segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sob a tragédia, João continua em pé



Dilmércio Daleffe
Descendente de espanhóis, João Luiz Fernandes sempre foi forte. Destemido guerreiro das terras vermelhas de Mamborê, lutou enquanto jovem para formar família nos campos da região. Veio de um lar íntegro, cuja educação o levou a caminhos corretos. Mas mesmo sabendo o que queria, foi personagem de uma tragédia sem igual. Um fato inusitado que mudou seu futuro. No dia 04 de maio de 1956, aos 27 anos de idade, perdeu de uma só vez a esposa, três filhos, dois irmãos e uma sobrinha. Segundo ele, Deus levou tudo o que tinha, mas decidiu “preservá-lo”, como uma espécie de prova. Hoje, aos 85 anos, ele está em pé. Constituiu nova família, gastou o que tinha para formar os sete filhos e vive feliz ao lado da companheira, Nadir. Desafiado pelo destino, João ficou sem chão. Mas conseguiu superar a dor, embora jamais conseguisse esquecer daquele dia de terror.

João Fernandes e a companheira Nadir
João nasceu de uma família com raízes na Espanha. Os avós chegaram ao Brasil no início do século. Anos depois, já crescido, o pai de João deixou o interior paulista para buscar terras no Paraná. Ele casou, teve seis filhos e então chegou por volta de 1946 à região de Mamborê. Lá, numa comunidade rural chamada Bairro dos Paulistas – hoje Canjarana – João encontrou uma moça, Ana, com quem casou. Juntos tiveram três filhos – Jeremias, Obadias e a menina Lóide. Viviam de um modo bastante simples, uma vez que naquele tempo quase não haviam recursos. O conforto dos dias atuais era coisa irreal, impensada. Numa casa de madeira cerrada, João acomodou os cinco.
Arquivo Pessoal
Casa que foi devastada pelo vento
No Bairro dos Paulistas, João recebeu do governo um pedaço de terra para viver com a família. Era um sítio modesto, mas o suficiente para sua renda. Criava porcos e os engordava para a venda. Para isso, dedicava-se para manter sempre uma boa ração aos animais. E foi assim, que na madrugada daquele dia 04 de maio de 56, deixou a propriedade para colher milho numa outra comunidade, distante 18 quilômetros dali. Era o tal Pinhalão, lá pros lados de Goioerê. João passou dia e noite naquele lugar. Mas ao amanhecer, recebeu a visita de um de seus empregados. Ele chamava o patrão para voltar ao sítio. João sabia que não era boa coisa. Mas o capataz não adiantou o assunto.    
Ao chegar à sua propriedade, a vida de João parecia ter desaparecido. Ali já não havia mais casa, cerca, animais, gente. Tudo havia sido dizimado por um ciclone, um redemoinho, ou muito possivelmente, um tornado. Nos seus 27 anos, todo um passado parecia ter sido apagado. De tudo o que havia vivido até aquele momento, restava apenas ele próprio. No sítio tudo estava de cabeça para baixo, tamanha a força do vento. Vizinhos contam que chovia na hora. Eram cerca de 20h quando a tempestade começou. Rajadas de vento avisaram a chegada da tormenta, que terminou com o tal redemoinho. Não sobrou ninguém pra contar a história. Apenas alguns vizinhos distantes, que também tiveram estragos em suas casas, porém, sem vítimas.
João conta que pedaços da casa foram encontrados em Farol e em Roncador. Parte da cama onde estava a esposa, Ana, foi identificada no topo de uma árvore a 500 metros da casa. Tudo foi espalhado, inclusive as sete pessoas que ali estavam: Ana, com 22 anos, os três filhos de 6, 4 e 2 anos, Carmo, um irmão de João, além da irmã Leandrina, que havia acabado de chegar de Londrina com a filha de seis meses. Os corpos foram encontrados a 300 metros distantes de onde estava a casa de madeira. “Até hoje não tenho palavras pra descrever o que senti. É algo muito ruim. Não consigo esquecer”, diz João. Depois de velados, os familiares foram sepultados no cemitério da comunidade. Permanecem lá até hoje.

''Até hoje não tenho palavras pra descrever o que senti.''
João lembra que só teve forças para superar a tragédia devido ao carinho e conforto da comunidade. Um pastor, amigo seu, também estendeu a mão e o levou até um seminário, onde permaneceu por alguns meses. Lá, ouvia a palavra de Deus, o que colaborou para entender que o que havia passado não era um castigo. Mais tarde deixou o local e voltou a seguir com sua vida. Vendeu a propriedade e aplicou o dinheiro agora, no comércio. Comprou uma máquina de arroz em Mamborê e assim, reiniciou sua nova jornada. Foi então que pediu Nadir em casamento e da união tiveram sete filhos, todos formados e encaminhados. Jamima é a mais velha. Hoje é jornalista em Londrina. Como ninguém é perfeito, aventurou-se na política. Em 1965 foi vereador e em 1970, vice prefeito de Mamborê.
Atualmente João mora numa casa em alvenaria, bastante confortável numa rua tranqüila de Mamborê. Ao seu lado, a companheira Nadir. Juntos, os dois passam os dias numa paz de dar inveja. Também pudera, além do trabalho de uma vida inteira, já fizeram sua parte na formação e educação dos “meninos”. Agora vivem a dois momentos de ternura, cujas lembranças os remetem a tranquilidade. É bem verdade que parte da história de João sempre terá marcas amargas. Como ele mesmo disse não consegue esquecer a tragédia. Mas o tempo é o senhor da razão. E foi apenas por este motivo que ele conseguiu contar o terror daquela noite de 1956

Nenhum comentário:

Postar um comentário