Dilmércio Daleffe
Justiça: No entendimento dos homens, justiça significa o respeito à igualdade de todos os cidadãos. É o princípio básico de um acordo que objetiva manter a ordem social, principalmente, através da constitucionalidade das leis. De uma maneira mais simples, justiça é a correção de um mal feito a alguém. Para “Zé Bedeu”, no entanto, justiça representa sua saída da cadeia. Preso preventivamente em Barbosa Ferraz há quase 30 dias, ele sabe que descumpriu uma ordem judicial. Por isso reconhece o erro. Mas acredita não ter feito nenhum mal para estar encarcerado. Seu “pecado” foi ter realizado uma ligação telefônica para o filho, o qual mora com a ex-amásia há 40 quilômetros de sua casa.
Zé Bedeu vive de maneira simples, embora honesta |
Maria da Penha: Lei número 11.340 decretada pelo Congresso Nacional em 2006, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A história de “Zé Bedeu” começou há cerca de oito anos, quando passou a morar com a ex-companheira. Do relacionamento nasceu um filho. Mas acontece que todo romance tem seus altos e baixos. E com ele não foi diferente. Entre brigas, xingos e discussões, a mulher o denunciou por ameaça, mesmo sem nunca ter sofrido agressões físicas. O boletim de ocorrências, elaborado mediante a Lei Maria da Penha, transformou-se em inquérito policial. Depois em processo e, finalmente, em punição. Por determinação judicial, ele foi proibido de aproximar-se da ex-amásia. Também teve que afastar-se do filho. E, pra piorar, ainda foi impedido de realizar telefonemas ao menino. Para ele, mais que uma punição, sofreu foi um castigo.
Prisão: Ato de prender ou capturar alguém. Por extensão, o conceito também abarca o local onde se mantém o indivíduo preso, sendo sinônimo de claustro ou clausura, cárcere, cadeia ou xadrez. Mas a cerca de um mês, a saudade do menino foi tanta que ele acabou pagando o preço. Ligou ao filho e dias depois – exatamente 8 de março, no Dia Internacional da Mulher – foi preso por descumprir a determinação da justiça. “Sei que não podia ligar. Mas acho que é uma ordem bastante pesada. Não entendo porque ficar longe do menino. E depois, eu só liguei. Que mal podia fazer?”, questionou.
Indignação: Sentimento de cólera ou desprezo excitado por uma afronta, uma ação vergonhosa, uma injustiça frisante. “Zé Bedeu” também explicou que jamais agrediu a ex-mulher e o que acontecia eram apenas discussões mais acaloradas. Depois da detenção, sua indignação foi tamanha que o advogado dele, Alfredo Leôncio Dias Neto, emprestou algumas palavras e o defendeu no processo explicando a comoção através de versos. “Fiquei tão comovido com a situação dele, com sua indignação, que acabei inserindo em sua defesa versos que explicavam toda a história”, disse Alfredo. Ele, inclusive, também achou pesada demais sua prisão. “Crimes com penas inferiores a quatro anos não requerem regime fechado. E no caso dele, não entendi porque ficou preso”, afirmou.
Zé Bedeu: Na verdade seu nome é José Antônio da Costa, um homem simples que, aos 45 anos de idade – completados dentro da cadeia -, deixou os buracos de fossas que sempre perfurou, para viver no inferno de uma cadeia. Sem alfabetização, jamais freqüentou um dia sequer da escola. Mesmo assim, mantém uma casinha própria, e, até então jamais havia passado perto de uma cela com outros presidiários. Na cidade pequena, é conhecido como um cara de bem, trabalhador. Mesmo assim, somente ele e sua ex-mulher, para saber ao certo o que se passava entre as quatro paredes. Católico, acredita em Deus e na guerra contínua entre o bem e o mal. Tem o apelido graças a um personagem de novela, o qual usava um chapelão parecido com o que também usa no trabalho. É um sujeito tranqüilo, de fala mansa e, acima de tudo, ao que parece, com amor de sobra pra dar ao filho.
História: Significa pesquisa, conhecimento advindo da investigação, ciência que estuda o homem. “Zé Bedeu” veio de uma família mineira. Os pais chegaram ao Paraná ainda na década de 60. Do casal nasceram seis filhos. Criado na roça, “Zé” também pegou na enxada. Ajudou desde os sete anos a colher café e algodão. Até hoje vive de maneira simples, embora honesta. Durante toda sua vida teve dois relacionamentos e quatro filhos. Assim que deixar a cadeia, quer retomar sua vida. Voltar a cavar fossas, poços e rede de esgoto. Embora o tempo passe, dificilmente “Zé” esquecerá dos dias pelos quais vem passando. Ele não aceita o que aconteceu. Afinal, numa democracia, o direito à indignação é sagrado.
Monólogo do "Zé Bedeu"
Estou preso há quinze dias porque liguei pro meu garoto
Da mulher havia me separado há ano e pouco
Ela lá no Paraíso do Sul e eu aqui nas valetas de esgoto
Também fazendo fossas e até perfurando poço
O trabalho é árduo e sujo, mas eu não sou escroto
Dela tinha de guardar cem metros determinou o Juízo
Mas o amor paterno falou mais forte e ligar era preciso
Achei não ser crime ligar pro filhinho lá no distante Paraíso
Mas ela falou pro Promotor e este foi conciso
Pediu minha prisão e fui parar no frio piso
Onde amarguro até agora minha falta de siso
Três vezes a liberdade pelo advogado pedida e negada prá Zé Bedeu
Mas no Brasil a prisão várias vezes pedida foi negada pro Zé Dirceu
Tenho certeza que os crimes dele são mais graves que o meu,
E presunção de inocência não existe para caras como eu
Um tal de Honoré de Balzac disse que a justiça é como teia de aranha,
os grandes insetos a rompem e os pequenos ficam presos
Mas a vida de pobre é assim, e isto não me provoca sanha
Por isso meus amigos não devem ficar surpresos
Se por mais alguns dias me deixarem em cana
Porque sou o Zé Bedeu e não o Zé Dirceu
E o caso dele, como já disse, é mais grave que o meu
O ladrão de medalhas e energia é o José Marin
E com tudo isso acaba sobrando... só prá mim
Mas por todos está olhando e zelando nosso Pai Celestial
Que um dia vai julgar todos sem distinção, em Juízo Final
Autoridades constituídas, enfim todos que fizeram o bem e o mal
E da sentença proferida não caberá recurso a nenhum tribunal.
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