Enquanto o número de policiais vem se mantendo insuficiente no Paraná, o índice de gente fazendo coisa errada só aumenta. A conseqüência é uma só: muitos detentos pra pouca polícia. A situação piora ainda mais porque a unidade civil da polícia está virando refém da custódia de presos. Hoje, pelo menos na região de Campo Mourão, 70% do tempo dos policiais é dedicado aos aprisionados. Restam outros 30% para o trabalho investigativo, aquele essencial para prender criminosos. A situação não vai nada bem. Em algumas delegacias, policiais chegam a servir como uma espécie de psicólogos. Têm que ouvir reclamações amorosas e até depressivas dos detentos.
Dilmércio Daleffe
Wilian é um jovem preso por assalto. Está na cadeia de Engenheiro Beltrão numa cela onde caberiam seis pessoas. Mas divide o espaço com outros 23. Sem ventilação, passa o dia sob um calor de 30 graus. Improvisou alguns ventiladores para amenizar o drama. O problema é que já foi julgado e condenado a seis anos de detenção. Ele não deveria mais estar ali e sim, ser removido a uma penitenciária. Enquanto permanece, torna-se mais uma pedra no caminho da Polícia Civil. É que, ao invés de passar o dia investigando crimes contra a população, policiais perdem seu tempo com a guarda dos detentos. Acabam se envolvendo com problemas íntimos, médicos e até amorosos dos aprisionados. A situação das delegacias da região de Campo Mourão, definitivamente, não vai nada bem.
A realidade é que, policiais que deveriam estar na rua investigando, ficam a mercê dos detentos. “Se der investigamos”, afirma o delegado chefe da delegacia de polícia de Engenheiro Beltrão, Reginaldo Caetano da Silva. Segundo ele, sua equipe passa a maior parte do tempo voltada aos aprisionados, restando à população o consolo e a paciência para poder desvendar determinados crimes. Segundo ele, 70% do tempo da polícia hoje é gasto com presos. Restam apenas 30% para cumprir o verdadeiro papel da investigação. “Se não tivéssemos que custodiar os detentos, aqui em Engenheiro Beltrão já teríamos elucidado todos os delitos”, explicou Silva.
Hoje, a delegacia de Engenheiro Beltrão conta com 68 detentos. Destes, 19 não deveriam mais estar ali. Eles foram condenados e tinham que estar em presídios maiores. São apenas seis celas para acomodar todo mundo. Pela lei, apenas 12 pessoas poderiam permanecer encarcerados no local. Mas não é o que ocorre. De acordo com o delegado, a cada seis metros quadrados deveria haver somente um presidiário. “Cuidar dos presos fere a Constituição. Não temos esta missão. Hoje não se investiga como antigamente”, diz o delegado. Em 2011, em Beltrão, houve apenas uma fuga. Este ano foram duas tentativas sem êxito.
A equipe da polícia não é grande. Além de Reginaldo somam-se quatro investigadores e mais dois profissionais cedidos pelo próprio município. Sem serem policiais, os dois trabalham como escrivães. À noite, sempre um membro da equipe colabora na vigilância dos detentos. Mesmo assim, segundo Reginaldo, trata-se de uma “guarda deficitária”. Mas se vale de consolo, ao fundo, três cães vira-latas ajudam na vigilância. É o que tem.
Pior ocorre em Barbosa Ferraz, onde um simples vigilante da prefeitura, desarmado, faz a guarda. Barbosa ainda registra um saldo negativo em fugas ao longo dos últimos dez anos. Numa delas, em 2004, um dos foragidos retornou às celas por livre e espontânea vontade. Na época ele disse que estava com fome. Atualmente o município conta com 18 presos, num local onde deveriam estar apenas oito. Além disso, oito deles também já estão condenados.
Segurança pública às moscas
Walter Pereira
A segurança pública em Farol está às moscas. A exemplo de outras cidades, a Polícia Militar enfrenta dificuldades que vão muito além da falta de pessoal. Lá, são os policiais cuidam de 15 presas na cadeia feminina. O pior é que atualmente apenas três soldados estão de serviço na cidade. Outros dois estão afastados. Segundo o comandante do destacamento, Nelcides Antonio da Silva, o trabalho da PM, de prevenção, é feito apenas ‘quando dá’. “O nosso foco tem sido somente a delegacia”, ressaltou.
Apesar de inúmeros anúncios, a transferência das presas e o fechamento da cadeia continuam uma incógnita. Outro problema, é que a cadeia funciona além da capacidade. São apenas 10 vagas, mas abriga 15 detentas. Algumas delas dormem como podem, nos corredores. A estrutura física do prédio também chama a atenção. O local praticamente não possui sistema de segurança algum. Reflexo da fragilidade são as constantes fugas no local. Apenas os muros altos e arames de serpentinas colaboram contra fugas. A falta de segurança do prédio fez com que a polícia reduzisse até mesmo o tempo de banho de sol.
A reportagem da TRIBUNA esteve na carceragem no início dessa semana e constatou que apenas um policial faz a escala de serviço por dia. O pior é que o PM dividia o trabalho de cuidar das presas com as rondas na cidade. Uma missão praticamente impossível a qualquer ser humano. “A cidade está largada. A situação está crítica. Não cabe a Polícia Militar o serviço de carceragem”, disse Silva. Ele acrescentou que o trabalho da PM vem sendo feito como pode.
Mamborê
A questão das carceragens superlotadas é um problema crônico que atinge praticamente todas as delegacias do Estado. Em Mamborê, por exemplo, não é diferente. Apesar da delegacia ser bem estruturada fisicamente, com sistemas de segurança, equipamentos de informática e três galerias com solários, a carceragem está superlotada. Com capacidade para 12 presos, abriga 42. Está funcionando quatro vezes acima da capacidade. Dos detentos, 23 estão condenados.
De acordo com o delegado Antonio Cesar Pereira dos Santos, alguns presos são de alta periculosidade, como assaltantes de ônibus, homicidas, latrocidas e traficantes. O efetivo policial no local é outro problema. São apenas três investigadores, mas dois estão afastados. Ou seja, atualmente apenas o delegado e um investigador fazem os trabalhos. Na quarta-feira, não havia nenhum investigador, apenas o delegado. A delegacia conta com um único escrivão contratado pelo Estado.
Santos informou que seria necessário, no mínimo, a contratação de mais dois investigadores e um escrivão. Na situação atual, ele disse que a Polícia Civil praticamente não tem como fazer investigação no município. “Mais da metade do nosso tempo é para custodiar presos”, informou. O delegado acrescentou que seis presos estão em regime semi-aberto. Ele está na expectativa de que pelo menos os condenados sejam transferidos à penitenciária de Cruzeiro do Oeste. Apesar de todos os problemas, Santos considera o clima no interior da carceragem tranquilo. Do lado de fora, o delegado mantém uma horta para alimentação dos próprios presos. O pátio da delegacia é também ocupado por vários veículos apreendidos.
Delegacia de Campo Mourão mantém histórico de superlotação
Tayenne Carvalho
A cadeia de Campo Mourão tem como um dos maiores problemas a superlotação. Além disso, a falta de efetivo também é uma situação que dificulta o andamento das atividades. A situação está caótica, segundo afirmou o delegado chefe da 16ª Sub Divisão Policial José Aparecido Jacovós.
A cadeia de Campo Mourão tem capacidade para 70 pessoas. No entanto, somando os detentos do regime semi-aberto, são aproximadamente 220 presos. Destes, 50 já estão condenados. “Tiraram 33, mas continua superlotado”, explica o delegado. A situação compromete tanto as condições de quem está preso, quanto o trabalho dos policiais civis.
Quanto ao número baixo de efetivo, Jacovós explica que “acaba tendo um comprometimento da investigação, porque policiais que deveriam estar na rua, estão fazendo trabalho de escolta de presos, tanto na civil quanto na militar. O fato de ter de colocar policiais para cuidar, transportar e escoltar presos, compromete a investigação”.
Além disso, a carceragem tem uma estrutura precária. Os presos têm de ocupar as galerias e as celas não têm portas. Pela superlotação, não há espaço para todos. Segundo o advogado e presidente da Comissão dos Direitos Humanos, representada pela OAB de Campo Mourão, Andrey Legnani, a rede de esgoto na carceragem não é suficiente, ficando sua vazão comprometida. Além disso, os presos têm pouco volume de água nos encanamentos.
Tranquilidade na cadeia de Iretama
Clodoaldo Bonete
Prédio bem conservado, sem lotação na cadeia e refeições de qualidade. Embora não pareça, a descrição feita é de uma delegacia da Polícia Civil da região. Em Iretama, a cadeia tem capacidade para 12 presos, mas acomoda 14, apenas dois a mais. Ou seja, ao contrário da maioria de outras unidades, onde a população carcerária chega a quadruplicar. “A comida aqui é muito boa. Ninguém tem do que reclamar”, gritou um preso, sem mostrar o rosto, enquanto recebia uma marmita com arroz, feijão e carne. Um cozinheiro prepara a comida na cozinha da delegacia, onde até os policiais se alimentam. “Os policiais sempre comem aqui também, porque a comida é boa mesmo”, disse o mestre-cuca, que pediu para não ter o nome divulgado.
A delegacia de Iretama passou por reformas há pouco tempo. Além de pintura nas paredes, as celas foram todas reforçadas e não há registro de fugas na cidade desde 2009. São dois investigadores, dois escrivães e uma viatura. Eles se dividem nos plantões e tudo o que entra na cadeia para os presos é minuciosamente vistoriado.
Um dos escrivães, que não quis se identificar, disse que a equipe fica muito atenta nas horas das revistas. “Não entra nada que possa facilitar uma fuga. A Polícia Militar faz revistas nas celas, mas não tem encontrado nada”, disse ele. Como não há plantão à noite – apenas prisões em flagrantes são atendidas no período noturno -, o cuidado é redobrado. Isso para que os presos não se apoderem de serras ou outras instrumentos que possam danificar ou abrir buracos. Além disso, nos fundos da delegacia, uma cadela Rotweiller mantém a vigilância.
A cadeia é composta por quatro celas, com três camas cada uma e banheiro com chuveiro. Diariamente, das 09h30 às 17 horas, os detentos passam no solário. No final da tarde são recolhidos. Em Iretama, a massa carcerária poderia ser ainda menor que sua capacidade, mas pelo menos três presos condenados ainda não foram levados para a penitenciária de Guarapuava. “Temos um outro preso também que cumpre pena no regime semiaberto. Ele trabalha durante o dia e passa as noites, feriados e finais de semana na cadeia. As visitas são liberadas nas quartas-feiras, das 14 às 17 horas. Por ser sede de comarca, Iretama recebe também presos de Roncador. Na cidade vizinha não há cadeia.
Um destacamento no parquinho
Clodoaldo Bonete
Em Luiziana, o prédio que acolhe os policiais militares nem ao estado pertence. Trata-se de uma edificação antiga, mantida pela própria prefeitura num local onde deveria conter um parquinho infantil. Sim, ao invés de existirem crianças brincando, conforme diz a placa ainda resistente ao tempo, encontra-se a sede da PM. O local se resume a tranqüilidade. Sem muitas ocorrências, até as duas celas foram desativadas. Lá não existem presos, nem policiais civis. Quem comete crimes na cidade é encaminhado para a delegacia de Campo Mourão, sede da comarca. Segundo o sargento Almir Quichaba, que já comandou o destacamento de Luiziana, a delegacia da cidade nunca recebeu presos. Trabalho a menos.
Muitos presos, poucos policiais
Ana Carla Poliseli
Quinta-feira é dia de visita na delegacia de Peabiru. Se normalmente já há muito trabalho, durante a quinta, os quatro agentes ficam exclusivamente para cuidar da comida levada a carceragem e das visitas. “É que nestes dias, tem muito preso que tenta sair disfarçado. É preciso muita atenção”, conta o delegado Adriano Garcia Evangelista dos Santos, responsável pelas delegacias de Peabiru e Araruna.
A carceragem que deveria abrigar 16 presos possui três vezes esse número. Em três galerias, estão 52 pessoas. Uma das celas, de 12 m2, é destinada as seis mulheres sob custódia na delegacia. Com isso, cada homem ocupa aproximadamente um metro quadrado. Bem abaixo do recomendado que é de seis metros quadrados por pessoa. Além das galerias destinadas aos homens e mulheres, existe uma cela chamada segura e uma para adolescentes. Entre os que estão ‘amontoados’, 15 já poderiam estar em penitenciárias. Mas faltam vagas no sistema penal.
Apesar da superlotação, há quase dois anos, não há fugas. Até então, a média de fugas era de três por ano. Para o aparente ‘milagre’ não há segredo. “Desde que eu assumi, fazemos revistas três vezes por semana e sempre sigilosas. Além disso, fizemos algumas obras para reforçar as instalações.” Em menos de dois anos, a população carcerária passou de 32 presos para 52. “Resultado das ações que desmantelam várias quadrilhas. Por isso mesmo, o Estado nunca vai conseguir que o sistema acompanhe o número de presos”, acrescenta Santos.
Sem espaço, a revista é mais complicada e os motivos para motins aparecem rapidamente. Todas as semanas, quatro horas são perdidas com a revista da alimentação levada por parentes. “O agente não pode sair porque precisa ser babá de preso. A quinta-feira mesmo é um dia morto para investigação. Mas ainda assim, com todas as dificuldades, prendemos muita gente.”
Na delegacia, uma cela é dedicada às mulheres. Nas paredes, a pintura é rosa. “A gente não tem reclamação não”, comenta uma das detentas. Era dia de visita e ela deixou a reportagem para voltar sua atenção à família. Nos fundos, três presos trabalhavam na pintura do muro. A calçada que contorna a delegacia também foi obra dos internos. O delegado explicou que eles estão no programa de benefício de remissão. A cada três dias trabalhados, um dia da pena é reduzido. Para participar, é preciso ter bom comportamento.
O aparelho para ginástica também foi construído pelos detentos. Madeira e concreto formaram um alteres, muito disputado. Para quem fica confinado, algumas horas de força são exercício para o corpo e alívio para a cabeça. Segundo o delegado, o número e a qualidade das viaturas é exemplar. São quatro veículos novos. Com a Receita Federal, a delegacia recebeu doações de computadores, impressoras e fax.
Araruna: reforma em andamento
Ana Carla Poliseli
Apesar dos presos de Araruna ficarem em Peabiru, a delegacia que ficou por mais de um ano fechada foi reaberta recentemente. As portas receberam novos batentes, o chão foi trocado e a pintura na parede deve ser feita em breve. “A gente tenta investir nesse primeiro atendimento à população. Para resolver os problemas e não traumatizar ainda mais quem já está fragilizado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário