aceitou doar os brinquedos.

A partir daí, Gregório levou os sacos repletos de brinquedinhos até a assistente social do Programa Mesa Brasil, do SESC – projeto ligado ao sistema Fecomércio. Maria Eugênia Calixto vinha arrecadando brinquedos por toda a cidade com o objetivo em doá-los a entidades carentes de Campo Mourão e região. Para isso, ela encontra na figura de Marcos Batista de Souza – gerente executivo do Sesc – forças para dinamizar a programação. A chegada do mecânico até ela foi comovente. Ela não acreditava no que via. Era mais que um presente. Era a certeza de que o bem prevalecia. A confirmação de que o espírito do Natal ultrapassava barreiras. Era a garantia de que o sorriso de centenas de crianças pobres estava garantido. Deus existe.

Os brinquedinhos chegaram em grandes sacos sujos. Estavam desmontados e precisavam ser lavados. A partir daí começou uma mega operação. Uma equipe do SESC limpou uma a uma as peças. Depois foram secas e, somente após isso, iniciou-se a montagem das unidades. Crianças e idosos de programas da entidade colaboraram na produção dos brinquedos. Ao todo foram montados quase seis mil presentinhos. Cada dez deles passaram a fazer parte de um Kit e distribuídos aos menores carentes. Crianças pobres, despidas de luxo e sem perspectivas de receber presentes dos pais. Menores inocentes impedidos de sorrir pela condição econômica de suas famílias. Mesmo sendo simples brinquedos, a alegria chegou.

O cara

Gregório vive sujo de graxa. Ele é um profissional dedicado a consertar maquinários enormes da indústria mecânica. É descendente de ucranianos. Seus avós nasceram na Europa. Veio de uma família de seis irmãos. Dois já morreram. Sensibilizado pela sua atitude, ele explica que lutou pela doação dos brinquedos porque lembrou de sua infância sofrida. “Eu nunca tive brinquedos quando era pequeno. Me divertia fazendo carrinhos com latas de sardinha. As rodas fazia de partes do sabugo de milho”, disse. De acordo com ele, a família era muito carente. A renda vinha apenas do pai, um simples ferreiro nas décadas de 40 e 50.

No momento em que viu os brinquedos no interior da sacaria, não pensou em outra coisa senão nas crianças. “Lembro da infância e penso que outras milhares de crianças passam o que eu passei. Estou muito feliz com que fiz”, afirma. Pobre e sem presentes, Gregório ainda se lembra da vez que sua madrinha trouxe um carrinho de lata quando era menino. Com medo de que alguém lhe tirasse o brinquedo, o escondeu sob o assoalho da velha casa de madeira da família, lá pelos idos de 1970. De tão escondido, o esqueceu. Há 15 anos, quando a casa foi desmanchada, os pedreiros encontraram o carrinho, para espanto de Gregório.

Feliz em poder ter ajudado centenas de crianças, Gregório fez mais. Parte das peças ele levou para casa e, junto ao filho e a esposa, montou mais algumas centenas de brinquedos. Ás vésperas do Natal, ele foi de carro até algumas cidades da região, quando semeou os presentes a diversas crianças carentes, como ele mesmo era. Gregório é hoje um “marmanjão” de barba na cara e tudo. Mas quando fala no que fez, volta a ser criança. O passado que o diga.

BOX

O que é o Mesa Brasil?
É um programa de segurança alimentar e nutricional que trabalha no combate à fome e ao desperdício de alimentos, formando uma rede nacional de solidariedade. Atua como uma ponte entre empresas que têm alimentos para doar e instituições sociais. Existe no Paraná desde 2003. Um dos braços do programa é o projeto “Devolva a alegria ao seu brinquedo”. Ou seja, visando o final de ano, o Sesc colabora na arrecadação de brinquedos para doar a crianças carentes.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O diário de Milton Dubay

Ele podia ser quem quisesse na vida. Tinha família, dinheiro, terras. Entre anjos e demônios, preferiu o inferno. Escolheu o caminho errado e morreu por isso. Depois de 30 anos usando drogas, chegou ao fundo do poço. Internado em 2009, escreveu um diário onde revelou seus medos, dramas e ressentimentos. Morreu aos 46 anos de idade, sozinho, numa cama longe da família, na cidade de Piedade. Nome sugestivo a quem estava lutando para largar o vício. As drogas o venceram. Sua família deseja agora que o caso sirva de exemplo a jovens que começaram a entrar no mesmo caminho.



Dilmércio Daleffe

Ele tinha pais afetuosos, irmãos companheiros, terras, carros, dinheiro. Mas logo na adolescência, ainda aos 16 anos, foi apresentado à maconha. Não saiu mais. Daí por diante Milton Dubay conheceu os caminhos sinuosos da vida. Foi preso por 12 ocasiões, bateu o carro inúmeras vezes, passou a usar cocaína e já, depois dos 40 anos de idade, se entregou ao crack. No fundo do poço, foi internado pela décima vez, agora na cidade de Piedade, em São Paulo. Foi lá, durante quase 90 dias que escreveu um diário sobre o seu drama, a sua tragédia pessoal. Nos relatos pediu desculpas à família, se ressentiu dos problemas financeiros ocasionados pelo vício e declarou seu amor pela mãe - sua maior companheira. O tratamento não foi concluído. Milton morreu antes do tempo. Sua vida terminou enquanto dormia, numa cama solitária, distante dos irmãos e da terra natal. Sentindo a falta da química tóxica dos entorpecentes, o seu organismo não resistiu. Ele morreu por causa indeterminada, aos 46 anos, definitivamente, vencido pelas drogas.

Dia 27 de fevereiro de 2009, sexta-feira, primeiro dia do diário: “Acordei 6:30 e fui escovar os dentes. Fui tomar café e aí fui na primeira reunião matinal. Depois fui na educação física”.

Milton nasceu em Campo Mourão no dia 09 de abril de 63. Do signo de Áries, não tinha malícia e muito menos ressentimentos. Era um cara boa pinta e sempre despontava com uma boa prosa, seja com os amigos ou entre a família. Namorou todas as moças que desejou na cidade e veio de uma família de bons trabalhadores, honestos. O pai, Eduardo, sempre foi de Campo Mourão. Pobre, fez dinheiro com a cultura do algodão, nas décadas de 60 e 70. A mãe, Júlia foi o seu ponto de apoio. O porto seguro de todas as horas. Ela recebia inúmeras visitas em sua casa, diariamente. Era uma mulher guerreira, querida pela comunidade. Criou quatro filhos: Laércio, Reginaldo, Milton e Eslaine. A saúde acabou por abandonar os pais de Milton. Eduardo morreu aos 77 anos, em 2006. Júlia, foi nova, com apenas 64 anos, em 2004.

Dia 03 de março de 2009, terça-feira: “Hoje não acordei muito bem, pois meus dentes sangraram durante a noite e senti muita dor. Comecei a participar ativamente da educação física. Tenho que melhorar. Estou tendo dificuldade para falar e me expressar durante as reuniões de grupo”

No começo de sua vida, Milton morava na fazenda. De acordo com o seu diário, gostava muito de lá. “Era livre para brincar, domar cavalos. Porém eu era uma criança que não tinha conhecimento das conseqüências dos meus atos”, disse. Ele tocava fogo em folhas e nos pedaços de madeira, que acabava se alastrando pelas lavouras dos vizinhos. “Estes atos me faziam sentir vergonha e, principalmente, medo de apanhar do meu pai”, revelou. Para combater tais sentimentos ele se escondia na mata, chegando até, às vezes, a dormir por lá. Os estudos iniciaram na escola que se localizava dentro da fazenda dos pais. “Me lembro que a professora me tratava muito bem, pois como disse, era o dono da escola. E eu, por ter dinheiro, comprava os coleguinhas com borracha, lápis, caneta e cadernos”, relatou.

Como conseqüência, os alunos de classe copiavam a matéria do quadro para ele. “Hoje, sei que isso me impediu de aprender muitas coisas. Mas sei também que de outra maneira, o dinheiro continua comprando facilidades”. Algum tempo depois a família mudou para a cidade e, ao invés de Milton ser matriculado na quarta série, foi colocado na segunda série. “Este acontecimento me deixou com vergonha, pois eu era a maior criança da sala”, disse. Logo ele abandonou os estudos para sempre.

Dia 07 de março de 2009, sábado: “Hoje acordei meio impaciente, mas o dia passou tão rápido que não deu pra perceber. É que sou dependente químico e preciso de ajuda”.

Já na adolescência, em Campo Mourão, as companhias da cidade não eram mais inocentes, puras como da época em que vivia na lavoura. As amizades tinham interesses, como até hoje acontecem. Foi aí que conheceu a maconha. Ainda aos 16 passou a utilizá-la com freqüência, aumentando o consumo dia-a-dia. Com o tempo os pais e irmãos acabaram descobrindo. Mas já era tarde demais. Milton estava viciado, doente, nas mãos de traficantes. A dependência vitimou a família de todas as formas possíveis. Financeiramente: Os pais gastaram muito dinheiro pagando advogados para tirá-lo da cadeia – sempre foi preso como usuário -, além de ter que, indiretamente, pagar toda a droga consumida por ele. Psicologicamente: As suas detenções, loucuras, danos materiais e a própria doença abalaram todos os membros da casa. Humilhações: De certa forma a sociedade, munida de extremo preconceito, olhava diferente à família. Só pra se ter idéia do que a droga causava na vida de Milton, ainda na década de 80, ele foi apontado como um dos recordistas em acidentes de trânsito no Paraná.

Dia 27 de março de 2009: “Hoje acordei bem aliviado, pois ontem esqueci de tomar os remédios e, esta irresponsabilidade não teve maiores consequências. O coordenador me deu uma nova chance. Hoje estou bem mais tranqüilo e focado na minha recuperação. Estou aberto ao tratamento”.

Os atos de um viciado dificultam a vida de todos a sua volta. No entanto, no caso de Júlia, a sua jornada foi mais dolorosa. Vendo a escolha do filho pelo caminho das drogas, ela e o marido viraram reféns. Por inúmeras vezes era a mãe quem recebia traficantes dentro da própria casa para arcar com os pagamentos dos entorpecentes. Não é exagero dizer que Milton não morreu pelas mãos dos traficantes porque sempre havia dinheiro. “Se ele não tivesse grana, já teria sido assassinado há muito tempo”, revelou Laércio, o irmão. Segundo ele, a mãe aprendeu a lidar com o drama do irmão, vivenciando todos os “pesadelos” daquela realidade. Relatos de uma tia revelam que certa vez, Júlia foi levada de dentro de casa por traficantes. Eles a obrigaram a sair com dinheiro para pagar a dívida do filho. Junto aos bandidos, dentro de um carro, ela efetuou o pagamento. Já fora da cidade, ela foi deixada. Mandaram que voltasse a pé, sem chamar a polícia. Júlia tinha 58 anos de idade.

Numa das primeiras vezes que Milton foi preso, os pais e os irmãos estavam no fórum aguardando a sua chegada com a polícia. Ali, no saguão, os pais derramaram lágrimas ao ver o filho algemado, sendo levado por policiais como um bandido. “Ali naquele momento eu vi que ele arrebentou com nossos pais. Eles não mereciam passar por aquilo”, lembra Laércio. Após tantas detenções por uso de drogas, até mesmo a polícia passou a ter paciência. Comerciantes, pessoas na rua, enfim, todos que o conheciam, sabiam que se tratava de uma pessoa bastante doente. “Quase todo mundo tinha consciência de sua situação. Por isso tinham paciência com ele”, diz.

Dia 30 de março de 2009: “Hoje acordei de bem com a vida e com vontade de participar ao máximo do meu tratamento. Partilhei sobre os meus relacionamentos amorosos e, como conseqüência decorrentes destas, registrei dois filhos sem ter certeza que sou o pai deles”

Convidada para falar sobre o assunto drogas em uma associação civil da cidade, a mãe de Milton foi ameaçada por traficantes. Eles teriam ligado exigindo que ela não fizesse mais palestras como a que fez. “Na verdade, não foi uma palestra. Foi um desabafo sobre o drama do filho. Os traficantes não gostaram nada”, revelou Laércio. A situação era a mesma sempre, simplesmente, porque Milton não conseguia se livrar do vício. Ele tentou por diversas vezes abandonar as drogas – quando era internado em clínicas. Mas a doença era mais forte que ele. Por algumas ocasiões, quando via adolescentes filhos de conhecidos seus usando drogas, Milton denunciava aos pais. “Ele não queria que acontecesse o mesmo com amigos dele. Então quando via jovens usando entorpecentes, ele falava”, disse o irmão. O declínio físico e pessoal começou mesmo após a morte da mãe, em 2004. De acordo com a família, Milton perdeu a pessoa mais próxima a ele. Júlia era quem o ajudava no seu drama, chegando inclusive até a comprar drogas ao filho.

Dia 09 de abril de 2009: “Hoje acordei bem feliz. Pois hoje completei 46 anos de idade. Me fez lembrar que estou sozinho no mundo e isto me deixou mais alerta e com vontade de lutar pelo que é meu. Fiquei feliz e ao mesmo tempo com vergonha do grupo, que cantou parabéns pra mim. Estou com mais vontade de lutar contra esta doença”

Durante o tempo que permaneceu internado, Milton relatou muito sobre a preocupação em voltar a cuidar dos seus bens. Mesmo com a sua “falsa” maturidade, os pais dividiram as terras, sobrando uma boa parte para que ele cuidasse. Eram cerca de 60 alqueires e quem acabou cuidando da propriedade foi a mãe. De acordo com a família, devido ao vício, Milton não conseguia administrar nem sua vida, quem diria uma a fazenda. Mesmo durante o seu tratamento, Milton queria saber como estava a plantação, os lucros, problemas com o maquinário. Foi na clínica também quando escreveu uma espécie de projeto de vida. Na parte da saúde ele descreveu que não gostaria de fazer esportes, muito menos academia. Para dormir, pretendia deitar às 23h e levantar às 7h. Medicamentos não tomaria mais e, assim que saísse, queria fazer uma bateria de exames, principalmente, o da próstata. Nas amizades, preferia se relacionar somente com a família e pessoas ligadas ao trabalho, tudo para evitar pessoas do antigo circulo de amizades, os viciados.

Dia 23 de abril de 2009, último relato antes da morte: “Hoje acordei um pouco doente. Tive começo de gripe forte. Tive que levantar de madrugada para ir no posto tomar remédio e o Cidinho mediu minha pressão. Tive uma noite muito ruim de sono. Consegui dormir um pouco. Levantei, fiz minha higiene pessoal. Fui tomar café. Subi para fumar um cigarro. Aí bateu o sinal. Fui a reunião matinal e na educação física. Na parte da tarde tive reuniões normais e depois fui consultar o doutor Marcos. Retornei a outra reunião sobre sentimentos com a doutora Nelci. Falei dos meus sentimentos.

Milton morreu às 3 horas da madrugada do dia 25 de abril de 2009, na cidade de Piedade. O nome até parece uma coincidência, uma brincadeira do destino. Foi uma morte silenciosa e sem dor. Morreu sozinho enquanto dormia, 72 dias depois de uma abstinência total dos narcóticos. O corpo veio à Campo Mourão, onde foi enterrado na quadra 1083 A, do Cemitério São Judas Tadeu. Agora, ele está novamente junto com os pais, Julia e Eduardo. Deixou dois filhos. Para a família, mesmo sendo uma tragédia, o caso deve ser discutido na sociedade, servindo de exemplo a jovens, ou não, que vem tomando o mesmo rumo. Afinal, casos como o de Milton nunca estão longe. Não estão retratados apenas nas novelas da Globo ou em seriados americanos. Podem estar ao lado ou muitas vezes até dentro de casa. Os pais são os últimos a saber, ou querer acreditar. A trajetória de Dubay também não pode ser comparada a de um bandido, de um marginal. Ela tem que ser refletida como um caso de saúde pública, uma doença que cada dia mais vem invadindo os lares brasileiros.

Durante o seu internamento, Milton escreveu uma carta para a já falecida mãe. Não se sabe ao certo se o texto foi uma iniciativa própria, ou um pedido do professor da clínica de recuperação, como uma espécie de redação. Seja qualquer um dos dois motivos, as palavras saíram direto do coração.

Carta para minha mãe Júlia Mateus Dubay



“Minha mãe, estou te escrevendo esta carta porque estou com muita saudade de você em minha vida. Você sempre me acolheu quando eu mais precisei, mas infelizmente você teve que ir embora. Você sempre foi tudo em minha vida. Hoje gostaria de te falar que as coisas ainda não estão certas como você queria. Mãe, ainda para mim não caiu a ficha do que aconteceu com você. Pois para mim não foi uma morte comum, acho que foi assassinada. Você foi a pessoa que nunca me deixou sozinho nas horas difíceis, sempre esteve ao meu lado, mesmo quando fui preso. Sei que para você não foi fácil me acompanhar até o último dia de sua vida. Você sempre foi uma pessoa muito trabalhadora. Lembro que no Dia das Mães a sua casa ficava cheia, pois você amparou muitas pessoas que hoje estão bem. A sua vida sempre foi ajudar os outros. Tenho certeza que está com Deus.

Mãe, você deixou uma marca no meu coração e de muitas pessoas. Você era uma pessoa muito divertida e passava muita energia. Mãe, hoje estou passando por uma situação muito difícil. Gostaria que estivesse ao meu lado. Dentro de mim você não morreu. As vezes penso que ainda está em casa. Depois que foi embora, infelizmente minha vida regrediu. Mas vou tocar esta vida com garra e determinação. Quero que esteja em um lugar bom com Deus. Mãe, me proteja aqui na terra que estou orando muito por você. Te amo muito minha mãe. De seu filho, Milton.